Intervenção de Jerónimo de Sousa na Assembleia de República, Debate com o Primeiro-Ministro

O país precisa de outra política!

Sr. Presidente,
Sr. Primeiro-Ministro,

Quando o ouço, nestes debates quinzenais, dou-lhe sempre um desconto, um desconto entre aquilo que diz e aquilo que faz, entre o que promete e o que cumpre, entre a propaganda e a realidade. Mas hoje teve azar, porque, ontem, o Ministério das Finanças divulgou o orçamento de execução orçamental do subsector Estado entre Janeiro e Novembro. E pode ler-se, por exemplo, que, em relação ao programa orçamental para a Iniciativa para o Investimento e o Emprego, apresenta uma execução de 53%.

E depois, também em relação à badalada iniciativa do Governo que estava prevista como uma medida de apoio ao emprego e para a qual o Governo prometia gastar 580 milhões de euros, foi executado apenas 28,5%.

Depois, também em relação às PME, ao apoio à actividade económica e à exportação, em que se previa gastar, em 2009, 800 milhões de euros, foram consumidos e executados apenas 23,8%. Portanto, não «fuja para a frente», Sr. Primeiro-Ministro! E descanse a Sr.ª Deputada Ferreira Leite, porque anuncia muito investimento mas, depois, na prática, em termos de execução, é aquilo que se verifica.

Não esteja a dizer que não, Sr. Primeiro-Ministro!

Então, corrija o Sr. Ministro das Finanças, porque o relatório é oficial. É que isto leva à seguinte situação: o Sr. Primeiro-Ministro fala muito de dois orçamentos - hoje está na moda -, um do Governo e outro da oposição. Qualquer dia ouvimos, em termos de execução, um programa para a Assembleia da República e para o País e outro para o Governo, que sabe que não será cumprido.

Gostaria ainda de colocar uma última pergunta: relativamente à construção de novos hospitais, foi por esquecimento que não falou no hospital do Seixal? Certamente, foi esquecimento.

(...)

Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro,

Às vezes a coerência determina muita coisa. Posso fazer o discurso de há 30 anos, tendo em conta a política de direita realizada. O Sr. Primeiro-Ministro é que faz agora um discurso que há 30 minutos atrás não fazia!

Estas coisas da descoberta ensaiada por um dos vossos dirigentes de que só os burros é que não mudam de ideias... Os senhores mudam de ideias conforme lhes convém, mantendo no essencial a mesma política.

Gostaria de lhe dar uma oportunidade para esclarecer melhor a questão da Cimpor. Falou aqui da CNS, a tal empresa que adquiriu a Siderurgia Nacional. Sabe, Sr. Primeiro-Ministro, o que essa multinacional fez foi desmantelar a linha de produção da folha-de-flandres, foi fechar a linha de laminado a frio, acompanhado do despedimento de mais de uma centena de trabalhadores

Ora, «não é flor que se cheire».

Mas a questão de fundo que se coloca em relação a essa multinacional brasileira é saber se também conta com a posição da Caixa Geral de Depósitos; se deve ou não ser o veículo para que se mantenha esta empresa estratégica sob controlo nacional ou se vai permitir que o centro de decisão e os lucros «emigrem». Essa é a questão a que tem de responder, Sr. Primeiro-Ministro. Ainda está a reflectir? Não há que intervir?!

Na primeira intervenção que aqui fez hoje falou sobre recuperação económica. A recuperação económica faz-se com a defesa do aparelho produtivo e da produção nacional e não entregando nas mãos das multinacionais aquilo que temos de melhor.

Responda a esta questão: está ou não interessado que a Cimpor continue a ter como centro o nosso país, Portugal, e não uma multinacional.

(...)

Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro,

Registo que não deu nenhuma garantia em relação à defesa do interesse nacional quanto à Cimpor.

Já agora, aproveito esta questão de mudar... Sabe, Sr. Primeiro-Ministro, o problema é que mudar para pior não resulta. E o que tem acontecido ao longo de décadas é que este PS tem mudado para pior. Dou-lhe um exemplo concreto. Já aqui se falou da questão do Código do Trabalho. Seria impensável que este Partido Socialista, que ajudou e foi peça fundamental na elaboração da constituição laboral, na defesa do direito ao emprego, na defesa dos direitos dos trabalhadores, aprovasse esse documento, que é uma «mancha», uma «nódoa», do Partido Socialista

Em relação a uma questão que também esteve em cima da mesa na concertação social, o chamado contrato de trabalho intermitente, Sr. Primeiro-Ministro, aí dessa bancada, num debate parecido,...

Não se esteja a rir porque não lhe faço mal!

Não permite a expressão «firme»?! Não gosta?! Mas daí, dessa bancada, com um ar bem mais arrogante, dizia: «Os senhores estão enganados! Este Código do Trabalho é para combater a precariedade». Disse-o aqui num debate quinzenal.

A verdade é que, com este contrato intermitente, pior que um contrato a prazo, em que um trabalhador trabalhará um tempo e ficará no desemprego recebendo menos pelo subsídio de desemprego, «emprateleirado», disponível para que seja requisitado novamente, com o Estado a entrar com algum... Defendem que isto é bom para as empresas, que é bom para o Estado, porque não paga o subsídio de desemprego no total, e que não é mau para o trabalhador porque mais vale pouco que nada.

Essa é a visão deste Partido Socialista, que se colocou do lado da direita, particularmente naquilo que é a zona de fronteira, que são os direitos dos trabalhadores. Aí o PS mudou para pior, como demonstra esta proposta de contrato intermitente. Sr. Primeiro-Ministro, essa mudança não presta! Essa mudança fica mal ao Partido Socialista! Ou, então, deixe de se afirmar de esquerda!

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