Intervenção de Honório Novo na Assembleia de República

PCP na defesa das Regiões Autónomas

Primeira alteração à Lei Orgânica n.º 1/2007, de 19 de Fevereiro, que aprova a Lei de Finanças das Regiões Autónomas

Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados:

O ruído que envolveu a discussão da proposta de lei das finanças das regiões autónomas em 2006 ficou como um exemplo de escola daquilo que não deve ser um debate sério e responsável.

A proposta do Governo surgiu como uma sanção aos madeirenses e um piscar de olho aos açorianos pelas suas opções eleitorais. No imediato, a Lei de Finanças das Regiões Autónomas afectaria de forma diferente madeirenses e açorianos e tanto uns como outros saberiam muito bem porquê.

Pela nossa parte, sempre rejeitámos essa lógica e deplorámos vivamente que uma questão tão relevante como a das finanças das regiões autónomas pudesse servir para guerrilhas políticas ou para criar divisões artificiais entre portugueses.

A Lei de Finanças das Regiões Autónomas, aprovada na X Legislatura, não foi contra o Dr. Alberto João Jardim. Aliás, tanto não foi que serviu perfeitamente a sua estratégia eleitoral. Foi, isso sim, contra o povo da Madeira.

Mas não foi uma lei que tivesse favorecido o povo dos Açores. Favoreceu, obviamente, a estratégia eleitoral do PS/Açores, na medida em que, ao contrário do que aconteceu com a Região Autónoma da Madeira, a Região Autónoma dos Açores não foi imediatamente prejudicada nas transferências financeiras do Estado para a Região. Mas daí a podermos falar em benefício para os Açores vai uma grande distância..., não só porque a situação ultraperiférica da Região Autónoma dos Açores e a sua especificidade insular justificam plenamente um acrescido esforço de solidariedade nacional mas também porque uma lei das finanças regionais como esta, que representa um retrocesso no compromisso do Estado com o financiamento das regiões autónomas, poderia lesar negativamente no imediato apenas uma delas, mas não deixaria, a prazo, de afectar negativamente as duas regiões.

Segundo a nossa Constituição, é tarefa fundamental do Estado promover o desenvolvimento harmonioso de todo o território nacional, tendo em conta, designadamente, o carácter ultraperiférico dos arquipélagos dos Açores e da Madeira. E compete aos órgãos de soberania assegurar, em cooperação com os órgãos de Governo próprio das regiões, o desenvolvimento económico e social destas, visando, em especial, a correcção das desigualdades derivadas da insularidade.

Por outro lado, é a pròpria Constituição que impõe o respeito pelos estatutos político-administrativos das regiões autónomas, que devem considerar-se como leis reforçadas, com valor paramétrico relativamente aos diplomas legislativos regionais e às restantes leis da República.

É inquestionável que a lei das finanças regionais em vigor contraria frontalmente o Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira, ao provocar um retrocesso no relacionamento financeiro entre o Estado a Região e ao proibir que os empréstimos a emitir pela Região Autónoma da Madeira pudessem beneficiar da garantia pessoal do Estado.

A Região Autónoma da Madeira foi objectivamente prejudicada devido aos critérios usados para determinar as transferências para as regiões autónomas, e mais concretamente o Fundo de Coesão, conjugados com a perda de fundos comunitários, que decorreu do facto de a Madeira deixar de ser considerada região de Objectivo 1 e com a perda de receitas de compensação do IVA, que decorreu do abandono da regra da capitação.

A perda dessas receitas, numa região que mantém enormes fragilidades de desenvolvimento económico, social e humano, decorrentes da sua condição ultraperiférica e de longos anos de más políticas, não poderia deixar de ter consequências negativas para a população madeirense, sabendo-se desde logo que, lá como cá, os que pagam a crise são sempre os mais desfavorecidos.

A lei das finanças regionais em vigor representa uma total falta de respeito pela autonomia financeira das regiões autónomas. Os valores por que se rege nada têm a ver com o desenvolvimento equilibrado do País, com a coesão, com a solidariedade nacional ou com o respeito pela autonomia regional; têm unicamente a ver com o sacrossanto princípio da estabilidade orçamental.

O Governo arrogou-se o direito de fixar unilateralmente os limites de endividamento das regiões autónomas, em cada ano, na Lei do Orçamento do Estado, e de criar mecanismos de tutela financeira governamental sobre as regiões, não previstos em qualquer estatuto e em violação da autonomia política e administrativa das Regiões.

A lei das finanças regionais contraria valores constitucionais de solidariedade nacional e de respeito pela autonomia regional e é lesiva das aspirações e interesses legítimos das populações insulares. Foram essas e não outras as razões que levaram o PCP a opor-se à sua aprovação.

A proposta aprovada na Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira para a revisão da lei das finanças regionais, que incorpora um considerável acervo de propostas do PCP, contou com a nossa aprovação em votação final na Assembleia Legislativa e conta com o nosso apoio de princípio nesta Assembleia da República (proposta de lei n.º 1 /XI/1.ª).

Não se trata, como insidiosamente tem sido afirmado, de legitimar qualquer «regabofe» financeiro. Trata-se de cumprir um imperativo constitucional de coesão nacional e de respeitar o princípio da autonomia financeira das regiões autónomas.

Importa, porém, deixar muito claros alguns princípios que vão nortear a nossa atitude no processo legislativo que agora se inicia.

Assim como nunca aceitámos a aprovação de uma lei das finanças regionais feita para prejudicar a Madeira, nunca aceitaríamos, e não aceitaremos, uma revisão dessa lei que fosse feita para beneficiar a Madeira, prejudicando os Açores.

Esta revisão da lei das finanças regionais deve ser feita para corrigir injustiças e nunca, em caso algum, para exercer represálias sobre quem quer que seja.

Fica assim muito claro que o PCP não aceitará qualquer disposição legal que implique uma redução das transferências financeiras do Estado para a Região Autónoma dos Açores ou que, na sua aplicação presente ou futura, de algum modo prejudique esta Região no seu relacionamento financeiro com o Estado.

Por outro lado, consideramos que a revisão da lei das finanças regionais deve ser realista e não pode alhear-se da situação financeira do todo nacional.

Não é aceitável a aprovação de um regime que, para corrigir injustiças cometidas, incorra em novas injustiças, provocando desequilíbrios financeiros que se traduzissem em sacrifícios acrescidos e injustos para o povo português no seu conjunto. Admitimos, por isso, que os encargos financeiros adicionais, que decorram do regime que venha a ser aprovado, possam ser aplicados de forma gradual e faseada, devendo ser acordada uma disposição transitória nesse sentido.

Esta proposta de lei da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira deverá ser objecto de uma análise detalhada na Comissão de Orçamento e Finanças, que equacione todas as suas implicações financeiras e encontre soluções justas e adequadas, para que, com sentido de Estado, com sentido de responsabilidade, sem guerrilhas inúteis, se aprove finalmente uma lei das finanças regionais que corresponda aos objectivos constitucionais de garantir a unidade, a coesão e a solidariedade nacional.

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