Intervenção de Bernardino Soares na Assembleia de República

PCP contesta agendamento da Proposta de Lei do Governo que altera a legislação laboral

Recurso da decisão da Presidente da Assembleia da República sobre a admissibilidade do agendamento na ordem do dia de 28 de Julho de 2011 da proposta de lei que altera a legislação de trabalho

Sr.ª Presidente,
Sr.as e Srs. Deputados,
A questão que está suscitada hoje é da maior importância e tem a ver com um direito constitucionalmente protegido de participação das organizações representativas dos trabalhadores na elaboração da legislação laboral.
É evidente que a norma constitucional que o estabelece tem tido várias interpretações e que elas não são
coincidentes, conforme o ponto de vista de onde se vê a norma. Sabemos também que a Sr.ª Presidente, de
cuja decisão de agendamento recorremos, tem uma interpretação diferente da nossa em relação ao âmbito de
exigência dessa norma constitucional.
O problema é que, para além da Constituição, existe uma lei…
(…)
Sr.ª Presidente, também considero importante, porque a seguir vamos votar, e espero que os meus argumentos possam trazer alguns votos das bancadas da maioria para o nosso recurso…
Como eu dizia, temos apreciações diferentes em relação ao âmbito e à exigência da norma constitucional,
mas o facto é que há uma lei e há uma conformação do Regimento com um determinado processo de consulta
pública e com a incorporação das contribuições dos pareceres das organizações dos trabalhadores naquilo
que é o processo legislativo. E essa lei não é inconstitucional, ninguém põe em causa a sua constitucionalidade. Não, portanto, há qualquer razão do ponto de vista legal e constitucional para não cumprir o que está estabelecido nessa lei!
Todos sabemos que essa lei foi elaborada por um governo anterior do PSD/CDS; foi elaborada e foi incluída naquele que ficou conhecido como «Código Bagão Félix». Portanto, é uma lei da autoria das bancadas da direita, que estabeleceu — porque antes disso havia sempre controvérsia em relação à aplicação da norma constitucional — que, do ponto de vista da lei, a obrigação será a de que a consulta pública decorra
antes da discussão e da votação, e não só desta, dos diplomas no Plenário da Assembleia da República.
Portanto, é essa a questão que se coloca hoje: entre seguirmos o que está na lei e violarmos o que está
estabelecido na lei, devemos acolher o que defende os direitos de participação dos trabalhadores e das duas
organizações, correspondendo assim àquela que é a sua expectativa!
Depois, não há aqui qualquer problema de urgência, com já foi referido.
Em primeiro lugar, a lei responde a essa questão: quando há urgência, há um processo de urgência — isso
significa que o prazo de consulta pode ser diminuído de 30 para 20 dias, como aparentemente vai acontecer.
E isso é que é a resposta ao problema da urgência!
E, mesmo discordando nós do conteúdo das medidas acordadas por três partidos desta Casa com a União
Europeia e o FMI, não há sequer do ponto de vista político uma obrigação de que esta matéria seja discutida
antes do final de Julho, como o Governo confirmou na Conferência de Líderes!!
Não há, mesmo desse ponto de vista, que não é o nosso, nenhuma obrigação para que isso aconteça!
Portanto, violando-se a lei, defraudando-se as expectativas das organizações dos trabalhadores e não havendo qualquer razão válida, para além disso, para que seja de maneira diferente, nós discordamos — e é disso que recorremos — da decisão da Sr.ª Presidente de agendar para o próximo dia 28 a proposta de lei, que ainda não entrou sequer na Assembleia da República, sobre legislação laboral.
Tratar-se-á de fazer um debate de uma matéria fundamental, de despedimentos e das sua indemnizações
seis dias após a entrada da proposta de lei na Assembleia da República. O debate na generalidade não é uma
formalidade! É «o momento» de maior visibilidade pública e política da controvérsia das opiniões em relação a
cada proposta e é por isso que ele deve ser preservado em relação à consulta pública, como com esta decisão
a Sr.ª Presidente não quis fazer, e é por isso que dela recorremos!
(…)
Sr.ª Presidente,
Há duas questões que não estão aqui em debate, que não existem para efeitos desta decisão, sendo que uma delas é a questão da constitucionalidade.
Nós não recorremos da decisão da Sr.ª Presidente por razões de constitucionalidade. Existe outro recurso,
o recurso de admissão de iniciativa por razões de inconstitucionalidade, mas não foi esse recurso que
apresentámos. Nós recorremos da fixação desta matéria na ordem do dia. Não levantámos uma questão de
constitucionalidade, porque a Constituição pode ter muitas interpretações. Pode ter esta que o PS aqui
explicitou e que é apoiada pela direita e também pela Sr.ª Presidente, pode ter outras. O que está aqui em
causa é que há uma lei que determina o processo, que tem de ser respeitado pela Assembleia, de ouvir as
organizações representativas dos trabalhadores!
E, Sr.ª Presidente, a regra não pode ser a de o legislador, porque é legislador, poder não cumprir a lei!… É
porque, então, isso leva-nos a ultrapassar todos os limites!… Se o legislador, porque é legislador, pode ignorar
as leis que ele próprio fez — aliás, para se auto-condicionar, para livremente se auto-condicionar a cumprir
determinada obrigação perante os trabalhadores —, não pode, depois, de cada vez que uma qualquer maioria
entende que há outras razões de oportunidade política, ultrapassar o que está legislado, porque senão as leis
não valem de nada, o Regimento não vale de nada, nada vale de nada e ficamos sempre sujeitos ao livre
arbítrio de uma qualquer maioria, mesmo que seja reforçada pelo PS, como é o caso!
Outra questão que não está aqui em causa é a urgência, porque o Governo confirmou em todas as reuniões da Conferência de Líderes onde debatemos esta matéria que cumpria o que estava no compromisso com a tróica com a apresentação da iniciativa na Mesa da Assembleia da República. O Governo confirmou!… Tudo o resto eram razões de apresentação política e foi isto que nós dissemos. Não há aqui qualquer razão de urgência! É falso que se rompa um compromisso, esse que os senhores assumiram com a tróica, se não se discutir o diploma na próxima semana. Isso é falso! Aliás, foi o Governo que confirmou que o era.
Depois, Sr.ª Presidente, o problema que está aqui colocado é também este: não se pode suspender o direito de participação dos trabalhadores só porque convém!… Só porque convém a uma determinada maioria e a um determinado Governo!…
E não nos venham dizer que é indiferente fazer a consulta antes ou depois do debate na generalidade.
O debate na generalidade é o momento mais importante de debate político sobre cada iniciativa legislativa,
não há mais nenhuma altura onde se debata essa iniciativa. Depois há as votações, há a discussão na
especialidade, mas em Plenário não há mais nenhum momento em que se discuta essa iniciativa — e não
estamos a falar de uma iniciativa qualquer…!
É porque, Sr.ª Presidente, as iniciativas podem não se medir pela dimensão do alcance que têm na sociedade, mas também não se medem pelo número de artigos, porque podem ter poucos artigos e ter uma extrema complexidade!… E isso nem sequer deve ser tido em conta aqui, porque o que interessa é que os trabalhadores e as suas organizações têm o direito de se pronunciar à face da lei e esse direito não pode ser afastado porque o Governo e a maioria entendem que é mais útil politicamente debater na próxima semana esta iniciativa!!
O direito não se pode suspender quando convém a alguns!

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