Intervenção de João Queirós, 2.º Encontro Nacional do PCP sobre Cultura

Pela democratização do Opart

Como bem sabemos, todos os anos na nossa Festa do Avante,

Um dos concertos que mais assistência tem, é o de música clássica.

Contrariando o discurso estabelecido, de que existe um tipo de arte que só é apreciada por uma certa elite económica e cultural, ela é facilmente desmentida, não só por o evento atrás mencionado, mas também por outros, poucos, realizados no país, como é o caso do “Festival ao Largo”, que se realiza todos os anos no exterior do TNSC e, sendo de livre acesso, é sempre um acontecimento transversal a toda a população e altamente procurado, como atestam as multidões que a este festival assistem.

Quais serão as razões que levam a uma elitização dos espectáculos de bailado, ópera e sinfónicos em estruturas como o Opart quando decorrem em sala?

A meu ver, são duas as razões principais a não permitir uma verdadeira democratização de acesso a este tipo de eventos.

A primeira decorre de uma fraca oferta educativa no campo do ensino artístico, e a segunda, tão ou mais importante, o elevado custo dos bilhetes.

Esta conclusão emana não só da minha experiência pessoal e profissional. Sustenta-se  em estudos, como o mais recente e muito completo “Inquérito às práticas culturais dos portugueses “, de 2020, onde se demonstra de uma forma evidente, que a fruição e criação Cultural são negadas a uma esmagadora maioria da população em resultado dos constrangimentos económicos e sociais existentes na sociedade.

Efectivamente temos por um lado os frequentadores regulares da cultura, cidadãos com rendimentos elevados, acima de 2700€, nível superior de ensino, escolaridade parental também superior e com tempo para o lazer,

por outro, temos os trabalhadores de serviços, operários, jovens, reformados e pensionistas que tem acesso residual aos espaços culturais.

Importa salientar que as alterações às leis laborais, como a desregulação dos horários de trabalho, os baixos rendimentos e o tempo de lazer desajustado com uma vida social e familiar, ainda mais cavam o fosso entre uns e os muitos outros…

O estudo também salienta a importância das conquistas de Abril de 74, em várias áreas como a saúde a educação, mas que têm sofrido retrocessos. A escola pública poderia um papel central, mas é ainda de fraca expressão no que se refere ao ensino artístico.

Este é o dado que nos importa salientar: Para democratizar o acesso e a fruição cultural, o ensino é um dos pilares, a trave-mestra, com a qual agentes culturais e as instituições, como o OPART, se devem articular.

O OPART, estrutura que inclui o Teatro Nacional de São Carlos, o Teatro Camões e os estúdios Vítor Cordon, têm particular importância na Democratização na área da Cultura, não só pela sua dimensão, cerca de 400 trabalhadores, mas acima de tudo pela excelência técnica e artística, sendo a casa de três agrupamentos artísticos profissionais. A saber: orquestra sinfónica portuguesa, o coro do TNSC e a companhia nacional de bailado. Relevante é o facto de estes dois últimos agrupamentos serem únicos no país.

Como consta nos seus estatutos, “é Missão do OPART, a promoção e produção regular de uma programação músico-teatral diversificada, com recurso à Orquestra Sinfónica Portuguesa, ao Coro do TNSC e aos Bailarinos da CNB, segundo os mais elevados padrões de qualidade, bem como a promoção do acesso à fruição e à prática destes domínios de actividade artística por parte dos cidadãos.”

Para que efectivamente o OPART possa contribuir para a valorização dos cidadãos é urgente:

Dignificar os trabalhadores, preservando os postos de trabalho e sua renovação, facultando a formação profissional, defendendo os direitos e um salário digno;

Facilitar aos profissionais que trabalham  em Portugal o acesso às produções, seja na área técnica, seja na artística, articulando com as escolas e com as respectivas tutelas, uma forma sustentável na formação e progressão dos profissionais. Para isto, muito poderá contribuir um Estúdio de Ópera.

É de referir que a quase totalidade dos cenários e guarda-roupa inerentes às produções são importados, desvalorizando os profissionais que exercem a sua actividade em Portugal por não encontrarem trabalho. Este é de facto um outro ponto nevrálgico: a perca deste tipo de trabalho, entregue à importação do “já feito”, mas sobretudo a perca do Saber, o saber enquanto valor intangível e muitas vezes de difícil ou mesmo impossível recuperação.

Mas o sujeito principal desta democratização é o cidadão. Tal como ficou identificado no estudo que citei no início desta intervenção, a maioria da população está excluída das produções do OPART, seja pelo custo do bilhete, seja pela ausencia do ensino artistico no percurso educativo da maioria da população, divorciando-as da fruição e participação, empobrecendo o individuo e o colectivo.

Em resumo,

• o ensino artístico, tem de ser mais valorizado e estruturante no percurso escolar: o Ministério da Educação juntamente com as entidades como o OPART deveriam articular verdadeiras actividades pedagógicas e participativas da comunidade;

• diminuir substancialmente o preço dos bilhetes, permitirá que todos tenham um real acesso aos espectáculos. Importa aqui referir que a bilheteira representa apenas 4% das receitas, sendo a restante contribuição estatal. Assim sendo, o elevado preço dos bilhetes, apenas exclui a maioria dos cidadãos, em particular os jovens e os mais idosos.

É este o momento para avançar com políticas efectivas que façam cumprir a Constituição.

Pela Democratização do Opart,

Pelo direito à Cultura!

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