Projecto de Resolução N.º 1171/XIV/2.ª

Pela requalificação e reabertura do serviço regional e inter-regional de transporte ferroviário no Alentejo Litoral e Distrito de Setúbal

Exposição de motivos

As populações do Alentejo Litoral e Distrito de Setúbal continuam até hoje a sofrer as consequências de uma política de degradação da ferrovia e de encerramento de serviços, que neste território não teve quaisquer medidas do Governo, da IP e da CP que revertessem a situação.

Em dezembro de 2011, poucos meses depois de tomar posse, o Governo PSD/CDS de Passos Coelho e Paulo Portas deu orientações para o encerramento do transporte regional na Linha do Sul. Os oito comboios regionais diários que existiam então nessa linha foram todos suprimidos. Foi desde essa altura até hoje que as populações do Alentejo Litoral e do Distrito de Setúbal ficaram sem comboios regionais – sendo que os Governos PS até hoje não trataram de repor essas ligações.

Esta situação foi, por sua vez, mais uma etapa num processo de degradação da ferrovia que vinha de longe: os comboios regionais desta linha começaram por ser diretos do Barreiro para o Algarve, mas a empresa encurtou o trajeto – primeiro começou por ser suprimido o comboio regional do Barreiro para o Sul, passando para o Pinhal Novo; depois deixou o Pinhal Novo e passou para Setúbal. Assim, foi sendo encurtado este serviço regional, para depois ser determinada a sua eliminação.

Tal decisão veio trazer consequências incontornáveis às populações com destino ou origem nas estações e apeadeiros servidos por estes comboios.

Por outro lado, recorde-se que Setúbal ficou então sem comboios para o Alentejo e para o Algarve, quebrando uma prática de 122 anos em que a cidade sempre teve ligações diretas para sul. Com essa decisão, a CP desqualificou a capital de distrito, deixando-a apenas com comboios suburbanos, e deixou numerosas localidades ao abandono, degradando a mobilidade e a qualidade de vida.

Não podemos deixar de sublinhar as situações em que a população ficou completamente desapossada de transporte ferroviário, ficando literalmente a ver os comboios passar, em estações ou apeadeiros sem serviço. São os exemplos de Mouriscas Sado, Monte Novo – Palma, Canal Caveira, Azinheira dos Barros, Lousal, Alvalade, e com natural destaque para a sede de concelho Alcácer do Sal.

A Linha do Sul liga atualmente Lisboa à estação de Tunes no Algarve, numa extensão total de 273,6 km, dos quais cerca de 138 km no território do Alentejo Litoral, que é ainda servido pela linha de Sines que liga a linha do Sul ao porto de Sines, numa extensão de 50,7 km, totalmente localizada na área em causa. No Alentejo Litoral, a linha do Sul é constituída por 11 estações e apeadeiros, das quais apenas três em utilização. A estação da Funcheira apesar de localizada no concelho de Ourique, pela proximidade ao concelho de Odemira serve a população residente neste município.

Já o troço até Sines (atual Linha de Sines) foi inaugurado em 14 de setembro de 1936. Em 1951, foi criado um serviço da CP ligando o Barreiro a Sines, utilizando automotoras, serviço direto que viria a ser desativado, mantendo-se, todavia, durante décadas a ligação por automotora de Sines a Ermidas, com transbordo para a Linha do Sul em direção ao Barreiro ou à Funcheira e ao Algarve.

Nos primeiros dias de janeiro de 1990, a linha de passageiros foi encerrada, tomando de surpresa autarquias e populações. Nenhuma justificação nem sequer informação prévia foi apresentada por parte da administração da CP ou do Governo PSD/Cavaco Silva. Durante uma breve “fase de transição”, foi colocado um serviço rodoviário em substituição da ferrovia, com um autocarro fretado, mas rapidamente a desativação e o abandono da ferrovia tornaram-se também aqui facto consumado. Nessa época, foi veemente o protesto da população e dos órgãos autárquicos, denunciando o desrespeito face aos compromissos assumidos pelo poder central e pela administração da CP quanto à manutenção do serviço ferroviário ao centro da Vila.

O serviço regional de transporte ferroviário de passageiros na Linha de Sines foi desmantelado, mas o facto é que, devido à importância estratégica desta infraestrutura para o transporte de mercadorias (desde logo na ligação ao Porto de Sines), a sua utilização é quotidiana. Na totalidade da Linha é utilizado cantonamento automático, com bloco orientável, o sistema Convel do tipo EBICAB 700 e o equipamento Rádio Solo TTT CP_N, com transmissão de dados. A realização de comboios de passageiros com material circulante de tração elétrica é possível de imediato neste território.

Pelos motivos expostos, a reativação do serviço regional de passageiros nestas linhas, seja na Linha do Sul seja na Linha de Sines (aqui numa primeira fase, em termos imediatos, por exemplo até Santiago do Cacém) passa por uma decisão exclusivamente de gestão e exploração do transporte ferroviário a partir da CP, e só depois por novos investimentos em infraestruturas – a considerar numa fase posterior a uma nova Estação de passageiros em Sines.

Tais investimentos serão necessários a prazo, mas essencialmente para devolver à população as acessibilidades ferroviárias que lhe foram retiradas a partir de 1990, ou seja, a construção de um interface de transporte ferroviário em Sines, com articulação intermodal e de forma integrada no planeamento urbanístico daquele território – ou seja, envolvendo de forma decisiva as autarquias locais e as suas competências próprias.

A devolução da ferrovia regional às populações do Distrito de Setúbal e do Alentejo Litoral é uma exigência de elementar justiça e uma medida de evidente racionalidade na qualificação e desenvolvimento territorial e de política ambiental e energética.

A realidade territorial do Alentejo Litoral reflete a sua ligação e interdependências, não apenas com o restante território do Alentejo, mas igualmente com a Península de Setúbal, o conjunto da Área Metropolitana de Lisboa e o Algarve, estando assente nas infraestruturas de transportes que o atravessam – destacando-se também a importante infraestrutura que constitui o Porto de Sines.

De acordo com o Plano Regional de Ordenamento do Território (PROT) Alentejo, emerge uma nova organização territorial, marcada por uma forte integração entre as estruturas ambientais e agroflorestais e as estruturas urbano-económicas, consequência de uma implementação recente de novas atividades, com o desenvolvimento de novas funções e sectores, apontando para um posicionamento estratégico do território do Alentejo. Nesse âmbito, é sublinhada a função central das estruturas logísticas e empresariais de dimensão regional, no sentido de promover a atratividade empresarial, apostando no desenvolvimento de economias de aglomeração numa perspetiva de promoção de estratégias de eficiência coletiva e de inovação urbana e empresarial de âmbito regional.

O PROT destaca ainda a função dos centros urbanos locais, nomeadamente as sedes de concelho, no suporte da coesão territorial e na constituição de polos de desenvolvimento social, de atividades económicas de âmbito local e de pequenas economias de natureza residencial. A presença de uma elevada concentração de recursos e valores naturais e culturais permite que o Alentejo Litoral se afirme como um polo turístico nacional, sendo fundamental apostar num sistema de transportes públicos que promova a mobilidade e a acessibilidade, qualificando o território.

O sistema de acessibilidades, transportes e mobilidade assume-se como um dos pilares fundamentais da implementação do modelo de desenvolvimento territorial e um fator fundamental para garantir a coesão territorial e a eficácia do sistema urbano no suporte ao desenvolvimento regional. É indispensável que a sua configuração garanta adequados níveis de acessibilidade e articulação interna e promover uma boa ligação e articulação funcional com as regiões envolventes, nomeadamente as de importância internacional. Este sistema de acessibilidades, transportes e mobilidade contempla ainda um conjunto de corredores de âmbito sub-regional, articulando os diferentes espaços e centros de base económica regional.

O Alentejo Litoral é desde a década de 1990 uma região com um efetivo populacional relativamente estável. Ainda assim, trata-se de um território com importantes assimetrias intrarregionais, quer no que concerne às dinâmicas demográficas, quer à ocupação humana do território. São notórias as dicotomias entre o litoral e o interior, bem como entre zonas próximas de grandes áreas industriais e zonas eminentemente agrícolas. Em 2011, ano em que se realizaram os últimos censos, residiam 97.925 habitantes nos concelhos do Alentejo Litoral, representando perto de 13% da população total do Alentejo. O peso destes concelhos no total populacional da região onde se insere tem vindo a aumentar ligeiramente.

Este território caracteriza-se por um povoamento concentrado, com quase dois terços da população a viver em apenas 7 das 31 freguesias da região (todas elas com mais de 5000 habitantes). Esta concentração da população em freguesias de média/grande dimensão deveria facilitar, entre outros aspetos, uma oferta de transporte coletivo com maior qualidade e regularidade nesse grupo de freguesias, concentrando uma maior quantidade de serviços na faixa litoral e nas sedes de concelho onde se concentra um maior número de pessoas.

Com base nos Inquéritos à mobilidade dos residentes da região, realizados de novembro 2015 a janeiro 2016, foi possível estimar a população “cativa” do transporte público, ou seja, aquela que não dispõe de outro modo alternativo para a realização das suas viagens. Os “cativos do transporte público”, sem viatura disponível, 57% tem mais de 65 anos, 24% tem entre os 45 e os 64 anos e 19% tem entre 15 e 24 anos. Dos inquiridos sem carta de condução, 53% têm mais de 65 anos, 35% têm entre 45 e 64 anos, 8% entre 25 e 44 anos e 5% entre 15 e 24 anos. De registar ainda que 18% dos agregados familiares residentes no Alentejo Litoral não possui veículo motorizado para a realização das viagens.

De acordo com os mais recentes dados disponíveis, a repartição modal das deslocações no Alentejo Litoral evidencia a acentuada dependência do automóvel individual, que suporta 61,7% do cômputo das deslocações pendulares realizadas neste território, seguindo-se o modo pedonal (22,6%) e o autocarro (6,9%), detendo o comboio uma expressão residual, cifrada em 0,1% destas deslocações, justificado pelo facto do modo ferroviário não assegurar deslocações internas a este território e apenas ter serviços de longo curso (Alfa e Intercidades) que não garantem as deslocações diárias da população. Não se registaram, neste âmbito, diferenças significativas entre a repartição modal verificada nos vários municípios.

A atividade industrial tem forte expressão no Alentejo Litoral, nomeadamente no concelho de Sines, onde se localiza a maior zona industrial e logística da região, constituída essencialmente por indústria pesada do sector energético e de apoio à atividade do Porto de Sines e com dinâmicas muito relevantes tendentes ao seu crescimento. No entanto, registam-se em todos os concelhos do Alentejo Litoral áreas dedicadas à implementação de indústria, na sua maioria ligeira e de baixo impacto ambiental.

Os polos existentes localizam-se na sua maioria junto aos principais eixos rodoviários e ferroviários, apresentando dimensões e capacidade de geração e atração de viagens muito distintas, sejam no transporte de mercadorias, seja nas deslocações pendulares dos seus trabalhadores. A este nível, destaca-se a Zona Industrial e Logística de Sines, a que se associa o Porto de Sines e a sua zona de atividades logísticas intraportuária, as quais no seu conjunto ocupam quase 5000 hectares, sendo o principal polo empregador da região e o maior gerador de viagens pendulares dos seus trabalhadores e de transporte de mercadorias numa alargada bacia de emprego que muito beneficiaria com a reativação dos serviços de transporte ferroviário. Importa referir que existem indústrias nestas áreas industriais e logísticas que operam 24 horas por dia, 365 dias por ano.

Também no que respeita às unidades de saúde na região, a necessidade de mobilidade das populações confere mais força à razão da exigência da reposição do transporte ferroviário regional para as populações.

A rede de equipamentos de cuidados de saúde no Alentejo Litoral estrutura-se em torno do Hospital do Litoral Alentejano e de uma rede de centros de saúde e respetivas extensões que cobrem a quase totalidade do território. Da análise da distribuição territorial destes equipamentos, pode concluir-se por uma concentração de equipamentos de saúde nas sedes de concelho, onde se localizam os centros de saúde, podendo igualmente encontrar-se instalações onde se incluem laboratórios de análises clínicas, centros de radiologia e consultórios médicos privados e ainda a Unidade de Cuidados Continuados de Grândola.

Ainda nesta vertente, regista-se a existência de equipamentos nas localidades do litoral, com uma elevada procura turística e onde se justifica a criação de equipamentos privados que supram as necessidades da população flutuante, mas que suprem carências existentes nesses locais em termos de rede pública de cuidados de saúde. Refira-se ainda a existência no Alentejo Litoral de um centro da Cruz Vermelha Portuguesa localizado em Ermidas do Sado.

Por outro lado, a rede de equipamentos de ensino público do Alentejo Litoral é constituída essencialmente por equipamentos do ensino básico e secundário, complementados por algumas escolas técnico-profissionais. É de destacar a existência, em Sines, de um polo da Universidade de Évora dedicado às ciências ambientais e marinhas, essencialmente como centro de investigação.

A oferta de ensino profissional concentra-se nos concelhos de Grândola e Sines, associada, em grande parte, à atividade industrial e logística. Os dados disponíveis apontam para uma concentração dos equipamentos do ensino básico e secundário fundamentalmente nas sedes de concelho, local onde se localizam as escolas secundárias existentes. Verifica-se, por outro lado, em aglomerados de maior dimensão (fora das sedes de concelho) a existência de escolas básicas do 2º e 3º ciclo.

Todo este enquadramento confirma e reforça a evidente necessidade da reativação do transporte ferroviário regional, servindo as populações das várias localidades na proximidade às estações e apeadeiros da Linha do Sul e da Linha de Sines e reforçando a funcionalidade e coerência do sistema urbano sub-regional.

A ferrovia tem de ser equacionada efetivamente como modo de transporte estruturante e fator fundamental de articulação e coesão territorial, e não apenas quando em serviço de longo curso. Mesmo nos casos em que não seja “competitivo” face ao transporte rodoviário para viagens mais longas, o comboio (e mais ainda o comboio em linha eletrificada) é uma resposta indispensável no sistema de mobilidade. Em particular quando se trata de um transporte regional, com serviço a freguesias e até sedes de concelho com profundas carências de transportes públicos e incontornáveis necessidades de deslocações dos cidadãos para acesso aos mais diversos serviços e atividades – incluindo por exemplo o Ensino Superior, em que o Instituto Politécnico de Setúbal, na proximidade do Apeadeiro de Praias do Sado, assume uma importante centralidade regional.

É uma exigência que se impõe, da mais elementar justiça: ainda para mais quando são proclamados objetivos e desafios, no domínio do sistema urbano, no plano ambiental, energético, climático, quando são aprovados roteiros para a descarbonização, planos para a energia e clima, etc., importa o quanto antes devolver o comboio às populações do Alentejo Litoral e restabelecer as ligações ferroviárias em causa na região e no Distrito de Setúbal.

Assim, tendo em consideração o acima exposto, ao abrigo da alínea b) do artigo 156º da Constituição da República e da alínea b) do número 1 do artigo 4º do Regimento da Assembleia da República, os Deputados abaixo assinados do Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português propõem que a Assembleia da República adote a seguinte:

Resolução

A Assembleia da República, nos termos do n.º 5 do artigo 166º da Constituição da República, resolve recomendar ao Governo que desenvolva as necessárias medidas no sentido de:

  1. Promover a requalificação e reabertura do serviço regional e inter-regional de transporte ferroviário no Alentejo Litoral e Distrito de Setúbal;
  2. Reativar os comboios regionais na ligação Barreiro – Funcheira (e ou Tunes) via Setúbal, servindo as estações e apeadeiros na Linha do Sado e Linha do Sul;
  3. Assegurar a passagem por Setúbal no serviço Intercidades Lisboa/Faro de um comboio em cada sentido;
  4. Retomar o serviço regional de passageiros na Linha de Sines:
    1. Numa primeira fase, servindo as estações e apeadeiros atualmente existentes com ligação a Ermidas – Sado e a Setúbal;
    2. Numa fase posterior, promovendo em articulação com o Município de Sines e a Comunidade Intermunicipal do Alentejo Litoral o estudo de localização adequada e a construção da nova Estação de Sines, interface intermodal para o transporte público;
  5. Adequar a articulação do transporte ferroviário e dos horários dos serviços Intercidades com as necessidades das populações e dos utentes, incluindo a consideração das deslocações pendulares.
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