Intervenção de Jerónimo de Sousa na Assembleia de República

PCP exige esclarecimentos do Primeiro-Ministro sobre o serviço de informações do Estado

Ver vídeo

''

Debate com o Primeiro-Ministro sobre o Sistema de Informações da República Portuguesa

Sr.ª Presidente,

O Sr. Primeiro-Ministro trouxe aqui, antecipando-se a um inevitável questionamento, pelo menos da nossa parte, a grave situação existente nos serviços de informação e o envolvimento do Sr. Ministro Miguel Relvas neste processo e na sua relação com a imprensa.

O primeiro comentário que me sugere a sua intervenção é o de que estamos perante o típico exercício da tentativa de «tapar o sol com uma peneira».

Sobre o Sr. Ministro Miguel Relvas, os factos falam por si; não são só as notícias, são os factos! E a defesa assumida pelo Sr. Primeiro-Ministro tem um significado político: o significado da conivência de todo o Executivo, e particularmente do Sr. Primeiro-Ministro, que, do nosso ponto de vista, não fica bem na fotografia.

A ação, a intervenção do Sr. Ministro Miguel Relvas não é uma questão pequena, mas a questão de fundo que se evidencia em todos estes recentes acontecimentos é a situação de degenerência dos serviços de informação da República, que são da responsabilidade do Sr. Primeiro-Ministro.
O que irrompe em todo este caso é o grave problema das relações de promiscuidade entre o poder económico e os serviços de informação da República, que V. Ex.ª tutela.

O Sr. Primeiro-Ministro disse que as informações que passaram não foram através dos serviços de informação. Não foram feitas pelos serviços, mas não podiam ter sido feitas sem os serviços.

O que vem ao de cima em todo este processo é a recolha ilegal de informações, a sua utilização ilegítima para tráfico político e para os negócios por parte do poder económico, o que coloca um sério problema de liberdade e do próprio regime democrático.

Não exagero, Sr. Primeiro-Ministro — e permita-me que fale até por experiência própria —, se lhe disser que, nestas matérias tão sensíveis, sabemos sempre muito bem como é que isto começa, mas nunca sabemos como acaba.

E esta é uma questão central que coloca uma outra questão: como é isto possível? Ainda não vale tudo, Sr. Primeiro-Ministro! Não vale tudo!
Não estamos aqui a tratar de uma matéria que pode ser delegada num secretário de Estado ou num ministro! Não, é da responsabilidade do Primeiro-Ministro o acompanhamento desta matéria.

Nesse sentido, o que perguntamos é o seguinte: o Sr. Primeiro-Ministro vai ou não assumir as responsabilidades? Não somos criminologistas, não somos justiceiros, mas há aqui uma dimensão política de que o senhor tem particulares responsabilidades.

Pergunto, então, se o Sr. Primeiro-Ministro vai assumir essas responsabilidades ou se pensa que os portugueses vão dormir descansados só porque o senhor mandou fazer uma investigação, só porque mandou fazer um inquérito ou só porque confia na justiça. Não! O problema é político e, nesse sentido, nós queremos saber que responsabilidades vai assumir nesta matéria que está aqui hoje na ordem do dia.

(…)
Sr.ª Presidente,
Sr. Primeiro-Ministro,

O senhor confundiu o alvo. A questão da demissão do responsável dos serviços de informação era mais dirigida para a bancada do PSD do que para a minha bancada, porque nunca ouviu da nossa parte qualquer referência a isso. Admito que queira resolver um problema interno, mas isso é consigo.

Sublinho que a questão central foi aquela a que o Sr. Primeiro-Ministro não respondeu, que é a de o poder económico, hoje, determinar muito do funcionamento dos próprios serviços de informação.

Em relação ao Sr. Ministro Miguel Relvas — e eu referi a sua relação com a imprensa —, não me diga, Sr. Primeiro-Ministro, que são apenas notícias especulativas, que são posições de má formação de jornalistas que estão a fazer acusações gratuitas. Sinceramente, Sr. Primeiro-Ministro, pensa isso?

Mas, para desdramatizar, e correspondendo até a um certo apelo do PSD, que ontem dizia que esta questão está no eixo das preocupações e das atenções dos portugueses em relação às questões do desemprego, o Sr. Primeiro-Ministro sabe que a troica veio aqui para mais uma visita e deu orientações claras dizendo que, em relação à questão do desemprego, era importante tomar uma medida: baixar mais os salários dos portugueses!
Quero, pois, colocar-lhe a seguinte questão: ouvi-o defender as alterações ao Código do Trabalho, dizendo que esse era o elemento crucial para aumentar a competitividade e o emprego. Agora, vem a troica dizer que a legislação laboral está bem e que a questão da competitividade e do crescimento do emprego passa por baixar os salários aos portugueses.

Não sei qual é a sua interpretação desta expressão da troica, mas diga lá, Sr. Primeiro-Ministro, o que é que andam a «cozinhar» em relação aos salários dos trabalhadores portugueses? Será que vamos assistir, mais uma vez, a um golpe profundo neste direito fundamental de salários mal tratados, de salários que, na média da União Europeia, são baixíssimos, em que os portugueses veem as suas retribuições duramente atingidas? Não me diga, Sr. Primeiro-Ministro, que andam a «cozinhar» mais uma ofensiva contra os salários dos trabalhadores. Responda, se faz favor.

  • Assuntos e Sectores Sociais
  • Regime Democrático e Assuntos Constitucionais
  • Trabalhadores
  • Assembleia da República
  • Intervenções