Projecto de Resolução N.º 1111/XII/4.ª

Pelo Reforço e Valorização dos Profissionais de Saúde no Serviço Nacional de Saúde

Pelo Reforço e Valorização dos Profissionais de Saúde no Serviço Nacional de Saúde

Exposição de motivos

A questão dos profissionais de saúde tem assumido nos últimos quatro anos uma nova centralidade, não apenas devido à saída precoce de muitos profissionais do SNS, mas também devido à forma como o governo tem vindo a desvalorizar a função social e profissional destes trabalhadores.

A desvalorização social e profissional dos profissionais da saúde também abarca a redução de profissionais que compõem as equipas. Reduz-se o número de médicos, de enfermeiros, de assistentes operacionais que compõem as equipas sendo-lhes exigido que continuem a prestar os cuidados como se as equipas estivessem completas.

A política do Governo para os recursos humanos da saúde é caracterizada por uma clara intenção de facilitar a saída dos profissionais do serviço público para o sector privado, degradar a prestação de cuidados de saúde e assim cumprir um dos objetivos centrais e ideológicos dos partidos que compõem o atual executivo (PSD/CDS-PP) – transferir para o setor privado, para os grandes grupos económicos do setor da saúde a prestação de cuidados de saúde e, desta feita, destruir o SNS.

Neste sentido, tem-se constatado que a evolução dos profissionais de saúde no Ministério da Saúde tem sido profundamente negativa. Ao invés de dotar o Serviço Nacional de Saúde (SNS) de uma maior capacidade de resposta às necessidades das populações, potenciando o desenvolvimento científico e tecnológico e o aprofundamento do conhecimento pelos profissionais de saúde, o Governo opta por restringi-la mediante a não contratação do número de profissionais necessários para oferecer e prestar cuidados de saúde de qualidade.

São cada vez mais evidentes as consequências nefastas da carência generalizada de profissionais de saúde no SNS, nomeadamente nos elevados tempos de espera para atendimento nas urgências hospitalares, no adiamento de consultas e cirurgias, na redução de serviços e valências, quer ao nível dos cuidados de saúde primários, quer nas unidades hospitalares, ou na própria saúde dos profissionais.

Presentemente há falta de médicos, enfermeiros, técnicos de diagnóstico e terapêutica, técnicos superiores de saúde, assistentes técnicos e assistentes operacionais.

As carências de profissionais de saúde têm-se acentuado nestes anos de vigência do pacto de agressão e do Governo PSD e CDS-PP tal como o têm denunciado as diferentes estruturas representativas dos trabalhadores (Sindicatos, Associações Profissionais) e representantes de utentes do Serviço Nacional de Saúde.

No que respeita à enfermagem e segundo os números veiculados pelo Sindicato dos Enfermeiros Portugueses (SEP) faltam “perto de 25 mil enfermeiros” no SNS. A título meramente ilustrativo e, ainda, de acordo com o SEP, a região do Algarve carece de 159 profissionais; a unidade local de saúde do Alto Minho (Viana do Castelo) de 400; o hospital de Santarém 170; o hospital de Santa Maria, em Lisboa, 300.

A carência de médicos no SNS aumentou devido à aposentação, em muitas situações antecipada, e à saída por outros motivos, designadamente por desmotivação e ausência de valorização profissional, atirando-os para o setor privado, mesmo sabendo que não é aí que vão encontrar as condições laborais que respondem aos seus anseios, e, noutros casos para o estrangeiro, gorando as expectativas de muitos jovens trabalhadores e desperdiçando mão-de-obra altamente qualificada em cuja formação o Estado também investiu.

De 2010 a 2013 saíram mais de 2100 médicos do SNS por aposentação, dos quais mais de 600 séniores e mais de 1300 assistentes graduados. Neste período saíram 1050 médicos de família. Os dados referentes aos primeiros seis meses de 2014 demonstram que já se aposentaram 270 médicos. Destes 270, 147 são médicos de saúde geral e familiar, 120 das carreiras hospitalares e 3 da saúde pública.

A saída de médicos altamente diferenciados reduz a capacidade formativa dos serviços públicos de saúde, podendo perder a idoneidade formativa, o que terá implicações negativas nas vagas disponíveis para a formação de jovens médicos. Atendendo à idade dos médicos e ao seu descontentamento com as políticas em curso, é expectável que a situação se agrave com a sangria de médicos do SNS. É o próprio futuro do SNS que não está assegurado.

Aos dados atrás mencionados juntam-se as informações constantes dos balanços sociais do Ministério da Saúde. Assim, de acordo com os documentos do ministério, em 2010 existiam 130.256 trabalhadores e em 2012 eram já 126.604 trabalhadores, ou seja, em dois anos o Ministério da saúde perdeu 3652 trabalhadores.

Em 2012, o Ministério da Saúde possuía 26.359 médicos (dos quais 1.869 eram prestadores de serviços, incluindo médicos internos), 39.698 enfermeiros (menos 719 face a 2010), 1786 técnicos superiores de saúde (menos 36), 7982 técnicos de diagnóstico e terapêutica (menos 139), 17279 assistentes técnicos (menos 1099) e 27130 assistentes operacionais (menos 1838).

Os dados publicados, em 15 de agosto do corrente ano, pela Direção-Geral da Administração e do Emprego Público (DGAEP) continuam a revelar uma perda significativa de profissionais de saúde.

Uma análise detalhada dos dados relativos ao Ministério da Saúde, quer tomando a administração central, quer as entidades do setor público, quer ainda as Entidades Públicas Empresariais, onde estão inseridos os hospitais EPE, mostram o seguinte:

No tocante ao emprego na Administração Central, no âmbito do Ministério da Saúde, entre o primeiro trimestre de 2014 e o segundo trimestre há menos 460 trabalhadores, ou seja, em março de 2014 havia 29.970 profissionais enquanto em junho de 2014 existiam 29.510 trabalhadores. Porém, se compararmos o período homólogo (junho de 2013 e junho de 2014) o número de saídas é ainda maior, tal como evidenciam os seguintes números: em junho de 2013 o ministério da Saúde tinha 30.525 profissionais e decorrido um ano, (junho de 2014,) conta apenas com 29.510 trabalhadores. Ora, o que estes valores nos dizem é que num ano foram perdidos 808 postos de trabalho.

No que respeita às entidades do setor público (que integram as empresas públicas e demais entidades do setor público, não incluindo a administração pública), os dados publicados pela síntese estatística do emprego público 2º semestre de 2014 evidenciam, tal como sucedia na administração central, uma diminuição do emprego na área da saúde. Em junho de 2014 havia 88.415 postos de trabalho, menos 1.282 do que no trimestre passado (março de 2014), e quanto à variação homóloga (junho 13/ junho 14) a quebra é ainda mais significativa, isto é, há menos 2.390 postos de trabalho e, consequentemente, menos trabalhadores em atividades da saúde humana.

Passando agora a análise para as carreiras da área da saúde, os dados da DGAEP referentes à administração central patenteiam a quebra de profissionais de saúde. Assim, houve uma redução no número de médicos, passando-se de 18.472 médicos em março de 2014 para 18.167 (menos 305); enfermeiros de 29.779 para 29.467 (menos 312); técnicos de diagnóstico e terapêutica de 6.232 para 6.155 (menos 77) e técnicos superiores de saúde de 1.105 para 1.103.

Cenário idêntico é encontrado nas entidades públicas empresariais da saúde. No período a que a síntese estatística faz referência saíram dos hospitais EPE 303 médicos, 310 enfermeiros, 76 técnicos de diagnóstico e terapêutica e 2 técnicos superiores de saúde.

Em relação à carência de assistentes técnicos e assistentes operacionais nos serviços públicos de saúde, essenciais para o seu pleno funcionamento, e tendo em conta os milhares de trabalhadores no desemprego em Portugal, só por critérios economicistas o Governo não autoriza a abertura de concursos públicos para colocar o número de trabalhadores em falta no SNS.

Nos últimos anos tem vindo a crescer a emigração de profissionais de saúde que, não encontrando oportunidade no país, as procuram no exterior. Só nos últimos três anos (2011 a 2013) 1371 médicos solicitaram a declaração de reconhecimento de qualificações profissionais fora de Portugal, dado do resumo do estudo «Cortar ou investir na saúde? Novo contrato económico e social para o “pós troika”». Quanto aos enfermeiros, esse estudo indicava que 1724 pediram a declaração de reconhecimento de qualificações fora de Portal e em 2012 foram 2814 enfermeiros que a solicitaram. Não se compreende que o Governo, perante as enormes carências de profissionais de saúde no SNS, invista na sua formação para mais tarde os empurrar para a emigração, ao invés de os contratar. Mais uma vez, a realidade evidencia as opções do Governo em prosseguir a destruição do SNS.

Há muitos anos que o PCP vem alertando e denunciando a necessidade de os sucessivos Governos tomarem medidas eficazes em tempo útil que evitassem a atual carência de meios humanos e a rutura de muitos serviços públicos de saúde.

A desmotivação dos profissionais de saúde resulta das medidas de sucessivos Governos, muito agravadas pelo atual, de retirada de direitos aos trabalhadores da Administração Pública assentes em quatro vetores:

– Facilitar o despedimento e a saída dos trabalhadores da vida ativa;

– Reduzir e eliminar direitos dos trabalhadores da Administração Pública, muitos deles consagrados na Constituição da República e reconhecidos a todos os trabalhadores portugueses;

– Agravar as condições de trabalho, aumentar a carga horária e desregulamentar as carreiras;

– Atacar e desacreditar os sindicatos, procurando reduzir a sua capacidade de organização e mobilização para a luta e fragilizar ainda mais o direito de negociação coletiva, com a negociação individual dos salários.

A falta de profissionais, a par da falta de motivação e a não existência de uma política de recursos humanos que garanta uma carreira pública e a valorização profissional e salarial dos profissionais de saúde terá, acaso não seja travada, consequências nefastas na prestação de cuidados de saúde que são prestados às populações.
Mas a história de 38 anos de política de direita é bem reveladora da forma como os sucessivos governos, incluindo o atual têm tratado a questão da saúde e, particularmente, do SNS. Assim, pelo Governo do PS foram destruídas as carreiras e respetivas categorias, perdeu-se o vínculo efetivo com a introdução de mapa de pessoal, desvalorizaram-se as remunerações, introduziu-se um sistema de avaliação injusto e a mobilidade especial.

O atual Governo PSD/CDS-PP foi ainda mais longe no ataque aos direitos dos trabalhadores da Administração Pública e na desvalorização dos profissionais de saúde que se traduz nos cortes nos salários e remunerações, na redução do pagamento das horas de qualidade, na destruição das carreiras e dos direitos laborais, no agravamento das condições de trabalho, no aumento da carga horária a que se junta a precariedade e instabilidade nas relações laborais, existindo hoje muitos profissionais de saúde que estão com contratos a termo certo, em regime de prestação de serviços ou colocados através de empresas de trabalho temporário.

As restrições na contratação de profissionais de saúde têm conduzido à redução da capacidade de resposta de centros de saúde e hospitais, ao aumento do tempo de espera e à degradação da qualidade dos cuidados de saúde prestados aos utentes. Para além de, no caso dos profissionais os levar a estados de enorme exaustão física e psicológica, como evidencia o recente estudo publicado por uma universidade privada. De acordo com o estudo “dois em cada três enfermeiros apresentam valores elevados de exaustão emocional”, ao que se acrescenta o facto de “68% dos hospitais não oferece[m] recursos adequados à prática da enfermagem” e “25% dos cuidados fica[rem] por realizar, devido à falta de tempo” apesar de “um terço dos enfermeiros trabalharem para além do seu turno”.

Há muitas extensões de saúde, postos médicos e centros de saúde que já encerraram e irão encerrar, ou já reduziram e irão reduzir serviços, valências e até o horário de funcionamento, devido à carência de profissionais de saúde.

Há milhares de utentes sem médico de família. Em 2012, de acordo com o relatório do Tribunal de Contas havia 1,6 milhões de portugueses sem médico, tendo havido um aumento de 24% desde 2006, e mesmo a operação de limpeza das listas de utentes dos médicos de família, dos utentes que não utilizam o centro de saúde há mais de três anos não consegue esconder a gritante carência de médicos de família.

Não se compreende que o Governo não contrate os profissionais de saúde em falta nos centros de saúde e nos hospitais quando há tantos trabalhadores no desemprego a aguardar uma oportunidade de trabalho, acabando muitos por emigrar. Infelizmente, esta situação está a passar-se com milhares de enfermeiros que, caso o Governo os contratasse, contribuiriam substancialmente para a melhoria da qualidade e da segurança dos cuidados de saúde prestados, permitiriam a criação do enfermeiro de família nos centros de saúde e interviriam no âmbito da prevenção da doença e da promoção da saúde.

Não há um estabelecimento do SNS que cumpra as dotações seguras de enfermeiros relativamente aos utentes.

A criação das entidades EPE (hospitais e unidades locais de saúde) veio introduzir desigualdades entre os profissionais de saúde. Nestas entidades há trabalhadores que desempenham exatamente as mesmas funções e que têm exatamente as mesmas responsabilidades mas, porque uns têm contratos de trabalho em funções públicas e outros contratos individuais de trabalho, não têm as mesmas remunerações, o mesmo horário de trabalho nem os mesmos direitos.

O Governo sabe que sem profissionais de saúde com vínculo público, integrados numa carreira, não é possível garantir o futuro do SNS com qualidade. Por isso, uma das estratégias adotadas pelo Governo para desmantelar o SNS passa por atacar os direitos dos seus trabalhadores e impor constrangimentos enormes no funcionamento dos serviços públicos de saúde, mantendo a carência de profissionais de saúde propositadamente sem solução.

Se o Governo estivesse verdadeiramente preocupado com a “sustentabilidade do SNS” não impunha as restrições ao nível dos profissionais de saúde.

O PCP entende que a continuidade do SNS, de qualidade e para todos os portugueses é possível com a dotação dos meios humanos necessários, com condições de trabalho, integrados em carreiras valorizadas, com remunerações adequadas e motivados para desempenhar este serviço público imprescindível, e que é um direito de todos os cidadãos consagrado na Constituição da República Portuguesa. Há que definir políticas de defesa do SNS e garantir os direitos dos trabalhadores.

Assim, tendo em consideração o acima exposto, e ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, o Grupo Parlamentar do PCP apresenta o seguinte

Projecto de Resolução

1. Que encare a grave insuficiência dos recursos humanos afetos à prestação de cuidados de saúde como uma questão decisiva para o futuro do Serviço Nacional de Saúde e do país;

2. Proceda a um levantamento das necessidades objetivas em matéria de recursos humanos na área da saúde, da sua distribuição pelas diferentes valências e por unidades de saúde (unidades hospitalares, unidades de cuidados primários de saúde e unidades de cuidados continuados integrados);

3. Promova a contratação dos profissionais de saúde, nomeadamente de médicos, enfermeiros, técnicos superiores de saúde, técnicos de diagnóstico e terapêutica, assistentes técnicos e assistentes operacionais, com base no diagnóstico das necessidades elaborado e em número que garanta uma prestação de cuidados de saúde com qualidade e eficiência;

4. Crie um sistema de atribuição de incentivos que permita a fixação de profissionais de saúde nas regiões onde persista esta carência e que estabeleça um regime que determine um tempo de permanência obrigatório proporcional ao tempo do internato da especialidade;

5. Melhore as condições de trabalho dos profissionais de saúde, reponha os seus direitos e dignifique as suas carreiras, proporcionando uma efetiva valorização profissional e progressão na carreira;

6. Valorize social e profissionalmente as carreiras de Medicina Geral e Familiar e de Saúde Pública;

7. Reduza e otimize em todas as Administrações Regionais de Saúde os prazos de abertura dos concursos públicos para a contratação dos médicos que terminaram a especialidade;

8. Elimine a precariedade e restabeleça o vínculo público a todos os profissionais de saúde que exerçam funções em unidades de saúde do SNS, independentemente do atual vínculo laboral;

9. Desenvolva os processos negociais para a revisão das carreiras especiais ainda por concluir, com base no que for acordado com as organizações representativas dos respetivos trabalhadores;

10. Elabore um programa para a formação de profissionais de saúde, especialmente de médicos, em que as vagas disponibilizadas sejam proporcionais às necessidades, reforçando as vagas para os internatos de medicina geral e familiar;

11. Desenvolva um programa de formação excecional dirigida aos médicos sem especialidade que exercem funções no Serviço Nacional de Saúde, que lhes possibilite a aquisição de uma especialidade médica;

12. Aplique medidas de emergência temporárias de contratação no estrangeiro de médicos, em condições de qualidade, segurança e de equidade com os médicos portugueses, e adote uma estratégia de atração dos jovens estudantes portugueses de medicina no estrangeiro.

Assembleia da República, em 16 de setembro de 2014

  • Assembleia da República
  • Projectos de Resolução