Requerimento

Pedido de Fiscalização da Lei 30-2014 - ADSE

Pedido de Fiscalização da Lei 30-2014 - ADSE

Exmo. Senhor Presidente do Tribunal Constitucional,

Os Deputados da Assembleia da República abaixo-assinados, em número superior a um décimo dos Deputados em efetividade de funções, ao abrigo do disposto na alínea a), do n.º 1 e na alínea f), do n.º 2, do artigo 281.º da Constituição da República Portuguesa e nos artigos 51.º e 62, n.º 2, da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (com as alterações introduzidas pela Lei n.º 143/85, de 26 de novembro, pela Lei n.º 85/89, de 7 de setembro, pela Lei n.º 88/95, de 1 de setembro, e pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de fevereiro), requerem ao Tribunal Constitucional a declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral das normas contidas nos artigos 2.º, 3.º e 4.º da Lei n.º 30/2014, de 19 de maio, que procede à décima primeira alteração ao Decreto-Lei n.º 118/83, de 25 de fevereiro, e à terceira alteração aos Decretos-Lei n.ºˢ 158/2005, de 20 de setembro, e 167/2005, de 23 de setembro, modificando o valor dos descontos a efetuar para os subsistemas de saúde, concretamente da Direcção-Geral de Proteção Social dos Trabalhadores em Funções Públicas (ADSE), dos serviços de assistência na doença da Guarda Nacional Republicana e da Policia de Segurança Pública (SAD) e da Assistência na Doença aos Militares das Forças Armadas (ADM).

Introdução

1. A Lei n.º 30/2014, de 19 de maio, que procede à modificação do valor dos descontos a efetuar pelos beneficiários para os subsistemas de saúde insere-se no conjunto de medidas substitutivas, desenhadas pelo atual Governo, para fazer face à declaração de inconstitucionalidade vertida no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 862/2013, de 7 de janeiro.

2. Oportunamente os requerentes suscitaram a apreciação da conformidade constitucional da Lei n.º 13/2014, de 14 de março (que procedeu à 1.ª alteração à Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro – Orçamento do Estado para 2014), por considerar que as alterações legislativas consagradas no seu art.º 2.º padeciam de inconstitucionalidade.

3. Nesse mesmo artigo da referida lei previa-se a alteração da redação do art.º 14.º da Lei n.º 83-C/2013, passando a reverter para os cofres gerais do Estado, através dessa norma, 50% da receita proveniente da comparticipação da entidade empregadora pública prevista no art.º 47.º-A do Decreto-Lei n.º 118/83, de 25 de fevereiro.

4. Aquando da apresentação do referido pedido de fiscalização abstrata sucessiva, afirmámos que a correta e completa compreensão do significado e alcance da alteração ao art.º 47.º-A do Decreto-Lei n.º 118/83, de 25 de fevereiro, apenas poderia ser conseguida através da análise desse preceito em articulação com a Proposta de Lei n.º 211/XII, agora vertida na Lei n.º 30/2014, de 19 de maio.

5. Assim, terão os requerentes de recuperar em parte a argumentação produzida no anterior pedido de fiscalização da constitucionalidade para a demonstração de que estas normas padecem de inconstitucionalidade.

6. No dia 11 de Março o Sr. Presidente da Republica devolveu ao Governo, sem promulgação, o diploma que modificava o valor dos descontos a efetuar pelos beneficiários para os subsistemas de saúde, aumentando-os para 3.5% da remuneração base.

7. Dois dias depois, a 13 de Março, saía o comunicado do Presidente da República no qual se divulgavam os fundamentos da sua decisão, tendo o Governo, nesse mesmo dia, aprovado e enviado para a Assembleia da República, proposta de lei com igual conteúdo.

8. Tendo posteriormente sido aprovada por maioria absoluta dos deputados em efetividade de funções, foi enviada novamente para o Presidente da República, que a promulgou a 09 de maio, tendo sido, finalmente, publicada a 19 de maio.

9. A justificação oferecida pelo Governo continua a radicar na necessidade de serem aprovadas medidas substitutivas do impacto orçamental que se esperava obter com a Proposta de Lei do Governo, vertida no Decreto da Assembleia da República n.º 187/XII, que previa o corte permanente nas pensões, declarado inconstitucional pelo Tribunal Constitucional, no seu Acórdão n.º 862/2013, de 07 de Janeiro.

10. Será por demais evidente a constatação da incoerência desta fundamentação, senão vejamos:
“Em face desta decisão do Tribunal Constitucional, tendo em conta o nível incomportável de despesa pública atualmente suportado pelo Estado com o sistema público de pensões, o Governo foi forçado a aprovar um conjunto de medidas substitutivas tendentes a cumprir os objetivos e as metas de natureza orçamental a que nos encontramos vinculados, nos termos do Programa de Assistência Económica e Financeira.
(…)
Complementarmente, por forma a preencher o problema orçamental criado sem baixar dos € 1 000 na aplicação da referida CES, é necessário aprovar a antecipação do regime de autofinanciamento dos subsistemas de proteção social no âmbito de cuidados de saúde, que já estava previsto vigorar a partir do ano 2016.”

11. A fundamentação radica no cumprimento dos objetivos e das metas orçamentais “a que nos encontramos vinculados, nos termos do Programa de Assistência Económica e Financeira”, no entanto este terminou no dia 17 de maio, dois dias antes da publicação da presente lei.

12. Assim não é despicienda a conclusão de que a conexão que o Governo pretende atribuir entre o PAEF e a presente medida restritiva não se verifica e toda a argumentação utilizada até agora pelo Governo, de que a “austeridade” seria transitória e imposta pela Troika (FMI-BCE-CE) era, afinal, apenas um pretexto para a coberto da excecionalidade e transitoriedade introduzir profundas alterações no nosso ordenamento jurídico, operando verdadeiras e graves restrições a direitos fundamentais.

13. Nos artigos 2.º, 3.º e 4.º da Lei n.º 30/2014, de 19 de maio, fixa-se o valor dos descontos dos beneficiários para os subsistemas de proteção social no âmbito dos cuidados de saúde em 3,5% calculado sobre a remuneração base.

14. No art.º 2.º da referida Lei, procede-se à alteração da redação do art.º 46.º e 47.º do Decreto-Lei n.º 118/83, de 25 de fevereiro, estabelecendo-se o aumento dos descontos para 3,5% para os beneficiários titulares da ADSE, quer no ativo, quer para os beneficiários de prestações de reforma ou aposentação, quando superior à retribuição mínima mensal garantida.

15. No art.º 3.º da referida Lei, procede-se à alteração da redação dos números 1 e 2 do art.º 24.º do Decreto-Lei n.º 158/2005, de 20 de setembro, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 53 D/2006, de 29 de dezembro, e pelo Decreto-Lei n.º 105/2013, de 30 de julho, estabelecendo regime idêntico ao previsto para os beneficiários da ADSE, para os beneficiários titulares do SAD, que corresponde ao Serviço de Assistência na Doença da GNR e da PSP.

16. Por sua vez o art.º 4.º da Lei n.º 30/2014, de 19 de maio, procedendo à alteração dos números 1 e 2 do art.º 13.º do Decreto-Lei n.º 167/2005, de 23 de setembro, alterado pela Lei n.º 53 D/2006, de 29 de dezembro, e pelo Decreto-Lei n.º 105/2013, de 30 de julho, prevê a aplicação do descrito regime de contribuições a cargo dos beneficiários, estabelecido para a ADSE e SAD, à ADM (Assistência na Doença aos Militares das Forças Armadas).

17. Por facilidade da exposição, procederemos à arguição da inconstitucionalidade dos artigos 3.º e 4.º, que estabelecem o aumento dos descontos para os subsistemas de saúde SAD e ADM, respetivamente, de forma conjunta, atendendo a que os valores e interesses constitucionais violados são os mesmos e que a demonstração da sua inconstitucionalidade se funda nos mesmos argumentos.

18. Quanto à alteração que diz respeito aos beneficiários da ADSE, devido à circunstância de levantar outro tipo de afetação constitucional, apresentaremos a argumentação da sua inconstitucionalidade, referente, portanto ao art.º 2.º da Lei n.º 30/2014, de 19 de maio, em separado.

19. No entanto, uma nota prévia impõe-se, por comum a todas as normas cuja constitucionalidade é questionada.

20. Estas normas não podem ser analisadas de forma isolada, sem se atender ao conjunto de medidas que têm tido um impacto significativo no rendimento disponível dos cidadãos, nomeadamente sobre aqueles que desempenham funções públicas (aqui se incluiu os militares das Forças Armadas e o pessoal ao serviço da PSP e GNR).

21. Estas normas representam uma diminuição de 1 ponto percentual no rendimento disponível, atuando de forma conjugada com os cortes remuneratórios impostos desde o início do PAEF, com o aumento da contribuição para a Caixa Geral de Aposentações, com o exorbitante aumento de impostos em sede de IRS, o que representará, para muitos dos agregados afetados por estas medidas, a incapacidade de fazer face aos encargos anteriormente assumidos.

Da inconstitucionalidade do artigo 2.º da Lei n.º 30/2014, de 19 de maio

1. Este artigo procede à alteração da redação de dois artigos do Decreto-Lei n.º 118/83, de 27 de fevereiro, estabelecendo que a contribuição dos titulares beneficiários, no ativo ou aposentados, sofre um aumento de 1 ponto percentual, fixando-se nos 3.5%.

2. Devemos a este respeito recuperar a argumentação tecida aquando da apresentação do pedido de fiscalização sucessiva abstrata da constitucionalidade das normas inscritas na Lei n.º 13/2014, de 14 de março, desenvolvendo a argumentação da inconstitucionalidade do efeito conjugado destas normas.

3. Na verdade, apenas com este aumento da taxa de contribuição dos beneficiários e a correspondente revisão em alta das receitas provenientes da ADSE é possível o estabelecimento da entrega de metade da contribuição da entidade empregadora aos cofres do Estado, daqui se percebendo que o efeito útil em termos orçamentais está dependente da aprovação conjunta de ambas as normas que, ainda que juridicamente autónomas, são estruturalmente dependentes.

4. Apenas uma nota se impõe, quanto à aptidão e adequação desta medida, que não se coloca relativamente aos restantes subsistemas de saúde, que assumem carácter obrigatório para os seus beneficiários.

5. Não sendo o subsistema da ADSE obrigatório para os seus beneficiários deve ser equacionado o cenário das saídas voluntárias, o que poderá em grande medida afetar o efeito orçamental previsto e que poderá implicar um acréscimo das despesas do SNS, para o qual estes beneficiários também contribuíram por via do IRS.

6. Para uma compreensão mais completa do problema, convém ter em conta recentes dados que dão conta do estado das receitas e despesas da ADSE, através dos quais se poderá aferir em concreto quais os impactos orçamentais destas medidas.

7. Como em cima referimos, o art.º 2.º da Lei n.º 30/2014, de 19 de maio deve ser analisado no seu efeito conjugado com o art.º 2.º da Lei n.º 13/2014, de 14 de Março, na parte em que procede à alteração do art.º 14.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, não só pela relação de causalidade que se estabelece entre ambos, como referido, no ponto 3, mas também pela especial relação de dependência que se observa, estando o impacto orçamental dependente do seu funcionamento conjunto.

8. A consideração destas duas normas, de forma conjugada, corresponde à repercussão sobre os trabalhadores de maiores encargos e despesas com o financiamento do Estado, cosmeticamente designado de contribuição para os subsistemas de proteção social.

9. Os trabalhadores e aposentados têm sido confrontados com sucessivos aumentos da sua contribuição para este subsistema de saúde: em 2006 aumentou 0.5 pontos percentuais (de 1% para 1,5%), em Agosto de 2013 aumentou mais 0.75 pontos percentuais (para 2,25%), em Janeiro de 2014, com o Orçamento do Estado, mais 0.25 pontos percentuais (para 2,5%) e, finalmente agora, com a Lei n.º 30/2014, de 19 de maio, aumenta mais um ponto percentual, fixando em 3,5%.

10. Em apenas oito anos a contribuição dos beneficiários titulares aumentou 250%, sendo que, em menos de um ano, relativamente ao primeiro semestre de 2013, aumentou 133%.

11. No já referido Plano de Atividades da ADSE para 2013, podemos ainda encontrar dados que dão conta de que, em 2011, os beneficiários suportavam 39,6% do financiamento da ADSE, e o Estado suportava o remanescente (60,4%).

12. A tradução orçamental do aumento da taxa de contribuição dos trabalhadores de 2,5% para 3,5% determina um aumento de 133 milhões de euros de receita face ao previsto na versão inicial do Orçamento do Estado para 2014.

13. Segundo a mesma fonte, no primeiro semestre de 2013, os beneficiários suportavam já 63% do financiamento do subsistema, contra os 37% suportados pelo Estado, sendo assim lógico concluir um aumento de 133%, para uma taxa de 3,5%, é claramente excessivo e desnecessário.

14. Segundo os dados fornecidos pela Secretaria de Estado da Administração Pública, em 2013 os trabalhadores e aposentados da função pública descontaram para a ADSE mais 59 milhões de euros do que no ano anterior; em 2014 descontarão mais 294 milhões do que em 2013 e mais 353 milhões de euros do que em 2012.

15. Em 2013 o total de receitas da ADSE foi de 519 milhões de euros, composto por 285 milhões de descontos dos beneficiários, 182,4 milhões de euros dos descontos das entidades empregadoras e 51,6 milhões de euros relativos a reembolsos. Por sua vez, a despesa total foi de 463.8 milhões de euros, gerando um saldo positivo (excedente) de 55.2 milhões de euros.

16. Por sua vez, em 2014, com o aumento da contribuição dos trabalhadores e aposentados para 3,5%, o total de receitas ascenderá a 723 milhões de euros, dos quais 579 milhões correspondem aos descontos dos beneficiários, 120 milhões aos descontos das entidades empregadoras e 24 milhões a reembolsos. A despesa prevista cifra-se nos 438 milhões de euros, gerando um excedente de 284,7 milhões de euros.

17. Se fizermos o cálculo de subtrair o total de despesa previsto para 2014 aos descontos dos beneficiários, isto é, se ao invés de apurarmos a diferença entre o total de receita e o total da despesa, subtrairmos o total da despesa apenas às contribuições dos trabalhadores e aposentados, retirando as contribuições da entidade empregadora e os reembolsos, obteremos ainda assim, um excedente de 140,7 milhões de euros.

18. Pelo que, se a ADSE fosse financiada apenas pelos descontos dos trabalhadores e aposentados, ou seja, a receita fosse consubstanciada apenas pelas suas contribuições, ainda assim haveria um excedente de 140,7 milhões de euros.

19. Esta diferença, os 140 milhões de euros excedentes, correspondem a 0.85% da contribuição, pelo que se subtrairmos esta percentagem excedente aos 3.5% que esta norma fixou, chegamos à conclusão de que, para a ADSE ser sustentável apenas pelas contribuições dos trabalhadores e aposentados, bastava uma taxa de contribuição de 2,6%.

20. No entanto, o que é feito não é a retirada, por inteiro, da contribuição da entidade empregadora pública para este subsistema de saúde.

21. O que o Governo faz, com a articulação desta norma com a alteração introduzida pela Lei n.º 13/2014, de 14 de março, que estabelece a transferência de 50% da receita da contribuição da entidade empregadora para a ADSE, é transformar o aumento da contribuição dos trabalhadores, como já demonstrado no anterior pedido de fiscalização, num verdadeiro imposto.

22. Assim, o aumento de 1 ponto percentual na contribuição dos trabalhadores, previsto na Lei n.º 30/2014, de 19 de maio tem, supostamente, como destino o financiamento do subsistema de proteção social ADSE.

23. Ao mesmo tempo e de acordo com a alteração introduzida pela Lei n.º 13/2014, de 14 de março, 50% da contribuição da entidade empregadora, que corresponde a 1,25% da remuneração dos trabalhadores, passa a ter como destino os cofres do Estado.

24. Parece, então, lícito concluir que 0,625% da contribuição dos trabalhadores, que entra nos cofres da ADSE, é retirada por via dessa transferência para os cofres gerais do Estado, colmatando a descapitalização deste subsistema de saúde, operada pela Lei n.º 13/2014, de 14 de março.

25. Temos, pois, que uma parte do aumento da contribuição dos beneficiários, que corresponde a 0.625% da remuneração dos trabalhadores (e no caso dos pensionistas, a 0.625% da sua pensão), está a ser utilizada para o financiamento geral do Estado.

26. Pelo que se expôs, afastamo-nos do regime das contribuições financeiras a favor de entidades públicas, caracterizadas pela existência de um sinalagma, entre a contribuição paga e a contraprestação obtida, sujeito a um juízo de proporcionalidade, para entrarmos na esfera do imposto.

27. O imposto define-se por apresentar determinadas características, entre outras, a sua unilateralidade e definitividade, sendo exigido a detentores de capacidade contributiva, a favor de entidades que exerçam funções públicas, destinando-se à concretização ou realização dessas mesmas funções públicas.

28. Recuperando as considerações tecidas no Acórdão n.º 187/2013, a respeito da Contribuição Extraordinária de Solidariedade, afirmou-se que esta não poderia consubstanciar um verdadeiro imposto, uma vez que estava “estreitamente associada aos fins da segurança social”, sendo os pensionistas também beneficiários da solvabilidade do sistema, assinalamos que neste caso se apresenta a situação inversa – a existência de uma contribuição dos beneficiários para o subsistema de saúde pelo qual estão abrangidos, destinada a esse fim específico , converte-se em receita geral do Estado, mobilizável para os seus fins gerais.

29. Quanto à unilateralidade do imposto, também referida no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 187/2013, enquanto característica essencial dos impostos, apenas vem confirmar a argumentação exposta, visto que desaparece a relação sinalagmática entre a contribuição efetuada pelos trabalhadores e os benefícios específicos que consubstanciariam a contraprestação.

30. Face a estes 0.625% estamos, portanto, diante de um verdadeiro imposto, calculado sobre o rendimento pessoal, diverso do IRS, atingindo uma determinada e circunscrita categoria de pessoas, os beneficiários deste subsistema de proteção social, trabalhadores em funções públicas e aposentados.

31. Desta forma é violado o princípio da unidade fiscal, previsto no artigo 104.º da Constituição da República, que afirma que os cidadãos são tributados sobre o seu rendimento pessoal através de um imposto único e progressivo, que terá necessariamente em conta as necessidades e os rendimentos do agregado familiar, e nunca constituído em função das categorias sociais ou funcionais em que o sujeito passivo se insere.

32. Fazendo-se repercutir a incidência subjetiva deste imposto que visa o financiamento geral do Estado, ainda que de forma indireta, sobre os trabalhadores em funções públicas e os aposentados, em função da categoria funcional em que estes sujeitos se inserem.

33. Além da violação do princípio da unidade fiscal, esta incidência subjetiva circunscrita leva à violação do princípio da igualdade inscrito no art.º 13.º/2 da Constituição da Republica Portuguesa, a respeito do qual se recupera a seguinte consideração tecida pelo Tribunal Constitucional no seu Acórdão n.º 353/2012: “O princípio da igualdade na repartição dos encargos públicos, enquanto manifestação específica do princípio da igualdade, constitui um necessário parâmetro de atuação do legislador. Este princípio deve ser considerado quando o legislador decide reduzir o défice público para salvaguardar a solvabilidade do Estado. Tal como recai sobre todos os cidadãos o dever de suportar os custos do Estado, segundo as suas capacidades, o recurso excecional a uma medida de redução dos rendimentos daqueles que auferem por verbas públicas, para evitar uma situação de ameaça de incumpri¬mento, tam¬bém não poderá ignorar os limites impostos pelo princípio da igualdade na repartição dos inerentes sacrifícios. Interessando a sustentabilidade das contas públicas a todos, todos devem contribuir, na medida das suas capacidades, para suportar os rea¬justamentos indispensáveis a esse fim.”

34. Recuperando, novamente, os dados da Secretaria de Estado para mais uma demonstração do impacto orçamental gerado pela articulação destas duas normas, prevê-se que no ano de 2014 as receitas provenientes dos descontos efetuados pelas entidades empregadoras ascendam a 120 milhões de euros, pelo que a aplicação da norma prevista na Lei n.º 13/2014, de 14 de março, que estabelece a reversão de 50% da receita da entidade empregadora pública para os cofres do Estado, corresponde, em termos orçamentais, a uma transferência de 60 milhões da ADSE para o Orçamento do Estado para 2014.

35. A este valor será de acrescentar a transferência de mais 60 milhões de euros, prevista no Mapa do Orçamento de Estado 2014 a que se refere o art.º 14.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, o que perfaz a transferência direta de 120 milhões de euros, da ADSE para o Orçamento do Estado.

36. Deve ainda ser tido em conta a circunstância de a ADSE, enquanto direção-Geral de Proteção dos Trabalhadores e Aposentados da Função Pública, ser um serviço público, pelo que a existência de um excedente no seu orçamento virá a ser contabilizado para efeitos de redução do défice orçamental.

37. Se tivermos em conta que, segundo dados da Secretaria de Estado da Administração Pública, o excedente para 2014 se cifra em 284,7 milhões de euros, e a este valor subtrairmos os 120 milhões de transferências diretas, obteremos um excedente de 124,7 milhões de euros que servirá igualmente para a redução do défice.

38. Concluímos, assim, de forma fundamentada e sustentada, pela violação dos artigos 104.º e 13.º/2 da Constituição da República, bem como o não preenchimento dos requisitos da necessidade e proporcionalidade das medidas restritivas de direitos fundamentais, previstos no art.º 18.º/2 da Constituição da República.

Da inconstitucionalidade dos artigos 3.º e 4.º da Lei n.º 30/2014, de 19 de maio

1. Os artigos 3.º e 4.º da Lei n.º 30/2014, de 19 de maio procedem ao aumento para 3.5% dos descontos a cargo dos beneficiários titulares dos subsistemas de saúde SAD e ADM, respetivamente, através da introdução de alterações aos preceitos respetivos nos diplomas reguladores da matéria.

2. O aumento dos descontos a cargo dos beneficiários titulares para 3.5% da remuneração, aprovado pela Lei n.º 30/2014, de 19 de maio, não resulta diretamente de uma imposição do Programa Assistência Económica e Financeira, pois o impacto orçamental desta medida não será imediato nem nos é apresentado na exposição de motivos que acompanhou esta lei, na sua fase de proposta, sendo que virá, em futuros exercícios orçamentais, a determinar uma redução da despesa.

3. Na verdade, a norma cuja constitucionalidade anteriormente requeremos, inscrita na Lei n.º 13/2014, de 31 de março e que prevê a transferência de 50% da receita proveniente da contribuição da entidade empregadora pública, não é aplicável a estes subsistemas de saúde.

4. Não obstante, consideram os requerentes que o aumento da contribuição em 1 ponto percentual ofende a Constituição na medida em que, procurando o caminho da “autossustentabilidade dos subsistemas de saúde”, preconiza uma desresponsabilização do Estado pelos cuidados de saúde destes cidadãos que se encontram, pelas funções que desempenham em prol da República e do País, especialmente adstritos a situações de perigo para a sua saúde física.

5. Depõe exatamente neste sentido o facto de os cidadãos que desempenham este tipo de funções e enfrentam este tipo de desgaste físico deverem manter um elevado nível de disponibilidade física e motora, como se pode comprovar, por exemplo, através dos requisitos físicos de entrada para estas forças.

6. Recuperamos, a propósito da responsabilidade do Estado pela Defesa Nacional, as anotações tecidas por Gomes Canotilho e Vital Moreira, relativas ao art.º 273.º da CRP , “A defesa nacional é uma das funções e incumbências clássicas do Estado (n.º1), decorrente da própria função de defesa da independência nacional (n.º 2 e art.º 9.º/a)”.

7. Da mesma forma, Jorge Miranda e Rui Medeiros afirmam que “A obrigação do Estado de assegurar a defesa nacional é uma incumbência no âmbito da “tarefa fundamental” do Estado de “garantir a independência nacional e criar as condições politica, económicas e culturais que a promovam”, concluindo ainda “Resumindo, a defesa nacional é para a Constituição: a) uma actividade necessária do estado; b) uma atividade exclusiva do estado; nenhum grupo, nenhum cidadão se lhe pode substituir; (…) e) uma actividade permanente; f) uma actividade dirigida pelos órgãos de soberania democraticamente legitimados; (…) g) uma actividade juridicamente vinculada;”

8. A existência de um subsistema de saúde específico para as forças armadas não é despicienda, consubstanciando uma das contrapartidas para os seus beneficiários do conjunto de deveres e restrições a que estão, por via da natureza da condição militar, sujeitos.

9. Através do Decreto-Lei n.º 167/2005, de 23 de setembro, com as alterações resultantes da Lei n.º 53-D/2006, de 29 de dezembro, foi criado um novo regime de Assistência na Doença aos Militares das Forças Armadas (ADM), resultante da fusão dos anteriores subsistemas da Armada (ADMA), do Exercito (ADME) e da Força Aérea (ADMFA).

10. Na verdade, a Lei n.º 11/89, de 01 de junho, que estabelece as Bases Gerais do Estatuto da Condição Militar, demonstra que as especificidades inerentes ao exercício destas funções gera um conjunto considerável de deveres, que terão como ponto de equilíbrio, a “consagração de especiais direitos, compensações e regalias, designadamente no campo da segurança social, assistência, remuneração, cobertura de riscos, carreira e formação”

11. É ainda expressamente afirmado na referida Lei que “é garantido aos militares e suas famílias, de acordo com as condições legalmente estabelecidas, um sistema de assistência e proteção, abrangendo, designadamente, pensões de reforma, de sobrevivência e de preço de sangue e subsídios de invalidez e outras formas de segurança, incluindo assistência sanitária e apoio social” .

12. Destacamos, devido ao importante relevo que assume na consideração mais completa desta questão, a especial potencial perigosidade das funções desempenhadas, exercidas em nome e benefício da comunidade, levam a que seja um imperativo de operacionalidade a existência de um subsistema de saúde que vise dar resposta às necessidades, também elas específicas, deste conjunto de servidores do Estado.

13. O subsistema de Saúde ADM suporta os custos hospitalares relacionados com a assistência sanitária ministrada no Hospital das Forças Armadas, suporta os custos de saúde dos militares em efetividade de serviço, ou seja, suporta a saúde operacional e, suporta ainda os encargos com a saúde dos Deficientes das Forças Armadas.

14. É o mesmo que dizer que, este subsistema de saúde está a assegurar um conjunto de encargos que estão diretamente adstritos ao Estado constituindo uma das suas tarefas essenciais no cumprimento da obrigação de assegurar a defesa nacional.

15. Se é às Forças Armadas que cabe a defesa da República , naturalmente estes deverão ser munidos de todos os meios necessários ao bom cumprimento das suas funções.

16. A saúde operacional é um aspeto essencial, que nunca poderá deixar de constituir uma responsabilidade primordial do Estado, pois se passar a ficar ao critério de cada um dos sujeitos abrangidos, poderemos ter situações individuais em que, por vários motivos, mormente económicos, não procurem os cuidados de saúde necessários e indicados, vindo a comprometer, futuramente e de forma determinante, o cumprimento das suas funções.

17. De facto, apesar de ter havido tentativas anteriores de transformar estes subsistemas de saúde em subsistemas de inscrição facultativa e não obrigatória, a verdade é que devido ao facto de servirem para assegurar a saúde operacional, tal mudança não se verificou.

18. Caso se viesse a implementar tal sistema de facultatividade da inscrição nestes subsistemas de saúde, seriam ainda seriamente postas em causa a coesão e disciplina necessárias a estas forças, através da criação de diferentes níveis de proteção.

19. Assim se compreende que não é despicienda a manutenção da obrigatoriedade de inscrição nestes subsistemas, criando esta norma, que aumenta os descontos a efetuar pelos beneficiários em 1 ponto percentual, uma verdadeira “ratoeira”, da qual o universo de sujeitos abrangidos não tem forma de escapar.

20. Assim, parece decorrer do próprio texto constitucional e do espírito que lhe subjaz, que ao Estado cabe a responsabilidade de assegurar as condições necessárias ao acesso aos cuidados de saúde, a todos os cidadãos, mas com especial intensidade aos cidadãos que têm a função de garantir a defesa nacional.

21. Pelo contrário, a evolução que se tem vindo a verificar, sobretudo nos últimos anos, é a completa degradação deste subsistema de assistência na doença, seja através do sucessivo aumento da contribuição dos beneficiários, seja através da diminuição das comparticipações devidas pelas despesas de saúde.

22. Os mesmos argumentos que foram até aqui apresentados valerão, por maioria de razão, para o outro subsistema de saúde, visado pelo art.º 3.º da Lei n.º 30/2014, de 19 de maio, SAD, aplicável ao pessoal operacional da GNR e PSP, cujas funções se prendem com a garantia do cumprimento da legalidade e a segurança interna.

23. Relativamente ao Serviço de Assistência na Doença (SAD), são beneficiários titulares os militares da GNR (no ativo, na reserva ou na reforma), o pessoal com funções policiais da PSP (no ativo, em situação de pré-aposentação ou aposentação) e o pessoal em formação para ingresso em qualquer uma das forças, correspondendo, aproximadamente a 37.000 beneficiários titulares.

24. Convém relembrar, finalmente, que atendendo a que estes beneficiários também descontam, por via do IRS, para o financiamento do Serviço Nacional de Saúde, paralelamente aos descontos que já efetuam para os seus subsistemas, estão a dobrar as suas contribuições, ainda que não retirem daí quaisquer benefícios adicionais.

25. Na verdade, quando estes beneficiários se dirigem ao SNS, os encargos resultantes dos seus tratamentos são inteiramente imputados aos seus subsistemas de saúde.

26. Estes subsistemas não foram feitos para gerar lucro, excedente, reduzir o défice ou, sequer, ser autossustentáveis.

27. Assentam num princípio de solidariedade interna, visto que os beneficiários não descontam todos uma parcela fixa, mas sim uma percentagem, contribuindo assim proporcionalmente aos seus rendimentos, mas também externa, sendo os beneficiários solidariamente responsáveis com o Estado por aqueles serviços e cuidados.

28. A responsabilidade solidária não se pode transformar em desresponsabilização completa do Estado e em responsabilidade exclusiva dos beneficiários.

29. Assim, os requerentes concluem pela violação da alínea a) do art.º 9.º, do n.º 1 do art.º 273.º e do art.º 272.º, em conjugação com o art.º 2.º da Constituição da República Portuguesa e pelo desrespeito do princípio da igualdade, inscrito no art.º 13.º e dos princípios da necessidade e da proporcionalidade, consagrados no art.º 18.º/2 da Constituição da República Portuguesa.

Em conclusão

Pelas razões expostas, os Deputados à Assembleia da República abaixo-assinados, ao abrigo do disposto na alínea a), do n.º 1 e na alínea f), do n.º 2, do artigo 281.º da Constituição da República Portuguesa e nos artigos 51.º e 62, n.º 2, da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro (com as alterações introduzidas pela Lei n.º 143/85, de 26 de Novembro, pela Lei n.º 85/89, de 7 de Setembro, pela Lei n.º 88/95, de 1 de Setembro, e pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro), requerem ao Tribunal Constitucional a declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral dos artigos 2.º, 3.º e 4.º da Lei n.º 30/2014, de 19 de maio.

Lisboa, 27 de junho de 2014

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