Requerimento

Pedido de Fiscalização da Lei nº 68/2013 - Regime de contrato de trabalho em funções públicas (40 horas)

Pedido de Fiscalização da Lei nº 68/2013 - Regime de contrato de trabalho em funções públicas (40 horas)

Exmo. Senhor Presidente do Tribunal Constitucional,

Os Deputados da Assembleia da República abaixo-assinados, em número superior a um décimo dos Deputados em efetividade de funções, ao abrigo do disposto na alínea a), do n.º 1 e na alínea f), do n.º 2, do artigo 281.º da Constituição da República Portuguesa e nos artigos 51.º e 62, n.º 2, da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro (com as alterações introduzidas pela Lei n.º 143/85, de 26 de Novembro, pela Lei n.º 85/89, de 7 de Setembro, pela Lei n.º 88/95, de 1 de Setembro, e pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro), requerem ao Tribunal Constitucional a declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral das normas contidas na Lei n.º 68/2013, de 29 de agosto - Estabelece a duração do período normal de trabalho dos trabalhadores em funções públicas e procede à quinta alteração à Lei n.º 59/2008, de 11 de setembro, à quarta alteração ao Decreto-Lei n.º 259/98, de 18 de agosto, e à quinta alteração à Lei n.º 2/2004, de 15 de janeiro, o que fazem nos termos e com os fundamentos seguintes:

1. A Lei nº68/2013, de 29 de agosto, presumivelmente, em obediência ao estabelecido no art.59º, nº1, d), da CRP, prevendo “um limite máximo da jornada de trabalho”, e nº2, b) estabelecendo o direito à “fixação, a nível nacional, dos limites da duração do trabalho”, veio regular “ a duração do período normal de trabalho dos trabalhadores em funções públicas” (art. 1º). E, ao mesmo tempo, veio alterar o Regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas, aprovado em anexo à originária Lei nº 59/2008, de 11 de Setembro, e o Decreto-Lei nº259/98, de 18 de Agosto, que originariamente estabeleceu as regras e os princípios gerais em matéria de duração e horário na Administração Pública”.

2. As normas ora questionadas são as do art. 2º, que fixa o período normal de trabalho dos trabalhadores em funções públicas em “oito horas por dia e quarenta horas por semana” (nº1), obrigando à adaptação dos “horários específicos” (nº2, o que se repete no nº1 do art. 11º), do art. 3º, que altera o Regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas, no que toca ao período normal de trabalho, e do art. 4º, que altera o Regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas, no que toca ao período normal de trabalho bem como do art. 4º, que altera o Decreto-Lei nº259/98, a respeito também do período normal de trabalho.

3. Há que reconhecer que foram sempre intensas as lutas dos trabalhadores ao longo dos tempos com vista à redução dos períodos de trabalho e ao consequente aumento dos tempos de repouso e de lazer, contrapondo-se a essas lutas as reações das entidades patronais a tais reivindicações, agitando a bandeira da ruína e falência das empresas.

Entre nós, e quanto ao sector privado, registe-se a evolução a partir de 1971, com o Decreto-Lei nº409/71, de 27 de Setembro, com os limites máximos dos períodos normais de trabalho, fixados em 48 horas por semana e 42 horas para os empregados de escritório, seguindo-se as leis nº73/98, de 10 de Novembro, e 21/96, de 23 de Julho, quanto às soluções relativas aos limites de duração do trabalho, culminado nas 40 horas no atual Código do Trabalho (art. 163º).

4. Relativamente à Administração Pública e, concretamente, aos trabalhadores em funções públicas, o patamar aqui relevante é o do Decreto-Lei nº187/88, de 27 de Maio, que, reconhecendo nunca ter existido “um instrumento legal que, de modo sistemático, reunisse os princípios fundamentais enformadores do regime jurídico da duração do trabalho”, veio fixar a duração semanal do trabalho em 35 horas ou em 40 a 45 horas, “respetivamente para o pessoal dos grupos auxiliar e operário”, podendo “ ser reduzida progressivamente com vista à uniformização dos regimes de trabalho” (art. 2º, nº1 e 2), o que aconteceu com o Decreto-Lei nº263/91, de 2 de Julho, fixando a duração semanal do trabalho em 40 horas para aquele pessoal.

Posteriormente, o Decreto-Lei nº259/98, de 18 de Agosto, veio substituir e revogar aqueles Decretos-Leis nº187/88 e 263/91, estabelecendo, de vez, a duração semanal do trabalho em 35 horas (arts. 7º e 41º), apenas com um regime transitório para o pessoal dos grupos operário e auxiliar, de 37 horas em 1998 e de 36 horas em 1999 (art. 39º, nº1).
Tal significa que a conquista das 35 horas, hoje prevista no art. 126º do Regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas (RCTFP), consolidar-se ao longo destes últimos vinte e cinco anos, tratando-se de um regime inovatório relevante para o teor de vida dos trabalhadores em funções públicas, com reflexo na vida das suas famílias (e sem envolver redução das remunerações). Um espaço de autodisponibilidade dos trabalhadores.

5. Ora, tudo isto, em matéria de duração semanal do trabalho, é uma concretização intensa e extensa de direitos constitucionalmente tutelados, em função do princípio da dignidade da pessoa humana, que é a bandeira sacramental do art. 1º da Constituição da República Portuguesa (CRP).

Assim, entre os direitos dos trabalhadores:

- a “formação cultural e técnica e a valorização profissional” (art. 58º, nº2, c)).
- a “organização do trabalho em condições socialmente dignificantes, de forma a facultar a realização pessoal e a permitir a conciliação da actividade profissional com a vida familiar” (art. 59º, nº 1, d)).

Todos os direitos que incumbe ao Estado garantir e promover, no âmbito alargado da “condições de trabalho, retribuição e repouso a que os trabalhadores têm direito”, com o horizonte da promoção do bem-estar e da qualidade de vida do povo, como assinala o artº. 9º, entre as tarefas fundamentais do Estado (alínea d)).
Pode, assim, ver-se aqui um retrocesso social, com o regresso aos tempos anteriores a 1988, quando os trabalhadores em funções públicas adquiriram um clima de segurança jurídica e de confiança consolidadas com a fixação da duração semanal do trabalho em 35 horas, e certamente tinham a expectativa de manter o mesmo teor de vida ou até melhorar.

Isto porque a intervenção legislativa de 1988, implementadora de um determinado grau de satisfação para os trabalhadores em funções públicas, quanto à duração semanal do trabalho, não pode ser arbitrariamente objeto de “marcha-atrás”, sobretudo, existindo uma fundamentação justificativa.

A nova medida, introduzida de forma tão abrupta e inesperada pelas normas questionadas da Lei nº 68/2013, afetando os planos de vida dos trabalhadores, traduz-se numa violação dos princípios da proibição do retrocesso social, da segurança jurídica e da confiança legitimamente consideradas, que se extraem da definição do Estado de direito democrático consagrado no art. 2º da CRP. E, uma violação em articulação com a violação das normas constitucionais acima identificadas e que definem, entre muitos outros, direitos fundamentais para os trabalhadores. Direitos que, em boa parte, são postergados com o aumento da carga horária dos trabalhadores, em prejuízo deles e das suas famílias, ao arrepio da tão desejada “conciliação da atividade profissional com a vida familiar”, como proclama o art. 67º, nº2, c), da CRP, afetando necessariamente as expectativas fundadas que os trabalhadores depositavam no anterior horário.

6. Depois, a disparidade materialmente injustificada entre a duração do trabalho no sector público – com o standard único das 40 horas, apontando para um limite máximo, prevendo-se ainda no Código do Trabalho soluções amortecedoras, com horários muito diversos. Do que resulta sempre uma semana de trabalho mais longa para os trabalhadores em funções públicas, o que significa que lhes é imposto um sacrifício excessivo e desnecessário.

Nem se diga que assim se avança, se dá mais um passo, na convergência entre aqueles dois sectores, quando há, na prática, uma diferenciação/discriminação real entre eles, criando-se com a lei das 40 horas dois regimes distintos, em claro desfavor do horário de trabalho dos trabalhadores em funções públicas (estes têm de cumprir sempre as 40 horas, mas os trabalhadores do sector privado podem ou não cumpri-las, dependendo das variáveis previstas no Código do Trabalho).

As 40 horas vigoram, assim, em pleno para o sector público, mas são um limite máximo do período normal de trabalho no sector privado, desde logo, menos de 40 horas na sequência das convenções coletivas do trabalho (o exemplo dos sectores da banca e de seguros).

Com efeito, no Boletim Estatístico de abril de 2013, do Banco de Portugal, constata-se que, de um total de 4.256,8 milhares de trabalhadores, em dezembro de 2012, mais de 1 milhão tem um horário inferior a 35 horas semanais e 2.113,4 milhares têm um horário entre 36 e 40 horas – os trabalhadores da AP rondam hoje os 580 mil.

Tal disparidade em diferenciação/discriminação negativa gera a violação do princípio da igualdade, lido à luz de uma justiça social para todos os trabalhadores, o que se extrai das normas dos arts. 13º, 9º, d), e 81º, b), da CRP, conjugadamente aplicados.

7. Por fim, não pode esquecer-se o reflexo do aumento da duração semanal do trabalho para 40 horas – mais 5 horas do que a duração atual – na redução permanente da remuneração dos trabalhadores em funções públicas (mais trabalho por mais horas, mantendo-se inalterada a remuneração, o que se traduz numa perda da remuneração por semana, na ordem de uma desvalorização de cerca de 14,3%).

Tratando-se de um fator de cálculo da remuneração dos trabalhadores, veja-se a diferença entre o regime atual e o proposto na “Lei das 40 horas”.

Embora a CRP se refira apenas à “retribuição do trabalho, segundo a quantidade, natureza e qualidade”, sem aludir a aumentos ou a diminuição, é facto que liga a retribuição do trabalho a uma “forma a garantir uma existência condigna” (art. 59º, nº1, a)).

Isto pode revelar que a medida, pretensamente adaptada, das 40 horas e o reflexo na redução permanente da remuneração, revista natureza desnecessária, desadequada e irrazoável, pelo menos, para certos tipos de remuneração, sobretudo, quando se trata de tipos de remuneração mais baixa ou de nível mais baixo, no limite do salário mínimo social.

Verifica-se, então, uma violação do princípio da proporcionalidade, que se extrai das normas dos arts. 18º, nº2, 266º; nº 2, e 272º, nº 2, na medida em que se entra no domínio da desnecessidade, da irrazoabilidade e da desadequação da medida legal das 40 horas, brigando com a exigência de “existência condigna”, cuja garantia se conexiona com a retribuição do trabalho, refletindo o princípio da dignidade da pessoa humana, consagrado no art. 1º da CRP.

Termos em que, por violação dos princípios e das normas constitucionais acima expostos, relevando os princípios da proibição do retrocesso social, da segurança jurídica e da confiança, a par dos princípios da igualdade e da proporcionalidade, está ferida de inconstitucionalidade material a norma do art. 2º e, consequentemente, estão feridas de inconstitucionalidade material as normas dos arts. 3º, 4º e 11º, todos da Lei nº68/2013, de 29 de agosto.

Pelas razões expostas, os Deputados à Assembleia da República abaixo-assinados, ao abrigo do disposto na alínea a), do n.º 1 e na alínea f), do n.º 2, do artigo 281.º da Constituição da República Portuguesa e nos artigos 51.º e 62, n.º 2, da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro (com as alterações introduzidas pela Lei n.º 143/85, de 26 de Novembro, pela Lei n.º 85/89, de 7 de Setembro, pela Lei n.º 88/95, de 1 de Setembro, e pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro), requerem ao Tribunal Constitucional a declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral das normas dos artigos 2.º, 3.º, 4.º e 11.º da Lei n.º 68/2013, de 29 de agosto.

Mais solicitam os requerentes, ao abrigo do n.º 4 do artigo 65.º da Lei de Organização e Funcionamento do Tribunal Constitucional (Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 143/85, de 26 de Novembro, pela Lei n.º 85/89, de 7 de Setembro, pela Lei n.º 88/95, de 1 de Setembro, e pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro), que, tendo em consideração os sérios prejuízos que a incerteza gerada pela pendência do presente processo de fiscalização da constitucionalidade implica seguramente para os cidadãos cuja tutela de direitos se encontra pendente dessa apreciação jurisdicional, V. Ex.ª pondere a atribuição de prioridade à apreciação e decisão do presente processo.

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