Intervenção de Jerónimo de Sousa na Assembleia de República, Debate com o Primeiro-Ministro

PCP confronta governo sobre o aumento dos combustíveis

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Sr. Presidente,
Sr. Primeiro-Ministro,
O senhor pôs aquele ar, que se conhece, de tratar como «coisa menor» esta questão do aumento dos combustíveis. E não me refiro só à gasolina, mas aos combustíveis e ao gás.
Independentemente da classificação que possa fazer das intervenções aqui feitas por parte de diversos grupos parlamentares, a questão é séria, porque estes aumentos são um factor de acentuação das injustiças sociais e podem ter consequências tremendas no nosso tecido produtivo, no nosso crescimento económico.
O Sr. Ministro da Economia, questionado sobre o assunto, veio dizer que não compreendia bem e que queria falar com as empresas e com a entidade reguladora. Isto levanta um problema primeiro: o Governo diz que é com a entidade reguladora, a entidade reguladora diz que não pode fazer nada…!
Ora, alguém tem de explicar, Sr. Primeiro-Ministro, como é que, por exemplo, em Portugal, de acordo com os últimos dados que temos, o preço da gasolina 95, antes dos impostos, era 4,7% superior à média da União Europeia! Explique porquê, Sr. Primeiro-Ministro!! E por que é que, desde o princípio do ano, a gasolina, o gasóleo, o fuel e o gás registaram, respectivamente, aumentos de 8,5%, de 10,7%, de 8,2% e de 7,9%.
O Sr. Ministro da Economia não percebe, mas nós dizemos, ajudamos para que compreenda: o problema central reside na insaciável gula dos lucros das empresas petrolíferas no sector energético.
Este é o problema central.
Lembra-se, Sr. Primeiro-Ministro, com responsabilidades no PS, quando se tratou da privatização e da liberalização, o que foi dito pelo governo de então? Tratava-se de permitir que essa liberalização e a concorrência levassem à baixa dos preços dos combustíveis.
Estamos a ver!…
É preciso combater a ideia que foi agora «descoberta» pelo PSD de que é preciso impedir que o Estado meta a mão nos negócios. É que se isto não for feito, Sr. Primeiro-Ministro, tem consequências dramáticas. Imagina quantas empresas encerraram não por causa dos baixos salários, mas porque, devido aos custos dos factores de produção — ao gás, ao combustível —, foram incapazes de fazer face à concorrência e à competitividade que lhes era exigida?
Quantos desempregados existem resultantes desta indiferença do Governo?
Da nossa parte, Sr. Primeiro-Ministro, temos propostas e a principal passa por estabelecer para os próximos três anos um sistema de preços regulados de combustíveis e de energia eléctrica que permita criar um mecanismo de preços máximos, tendo como referência o valor abaixo da média da União Europeia.
Esta é uma proposta concreta e não ponha esse ar de quem vem aqui tratar a questão da gasolina!... Estamos a falar de uma coisa muito séria!! Estamos a falar da questão do crescimento económico e da justiça social!
(…)
Sr. Presidente,
Sr. Primeiro-Ministro,
Penso que deve ser feita justiça ao CDS, visto que a sua visão do problema é muito parecida com a do Governo, porque eles querem manter intocáveis os lucros obscenos do grande capital destas empresas.
Apontou uma questão preocupante em relação ao problema da regulação, mas, quanto ao resto, o CDS está próximo do Governo nesta teoria.
Em relação à nossa visão diferente, o Sr. Primeiro-Ministro não sabe que, no plano dos preços, existe a cartelização, de facto, por parte dessas empresas?!
E, naturalmente, com a posição de Pilatos que este Governo tem, as empresas têm precisamente o que querem: o Estado não mete a mão e elas vão somando lucro ao lucro!!
Não se trata da questão de darem prejuízo, Sr. Primeiro-Ministro, mas de saber como é que conseguem esse lucro inaceitável e escandaloso, sacrificando as micro, pequenas e médias empresas, a agricultura e as famílias! Este é o problema central que está colocado e onde o Estado deve, de facto, ter uma intervenção!
Sr. Primeiro-Ministro, uma segunda questão: veio falar da aprovação do PEC pela Comissão e, não se zangue, mas a sua intervenção parecia um pouco a de um aluno bem comportado que teve nota positiva por parte da Comissão Europeia.
No entanto, há simultaneamente silêncios que não compreendemos e muito menos podemos aceitar. Pode o Governo ficar em silêncio e estar de acordo com as orientações e decisões que atingiram a Grécia e a colocaram nas mãos da especulação financeira e ignorar o princípio que tão badalado foi, incluindo pelo Sr. Primeiro-Ministro, na questão do Tratado de Lisboa, ou seja, a coesão económica e social?!
Pode aceitar o Governo esse acordo minimalista e a intervenção do Fundo Monetário Internacional (FMI) que vai criar imensas e extremas dificuldades à Grécia, mas também fazer de países como Portugal, Espanha ou Irlanda os alvos preferenciais de toda a especulação financeira a que estamos a assistir?!
Pode o Governo de Portugal aceitar, sem nada dizer — e sublinho sem nada dizer! —, as ameaças feitas anteontem pela Comissão Europeia, pela voz do Comissário da Economia e Finanças, de cortar os fundos comunitários a Portugal se o défice derrapar, tendo, com tais declarações irresponsáveis, feito disparar de imediato os juros dos títulos de dívida pública?!
Cala-se, perante aquela declaração de um guru do FMI que declara Portugal à beira da falência, Sr. Primeiro-Ministro?!
Sr. Primeiro-Ministro, onde é que estavam esses senhores quando se tratou de pôr os Estados a abrir os cordões à bolsa, a pagarem a fraude, a especulação e a jogatana em que os dinheiros públicos serviram para acudir a essas situações? Onde é que estavam esses comissários e esses gurus?!
Assim, Sr. Primeiro-Ministro, gostaria de saber que iniciativas pensa tomar junto da Comissão e dos países que estão na mira da especulação no sentido de, pelo menos no imediato, desencadearem acções que visem alguma flexibilização do Pacto de Estabilidade e Crescimento, embora fosse justo e certo fazer o questionamento do próprio Pacto.
Sr. Primeiro-Ministro, a nossa preocupação tem um fundo: não assistir a um rasgo patriótico por parte do Governo na defesa do interesse nacional, da nossa economia e do futuro do País. Tenha esta preocupação, de certeza que os portugueses apreciariam!
E deixe de ouvir essas empresas, esses que estiveram cegos, mudos e quedos perante a crise, as suas consequências e os seus causadores, e que nos vêm agora dar lições em relação ao futuro de Portugal.
Portugal é um país que está em condições de afirmar a sua soberania, mas não o fará com as posições de silêncio que o Governo tem tido nesta matéria!

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