Projecto de Resolução N.º 1361/XIII

Pelo Reforço dos Cuidados de Saúde Primários de Proximidade às Populações

Pelo Reforço dos Cuidados de Saúde Primários de Proximidade às Populações

O Serviço Nacional de Saúde possibilitou a cobertura generalizada do território nacional de Cuidados de Saúde Primários.

Os Cuidados de Saúde Primários significam, em Portugal, a primeira forma de contacto dos cidadãos com o Serviço Nacional de Saúde, sendo entendidos como o primeiro meio de acesso aos cuidados de saúde.

A criação do Serviço Nacional de Saúde (SNS) a par da descentralização e disseminação dos centros, postos e extensões de saúde pelo país possibilitaram a evolução muito positiva dos indicadores de saúde, em poucos anos, designadamente, no aumento da esperança de vida, na redução da mortalidade infantil e na promoção da saúde. Para a Organização Mundial de Saúde, os Cuidados de Saúde Primários (CSP) são parte integrante do desenvolvimento socioeconómico da sociedade e do SNS, de que constituem função central e são o principal núcleo.

Apesar da importância estratégica dos Cuidados de Saúde Primários ser reconhecida mundialmente, apesar dos avanços legislativos e práticos em Portugal depois de 25 de Abril de 1974, regista-se por ação e opções políticas de sucessivos governos da política de direita e, de forma muito particular pelo Governo PSD/CDS, a um progressivo desinvestimento neste nível de cuidados. Desinvestimento que foi reconhecido por diferentes organizações representativas do setor (sindicatos, associações representativas de profissionais e utentes), por académicos e estudiosos, de que os trabalhos do Observatório Português dos Sistemas de Saúde e o relatório do Tribunal de Contas de 2014 relativo à Auditoria ao Desempenho de Unidades Funcionais de Cuidados de Saúde Primários.

Nestes trabalhos salienta-se a diminuição da capacidade de resposta dos Cuidados de Saúde Primários, a qual se deveu aos fortes constrangimentos orçamentais, mas também ao encerramento de serviços de proximidade, à carência de profissionais de saúde, ao desinvestimento na área da saúde pública e à não atribuição de médico de família a todos os utentes. Recorde-se que no final Governo PSD/CDS (ano de 2015) havia em Portugal 1.044.945 utentes sem médico de família.

Um pouco por todo o território encerraram extensões de saúde, serviços de atendimento permanente (SAP), reduziu-se horários de funcionamento de serviços e valências, ficando as populações praticamente sem resposta no período noturno e nos fins de semana e feriados, afastando os cuidados de saúde dos utentes. O encerramento dos serviços de proximidade dificulta a acessibilidade dos utentes aos cuidados de saúde.

Durante os negros anos de governação PSD/CDS a carência de profissionais de saúde nos cuidados de saúde primários foi notória. Por todo o país faltavam médicos, enfermeiros, técnicos de saúde, assistentes técnicos e operacionais. Esta realidade resultou claramente da forte restrição na contratação de trabalhadores que teve o expoente máximo entre 2011-2015, mas que não se resume a esses anos e vinha sendo imposta por sucessivos Governos. Aumentaram os trabalhadores sem vínculo à função pública, com contratos de trabalho em funções públicas a termo certo, ou a contratação de profissionais através de empresas de trabalho temporário, privilegiando a instabilidade e a precariedade e gerando desmotivações.

Na sequência das eleições de outubro de 2015, da derrota do Governo PSD/CDS e do novo quadro de correlações de forças saído das legislativas de 4 de outubro, foi possível interromper a política de exploração e empobrecimento, de destruição das funções sociais do Estado e, consequentemente do Serviço Nacional de Saúde. Desde 2016 que se deram passos, embora de forma tímida e insuficiente, para inverter o rumo de desinvestimento no Serviço Nacional de Saúde e, de modo especial, dos cuidados de saúde primários.

Apesar de ter havido uma redução significativa de utentes sem médico de família, no final do ano passado mais de 700 mil portugueses não dispunham de médico, havendo regiões do país em que o cenário é extremamente preocupante, designadamente em Lisboa e Vale do Tejo e Algarve.

A situação de utentes sem médico de família poderá agravar-se num futuro próximo com a aposentação de médicos de medicina geral e familiar, como é sustentado pelo estudo da OCDE (Portugal -Perfil da Saúde 2017).

Na mesma linha, o trabalho desenvolvido pela Associação Portuguesa de Medicina Geral e familiar aponta para o aumento da saída de médicos de medicina geral e familiar nos próximos sete anos na seguinte ordem de grandeza: 2018 - 219; 2019 - 259; 2020 – 409; 2021 – 507; 2022 – 439; 2023 – 336 e 2024 – 227.

Deram-se, de igual modo, passos no sentido de aumentar a capacidade de resposta dos cuidados de saúde primários, designadamente com a criação de projetos piloto em áreas como a saúde oral e visual, sendo que nesta os cuidados são centrados no rastreio de saúde visual dirigido a crianças. Em 2017 houve o alargamento dos projetos a mais unidades de saúde, mas continua a não se verificar uma cobertura nacional, pelo que estas experiências ficam aquém do que é desejável, e importa que sejam rapidamente disponibilizados a todos os utentes independentemente da região onde residam.

Foram também reforçadas as respostas na área da psicologia e nutrição através da contratação e colocação de psicólogos e nutricionistas nos cuidados de saúde primários, porém subsistem dificuldades de acessibilidade a este tipo de consultas. Dificuldades que podem ser atestadas pelo número muito insuficientes destes profissionais a exercer funções nos cuidados de saúde primários.

De acordo com o relatório produzido pelo Grupo de Trabalho com o objetivo de proceder à análise, estudo e elaboração de propostas relativamente aos modelos de organização da prestação de cuidados na área da psicologia no SNS, existem 213 psicólogos nos cuidados de saúde primários. Os 213 psicólogos estão assim distribuídos pelas cinco administrações regiões de saúde: Alentejo- 22; Algarve-22; Centro-26; Lisboa e Vale do Tejo – 77 e Norte- 67.

No que respeita aos nutricionistas, os dados da ordem apontavam em 2017 para a existência de cerca de 100 nutricionistas nos cuidados de saúde primários.

Na área da prevenção da doença registou-se um alargamento dos rastreios de base populacional (cancro da mama, colo do útero, colón e reto e retinopatia diabética), todavia persistem assimetrias regionais muito assinaláveis, como facilmente se comprova com a consulta ao relatório produzido pela Direção Geral de Saúde do Programa Nacional para as Doenças Oncológicas – 2017. Neste relatório, a região de Lisboa e Vale do Tejo apresenta valores de rastreio muito preocupantes e, para algumas doenças ausência dessa atividade, como acontece com o rastreio do colo do útero e do cólon e reto. Também a região do Algarve apresenta ausência de rastreio no colon e reto. Aliás o rastreio do colon e reto é aquele que apresenta percentagens mais baixas em todas as cinco regiões em comparação com os rastreios do cancro da mama, colo do útero.

Segundo os dados do relatório de acesso relativos ao ano de 2016 houve uma maior atividade assistencial ao nível dos cuidados de saúde primários: nas consultas presenciais, consultas não presenciais e domicílios, nas atividades desenvolvidas pelos enfermeiros e outros técnicos de saúde.

Pese embora o que atrás foi descrito, há uma grande desigualdade nas condições de trabalho, funcionamento e de atendimento aos utentes entre as unidades de saúde que são parte integrante dos cuidados de saúde primários, nomeadamente entre as Unidades de Saúde Familiar (USF) e as Unidades de Cuidados de Saúde Personalizados (UCSP). As UCSP são preteridas e funcionam, muitas delas, com insuficientes condições ao nível de meios humanos, técnicos e de instalações, quando comparadas com as USF. Na prática, há utentes de primeira e de segunda, o que contraria o disposto na Constituição da República Portuguesa, quando refere que o SNS é universal e geral.

O modelo em que assentam as USF, possibilita a privatização dos cuidados de saúde primários através da criação de USF do modelo C que rejeitamos, mas da parte do Governo PS ainda não houve qualquer iniciativa tendente a revogar este tipo de USF. Antes pelo contrário, o Governo do PS deu um passo significativo no sentido da privatização ao entregar a cinco misericórdias carteiras de utentes sem médico de família.

As dificuldades na prestação de cuidados de saúde decorrem também dos recorrentes e persistentes problemas com o parque informático colocado ao serviço do apoio clínico (quer médico, quer de enfermagem). Há registo de bloqueios no sistema informático de terem um processamento demasiado lento. Tais situações não trazem eficiência na prestação de cuidados de saúde. Estes problemas decorrem, em grande medida, a qualidade da rede que não suporta o software instalado.

Por todo o país as unidades de cuidados de saúde primários e os seus profissionais estão confrontados com um parque automóvel insuficiente para responder às necessidades de serviço, designadamente da prestação de cuidados ao domicílio e não raras vezes envelhecido.

O Governo tarda em implementar o enfermeiro de família, pese embora haver forte evidência para os ganhos que essa concretização dará na resposta às necessidades das populações, quer seja ao nível da vacinação, saúde infantil, saúde materna, quer seja ao nível dos cuidados continuados integrados.
Acompanhando a definição de cuidados de saúde primários saída da Assembleia Mundial de Saúde que ocorreu em 1977 em Alma Ata, o PCP entende que aprestação de Cuidados de Saúde Primários deve ser o mais abrangente e multidisciplinar possível de molde a englobar a promoção e a prevenção da saúde física, mental, visual, oral e dos hábitos alimentares saudáveis, entre outros. Porém, para que tal seja alcançado, é necessário que haja um reforço de meios humanos e financeiros ao nível dos Cuidados de Saúde Primários.

Nesta perspetiva, os Cuidados de Saúde Primários devem contemplar para além dos médicos especialistas em clínica geral e familiar, enfermeiros, assistentes sociais, assistentes técnicos e operacionais, psiquiatras, pedopsiquiatras, psicólogos, nutricionistas, profissionais da área da saúde visual, estomatologistas e médicos dentistas, técnicos de diagnóstico e terapêutica (terapia da fala, fisioterapia).

Para além do reforço dos meios humanos e materiais dos Cuidados de Saúde Primários é importante que as diferentes áreas da saúde envolvidas neste nível de prestação de cuidados de saúde sejam efetivamente reforçadas, nomeadamente a área da saúde pública.

A especialidade de saúde pública tem, no caso dos Cuidados de Saúde Primários, um papel importantíssimo ao nível do conhecimento dos níveis de saúde da população / comunidade, no desenho, implementação, execução e avaliação de programas de intervenção em saúde, na vigilância e investigação epidemiológica decorrente de casos e surtos de doenças transmissíveis e na promoção da saúde da população. Porém, ao longo dos anos tem-se verificado um forte desinvestimento nesta área quer pela diminuição dos recursos humanos quer pela desvalorização da importância do estudo e do conhecimento aturado das condições de saúde da população para a elaboração de medidas e políticas de saúde tendentes a melhorar a qualidade de vida e de saúde dos portugueses. Esta tendência deve ser invertida, pelo que urge um reforço desta área de intervenção da saúde nos Cuidados de Saúde Primários.

O reforço dos Cuidados de Saúde Pública também se faz através da atribuição de médico e enfermeiros de família a todos os utentes.

Consideramos que, mesmo no contexto de dificuldades em que se encontra o nosso país, é possível assegurar o direito à saúde a todos os portugueses, em cumprimento da Constituição da República Portuguesa, com mais investimento público, reforçando as equipas de profissionais nos cuidados de saúde primários, integrando todos os profissionais de saúde com vínculo à função pública e reforçando a qualidade e a eficiência.

É precisamente com este propósito que o PCP ao longo de décadas e nos últimos dois anos tem apresentado propostas tendentes a reforçar e valorizar os cuidados de saúde primários. Das várias iniciativas elaboradas, destacamos as propostas apresentadas em sede de orçamento do estado para 2018 e que foram aprovadas estando agora a necessitar de ser concretizadas: Impedimento de cativações na saúde, designadamente na área do investimento; alargamento do número de unidades de cuidados na comunidade; plano de metas para redução de quantidades de açúcar, sal e ácidos gordos e plano nacional para a contratação de trabalhadores para os serviços públicos.

O PCP pugna por um Serviço Nacional de Saúde de carácter público, universal e gratuito para todos. Só desta forma é possível assegurar a todos os portugueses os cuidados de saúde de que necessitam.

Para a concretização deste desiderato é fundamental que seja efetivamente interrompida a política levada a cabo por sucessivos governos da política de direita no que ao SNS diz respeito e, por esta via aos cuidados de saúde primários. É imperioso que se rompa com o caminho de privatização que PSD e CDS aprofundaram. É preciso dar concretização às medidas que foram aprovadas no Orçamento do Estado para a área da saúde e sejam aprofundadas as medidas já iniciadas.

É com o intuito de reforçar, valorizar e melhorar os cuidados de saúde primários que o PCP considera ser urgente a adoção de medidas concretas de reforço deste nível de cuidados. Com o reforço dos cuidados de saúde primários protege-se a saúde e a vida dos portugueses e defende-se o Serviço Nacional de Saúde.

Nestes termos, ao abrigo da alínea b) do artigo 156.º da Constituição e da alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º do Regimento, os Deputados do Grupo Parlamentar do PCP propõem que a Assembleia da República adote a seguinte

Resolução

A Assembleia da República resolve, nos termos do n.º 5 do artigo 166.º da Constituição, recomendar ao Governo que:

1. Dote os Cuidados de Saúde Primários (nos quais se incluem as Unidades de Saúde Familiar, as Unidades de Cuidados de Saúde Personalizados e as Unidades de Cuidados na Comunidade) de meios financeiros, técnicos e humanos necessários ao cumprimento das suas missões remediativa, preventiva e de promoção da saúde;

2. Promova a atribuição de médico de família a todos os utentes e proceda à concretização do enfermeiro de família com brevidade;

3. Alargue as respostas da área da saúde oral e visual a todo o território nacional;

4. Alargue em todo o território nacional as experiências de dotar os Cuidados de Saúde Primários de equipamentos para realizar meios complementares de diagnóstico;

5. Proceda ao lançamento de experiências piloto na área da saúde mental, obstetrícia e ginecologia e pediatria nos Cuidados de Saúde Primários;

6. Constitua as equipas de profissionais de saúde onde estejam contemplados para além dos médicos especialistas em medicina geral e familiar, médicos especialistas em psiquiatria, pedopsiquiatria, estomatologia e medicina dentária, psicólogos, assistentes sociais, técnicos de diagnóstico e terapêutica (terapeutas da fala, fisioterapeutas, entre outros), profissionais ligados à saúde visual e assistentes técnicos e operacionais;

7. Integre nos Cuidados de Saúde Primários optometristas de forma a que seja alargada a prestação de cuidados de saúde visual;

8. Valorize e reforce a área da saúde pública dotando-a de meios humanos e materiais que lhe permita prosseguir a missão e objetivos consignados;

9. Valorize social e profissionalmente os profissionais de saúde, assegurando-lhes as condições de trabalho, de formação, de vínculos de carreira e remuneração que assegurem a sua máxima disponibilidade e qualificação e a estabilidade do serviço de saúde onde se encontram, no quadro do respeito pelas normas deontológicas que presidem à sua intervenção;

10. Ponha fim às desigualdades existentes ao nível das condições de funcionamento, de atendimento e de trabalho entre Unidades de Saúde Familiar e Unidades de Cuidados de Saúde Personalizados e Unidades de Cuidados na Comunidade, garantindo que não há diferenciação no acesso e na prestação de cuidados de saúde aos utentes, independentemente da estrutura organizacional que os presta;

11. Promova uma verdadeira articulação entre os Cuidados de Saúde Primários, os Cuidados Hospitalares, os cuidados continuados e a saúde pública, de molde a permitir uma resposta mais célere e integrada aos utentes do SNS;

12. Proceda à atualização do parque informático nos Cuidados de Saúde Primários, e tome medidas provisórias, através da implementação de um software adequado às condições técnicas existentes, até à conclusão da atualização do parque informático;

13. Proceda à renovação do parque automóvel nos Cuidados de Saúde Primários;

14. Alargue os rastreios de base populacional para o cancro da mama, colo do útero, colón e reto e retinopatia diabética a todo o território de forma a ultrapassar e corrigir as assimetrias regionais.

Assembleia da República, 23 de fevereiro de 2018

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