Projecto de Resolução N.º 1184/XII/4ª

Pelo reforço e valorização do papel dos enfermeiros no Serviço Nacional de Saúde

Pelo reforço e valorização do papel dos enfermeiros no Serviço Nacional de Saúde

Exposição de motivos

Não há Serviço Nacional de Saúde sem profissionais de saúde. Assim como não há Serviço Nacional de Saúde sem profissionais motivados, valorizados quer do ponto de vista profissional, quer do ponto de vista social. Apesar do discurso do Governo e, particularmente, do Ministro da Saúde, de valorização dos profissionais de saúde, o que a realidade de todos os dias demonstra é que, ao longos destes anos de governação, o executivo tudo tem feito para desvalorizar os profissionais de saúde e atacar os seus direitos.

A desvalorização dos profissionais de saúde tem assumido, nos anos de governação PSD/ CDS-PP, contornos sem precedentes – cortes nos salários e remunerações, destruição das carreiras, dos direitos laborais, agravamento das condições de trabalho, aumento da carga horária a que se junta a precariedade e instabilidade nas relações laborais.

A desvalorização social e profissional dos profissionais da saúde também tem sido feita pela redução de profissionais que compõem as equipas. Reduz-se no número de médicos, de enfermeiros, de assistentes operacionais e de técnicos de diagnóstico e terapêutica mas é-lhes exigida a prestação de cuidados como se as equipas estivessem completas. Esta situação tem-se traduzido no aumento exponencial do número de profissionais de saúde, enfermeiros em particular, que apresentam sinais e sintomas de exaustão. Aliás, nos últimos meses foram vários os casos e exemplos de enfermeiros que tornaram público que estavam exaustos e não “aguentavam mais” trabalhar nas condições que as administrações e chefias lhe estavam a exigir. Para esta situação de exaustão muito concorre a decisão governamental de aumentar o horário de trabalho das 35 horas para as 40 horas semanais, assim como o facto de estar a ser exigido aos enfermeiros que cumpram vários turnos seguidos (temos informação que existem enfermeiros que têm que assegurar dois e três turnos) porque não há profissionais para assegurar o turno subsequente. Existem, ainda, enfermeiros a quem é negado o descanso compensatório, obrigando-os assim a jornadas contínuas de trabalho. Estas situações decorrem do facto de os serviços estarem desprovidos de enfermeiros, pese embora haver muitos jovens enfermeiros na situação de desemprego e a emigrarem.

A carência de enfermeiros não tem apenas repercussões na saúde dos profissionais, também se faz sentir nos cuidados que são prestados, nomeadamente a não realização ou dificuldades em dar resposta aos cuidados de enfermagem de acordo com as necessidades dos utentes.

Tem sido reconhecido que faltam muitos profissionais de saúde nos diversos níveis de prestação de cuidados de saúde do Serviço Nacional de Saúde. Fala-se na falta de cinco mil só nos cuidados de saúde primários.

Nos últimos anos tem-se assistido a uma diminuição no número de enfermeiros no SNS. Esta diminuição está bem espelhada nos dados publicados na Síntese Estatística do Emprego Público.

De acordo com este documento, existiam em 30 de junho de 2014 na administração central 29.467 enfermeiros, menos 857 do que em junho de 2013. Esta tendência de saída de enfermeiros afetos à administração central tem-se mantido no presente ano. Assim, entre março e junho, saíram 312 enfermeiros.

Tendência idêntica é encontrada nas Entidades Públicas Empresariais que, no caso da saúde, integram os hospitais E.P.E. De acordo com o documento acima aduzido, em junho de 2014 existiam 29. 449 enfermeiros, o que representa em termos homólogos (comparação com junho de 2013) uma diminuição de 856 enfermeiros e, em termos de variação trimestral (março a junho de 2014), um decréscimo de 310 enfermeiros.

Os problemas dos enfermeiros que trabalham no SNS não residem somente na questão da falta de profissionais nas equipas e, por esta via, do não cumprimento das dotações seguras. Abrange, também, as inúmeras situações de enfermeiros que continuam a trabalhar com vínculos precários.

As situações de precariedade abarcam os trabalhadores que estão em regime de contrato a termo certo, os colocados através de contratos de prestação de serviços por empresas de trabalho temporário ou ainda os “falsos recibos verdes”, cujos contratos são estabelecidos diretamente com as Administrações. A incerteza e a instabilidade quanto ao futuro é o sentimento predominante nestes profissionais. Muitos enfermeiros optam por sair do país para encontrar emprego. Considerando a falta de enfermeiros nos cuidados de saúde primários e nos Hospitais não se compreende que, existindo um número muito significativo de enfermeiros no desemprego, não se dotem estas unidades de saúde com o número de profissionais necessários e se obrigue a que muitos abandonem o país para trabalhar no estrangeiro.

Em termos da carreira de enfermagem, o Governo impôs uma carreira sem ter sido alcançado acordo em aspetos essenciais, nomeadamente na atribuição salarial, sem equiparar em termos remuneratórios os enfermeiros a outros técnicos superiores na Administração Pública com carreiras especiais, não atendendo à especificidade da sua formação, qualificação e competências na área da saúde. Assim como não tem cumprido com o que está instituído na legislação que enquadra a Carreira de Enfermagem, ou seja, a abertura de concursos para a categoria de enfermeiro principal. Sucede, no entanto, que em muitas das instituições existem muitos enfermeiros a exercerem essas funções mas, por causa do congelamento da abertura de concursos, sem deterem a categoria.

A par dos problemas atrás enunciados, existe no Serviço Nacional de Saúde uma prática discriminatória dos salários pagos aos enfermeiros. A discriminação e a desigualdade salarial decorrem do facto de coexistirem nas entidades EPE contratos de trabalho em funções públicas (CTFP) e contratos individuais de trabalho (CIT) mantendo o Ministério da Saúde a injusta discriminação salarial apenas por possuírem um tipo de vínculo distinto, embora ambos possuam o mesmo conteúdo funcional e exerçam as mesmas funções.

Para além da discriminação salarial decorrente do tipo de contrato – CTFP / CIT- existe uma discriminação salarial entre enfermeiros dos Agrupamentos de Centro de Saúde – ACES, mormente entre os profissionais das Unidades de Saúde Familiar e das demais unidades funcionais – Unidades de Cuidados de Saúde Personalizados e Unidades de Cuidados na Comunidade

A existência de práticas salariais discriminatórias contraria o princípio constitucional de “trabalho igual, salário igual”, pelo que urge que tal situação seja corrigida e abolida do SNS.

Ao longo dos anos houve por parte dos profissionais de enfermagem um investimento na formação e no desenvolvimento de competências especializadas que introduzem valor acrescentado nos cuidados que são prestados aos utentes. Porém, este investimento não tem tido a devida recompensa salarial, assistindo-se presentemente à desvalorização remuneratória dos enfermeiros especialistas.

A atividade profissional de enfermagem é prestada, em muitos casos, em situações de penosidade - sobrecarga física ou psíquica - e em circunstâncias que se associam ao exercício de funções em condições de risco e insalubridade. Aliás, o reconhecimento que a profissão de enfermagem é exercida nessas condições esteve na génese da atribuição de compensação pelo exercício de funções em condições particularmente penosas, o qual foi instituído pelo Decreto- Lei nº 62/79 de 30 de março. Neste Decreto-Lei institui-se uma tabela remuneratória que prevê o pagamento do que habitualmente se designa por “horas de qualidade”, que este Governo reduziu em 50% nos últimos Orçamentos do Estado, incluindo o do próximo ano.

A ofensiva contra os profissionais de saúde e a não contratação dos profissionais em falta resultam claramente das orientações neoliberais que visam, no fundamental, desfragmentar e destruir um serviço público de primeira necessidade para as populações, com o fim último de o entregar ao setor privado e aos grandes grupos económicos.

Entende o PCP que os meios humanos são um elemento essencial para assegurar o futuro do SNS. O PCP entende, também, que a continuidade do SNS, de qualidade e para todos os portugueses, é possível com a dotação dos meios humanos necessários, com condições de trabalho, integrados em carreiras valorizadas, com remunerações adequadas e motivados para desempenhar este serviço público imprescindível e que é um direito de toda a população, consagrado na Constituição da República Portuguesa. Há que definir políticas de defesa do SNS e garantir os direitos dos trabalhadores.

Entende também o PCP que todos profissionais de saúde, particularmente os enfermeiros, num contexto de ataque permanente ao SNS e aos seus direitos e em condições de extrema adversidade para o exercício das suas funções, têm demonstrado uma enorme dedicação, empenho e prestado os melhores cuidados de saúde aos portugueses, desta feita permitindo que o Serviço Nacional de Saúde não se deteriore nem deixe de cumprir a sua missão, mormente preservando o seu carácter geral e universal.

Assim, tendo em consideração o acima exposto, e ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do Artigo 4.º do Regimento, os Deputados abaixo assinados do Grupo Parlamentar do PCP apresentam a seguinte

Resolução

A Assembleia da República, nos termos do n.º 5 do Artigo 166.º da Constituição, recomenda ao Governo que:

1. Encare a grave insuficiência dos recursos humanos afectos à prestação de cuidados de saúde como uma questão decisiva para o futuro do SNS e do País;

2. Proceda uma avaliação das necessidades objetivas em termos de enfermeiros em todos os níveis de prestação de cuidados de saúde (primários, hospitalares, continuados e paliativos) e a sua distribuição pelas diferentes valências ao nível do território nacional;

3. Promova a contratação dos enfermeiros com base no diagnóstico das necessidades, assegurando vínculos estáveis e o respeito pelos direitos laborais, potenciando a prestação de cuidados de saúde com qualidade, segurança, em tempo útil e com eficiência;

4. Melhore as condições de trabalho dos enfermeiros, reponha os seus direitos e salários, reponha o pagamento das “horas de qualidade” de acordo com os valores inscritos originalmente no Decreto-Lei nº 62/79 de 30 de março e dignifique as suas carreiras, proporcionando uma efetiva valorização profissional e progressão na carreira;

5. Ponha fim à discriminação salarial entre enfermeiros, harmonizando os salários de todos os enfermeiros que exercem funções nos Cuidados de Saúde Primários;

6. Ponha fim à discriminação e à desigualdade salarial decorrente do facto de coexistirem nas EPE regimes de contrato de trabalho diferenciados, tomando como referência a estabilidade do vínculo laboral;

7. Valorize remuneratoriamente o trabalho dos enfermeiros detentores do título de enfermeiro especialista;

8. Reduza e otimize em todas as ARS os prazos de abertura dos concursos públicos para a contratação dos enfermeiros;

9. Elimine a precariedade e restabeleça o vínculo público a todos os profissionais de saúde que exerçam funções em unidades de saúde do SNS, independentemente do actual vínculo laboral;

10. Desenvolva os processos negociais para a revisão das carreiras, com base no que for acordado com as estruturas representantes dos respetivos trabalhadores;

11. Reponha o horário de trabalho em 35 horas semanais.

Assembleia da República, em 12 de dezembro de 2014

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