Intervenção de Bruno Dias na Assembleia de República

"O país e o povo não podem estar e não estão condenados a estas políticas!"

Declaração política referindo-se às recentes Jornadas Parlamentares do PCP, realizadas na Península de Setúbal

Sr.ª Presidente,
Sr.as e Srs. Deputados:
Realizaram-se esta semana as Jornadas Parlamentares do PCP, na Península de Setúbal. Durante dois dias, por toda a região, foram muitos os contactos, visitas, encontros no terreno, com empresas e locais de trabalho, organizações dos trabalhadores, pescadores, agricultores, agentes culturais, movimento juvenil e imigrante, serviços públicos, instituições do ensino superior, autarquias locais.
Acompanhámos a candidatura da Arrábida a Património Mundial. Contactámos com uma região que trabalha e luta por uma vida melhor, onde um projeto e uma estratégia integrada de desenvolvimento e a luta organizada dos trabalhadores e do povo enfrentam a ofensiva de uma política de desastre nacional imposta por este Governo PSD/CDS-PP.
Nestas Jornadas Parlamentares, confirmámos a realidade das múltiplas situações de rutura nos serviços públicos e da preocupação com novas medidas entretanto anunciadas pelo Governo. Na saúde, na educação e ensino, na ciência, na cultura ou na justiça confirma-se em cada dia que esta política e este Governo não servem os interesses do País e que, sem romper com as opções e os interesses que servem, não é possível um futuro diferente.
Nestas Jornadas, contactámos com os agricultores, os viticultores, o movimento cooperativo da região. Ao contrário do que todos os dias é propagandeado pelo Governo, a pequena e média agricultura, aquela que ainda fixa população, a que produz 80% dos postos de trabalho do sector, enfrenta cada vez maiores dificuldades, com o custo dos fatores de produção, o preço de venda no produtor e o desprezo ou, mesmo, o ataque que sofrem pelas medidas do Governo.
Abordámos as consequências do mau tempo que tem fustigado a faixa litoral — e, nesta região, com particular incidência sobre a Costa de Caparica, cujas praias têm sido literalmente destruídas pela intempérie, com areais levados pela força do mar, apoios de praia e equipamentos turísticos profundamente danificados e uma angustiante incerteza quanto ao futuro em toda esta área. É indispensável agir, desde já, na recuperação das infraestruturas danificadas pela intempérie e para garantir condições estáveis, seguras e sustentáveis para a recuperação ambiental das zonas afetadas e das atividades que aí se desenvolvem.
Nestas Jornadas, contactámos com os pescadores e pequenos armadores, com o rendimento da sua atividade asfixiado pelo preço dos fatores de produção, como os combustíveis, e pelos baixos preços na primeira venda. E agora que o mau tempo os impede de ir ao mar, o único recurso que é o Fundo de Compensação Salarial torna-se afinal inacessível e inútil, pelas restrições e burocracias que comporta, evidenciando a necessidade de alterar o regime desse Fundo. Será essa a nossa proposta, agilizando e adequando o seu acesso e tornando-o uma resposta de compensação efetiva aos pescadores.
O Governo fala de regresso ao mar, fala de recuperação e de reindustrialização. Entretanto, afunda os Estaleiros de Viana do Castelo e vai minando o Arsenal do Alfeite, lesando a Marinha e o País. Veja-se a recente adjudicação, por ajuste direto, a uma empresa alemã da reparação do submarino Tridente, que o Arsenal tinha perfeitas condições de fazer. Uma «pequena reparação» pela módica quantia de 5 milhões de euros, que os portugueses são condenados a pagar por despacho do Ministro!
Sr.ª Presidente,
Sr.as e Srs. Deputados:
Tal como assinalámos nas Jornadas Parlamentares, Portugal está hoje pior do que em 2011, quando foi assinado entre as troicas o pacto de agressão. Apesar desse agravamento da situação nacional, temos um Governo que insiste na mesma política de destruição económica, de terrorismo social e abdicação da soberania nacional com que tem destruído as vidas de milhares de portugueses nos últimos anos e comprometido o futuro do País.
Um Governo transformado em comissão eleitoral, preocupado em vender ilusões pré-eleitorais, recusando qualquer responsabilidade na situação do País e procurando esconder os problemas nacionais com doses massivas de propaganda.
O Governo responde aos problemas do País com propaganda, mesmo sabendo que ela não compensa a economia destruída nos últimos três anos, mesmo sabendo que a manipulação das estatísticas não trava as falências, as insolvências, o desemprego ou a emigração.
Em alguns casos, o Governo chega a tentar vender a cura depois de trazer a doença, tal como assinalámos nas Jornadas Parlamentares. Depois do saque fiscal que nos últimos anos esmagou os rendimentos do trabalho, o anúncio de uma descida de impostos lá para as vésperas das eleições em 2015 é reveladora e sintomática da forma de estar na política deste Governo e desta maioria.
Sr.ª Presidente e Srs. Deputados: O País e o povo não podem estar, e não estão, condenados a estas políticas!
Na sessão pública que realizámos no quadro destas Jornadas Parlamentares, sob o lema Direitos, desenvolvimento e soberania — a alternativa à política de direita, tivemos oportunidade de afirmar, uma vez mais, um conjunto de linhas orientadoras dessa política alternativa de que o País necessita e que se torna a cada dia mais urgente construir.
Nessa sessão e nestas Jornadas, se demonstrou e confirmou que essa alternativa é urgente, indispensável e é possível! Ela passa, desde logo, pela necessidade incontornável de renegociar a dívida pública, rejeitando a sua componente ilegítima, reduzindo os montantes em dívida, alargando significativamente os prazos de pagamento e diminuindo os juros, em particular da parte correspondente ao empréstimo da troica.
Se para os partidos da troica interna os compromissos para com os banqueiros, especuladores e agiotas são sagrados, para o PCP é o interesse nacional que prevalece e esse interesse nacional exige a imediata renegociação da dívida. Por isso, apresentaremos uma proposta nesse sentido, limitando os juros a pagar anualmente a um valor máximo, indexado às exportações, que seja compatível com as necessidades de crescimento económico, de criação de emprego e de reforço da capacidade produtiva nacional.
Traremos, então, à Assembleia da República, numa interpelação ao Governo já dia 13 de março, esse confronto entre a política de direita com que o Governo afunda o País e a verdadeira alternativa, a política patriótica e de esquerda de que País precisa.
A gravidade da situação económica e social exige um Governo e uma política capazes de resolver os graves problemas nacionais, de devolver direitos, salários e pensões roubados e de apontar aos portugueses uma perspetiva de melhoria das suas condições de vida, de progresso e desenvolvimento do País, de justiça social e de defesa da soberania nacional.
É por esse caminho que continuaremos a intervir e a lutar.
(…)
Sr. Presidente,
Sr. Deputado Nuno Magalhães,
Agradecendo a questão que coloca, começo por dizer que está muito bem à vista que os senhores tem visões e opções diferentes das nossas. E, depois, sobre o patriotismo de cada um, cada um dirá o que quer.
É clara a política de favorecimento de interesses e a opção que cada um faz quando, por exemplo, o Governo que os senhores apoiam avança para benefícios fiscais concedidos a SGPS no valor de 1045 milhões de euros e depois tenta ocultar esses benefícios fiscais na conta do Estado de 2012.
Enquanto nós defendemos que se devolva aos trabalhadores e aos reformados o rendimento do trabalho e das pensões de reforma que estão a ser retirados (digo «retirados» para o Sr. Deputado não «arrancar cabelos») aos trabalhadores e aos reformados, os senhores optam por favorecer as SGPS com este bodo aos ricos de 1045 milhões de euros e, depois, escondem a mão por aquilo que fazem.
O Sr. Deputado fala da privatização e o que nós dizemos é que se trata da privatização da gestão da água, sim senhor. Aliás, a população de Setúbal tem a experiência concreta de uma opção desastrosa de gestão PS na autarquia, a população de Setúbal sabe perfeitamente o que significa essa política de privatizar a gestão, de concessionar, de entregar aos privados e ao lucro — o sacrossanto lucro! — a gestão de um serviço público fundamental e de um direito fundamental.
Sr. Deputado, em relação à Costa de Caparica, o assunto é demasiado grave para fazer humor negro, mas diria que os senhores só não enfiam a cabeça na areia porque não há areia. O que o Sr. Deputado encontra ao visitar a Costa de Caparica, como visitámos há várias semanas, tem responsáveis. E digo que tem responsáveis por ter sido interrompida e cancelada — e temos vindo a alertar ao longo dos anos para a situação que estava a acontecer — a operação de alimentação artificial de areia daquelas praias, operação essa que estava prevista no Polis e que não avançou por opção do Governo.
O Sr. Deputado não está certamente à espera que a Câmara Municipal, ou qualquer outra autarquia, vá pegar em dragas e em cargueiros e vá encher as praias de areia!?
Portanto, o poder central tem de assumir a responsabilidade nesta matéria concreta, ainda agora está para confrontar a maioria e o Governo e os senhores, seguramente, daqui por uns dias, terão uma palavra a dizer quando trouxermos a esta Assembleia a situação dramática que está a ser vivida pelas populações, pelos comerciantes, pelos agentes responsáveis pelos apoios de praia e pelos equipamentos turísticos daquela zona que não sabem o que vai acontecer este ano. E muito tem feito a Câmara! Sr. Deputado, tinha-lhe feito muito bem estar presente, como nós estivemos, no encontro que a autarquia realizou com a população, com os agentes locais de desenvolvimento em que esta matéria foi amplamente discutida.
Portanto, Sr. Deputado, também nesta matéria está à vista que as opções e as visões que cada um de nós tem são muito diferentes porque é profundamente diferente o interesse que está subjacente à vossa opção ideológica e a nossa opção ideológica.
(…)
Sr. Presidente,
Sr. Deputado Carlos Abreu Amorim,
Não faço a maldade de lhe recomendar uma ida aos Estaleiros de Viana, mas, pelo menos, que saia à rua, não lhe fazia mal nenhum. Saia à rua, fale com as pessoas, veja o que se está a passar no País e, por favor, não venha dizer outra vez que não há rutura nos serviços públicos.
Há de dizer-me qual é o serviço público que tem visto recentemente. É que enquanto o Sr. Deputado vem aqui dizer que não há rutura nos serviços públicos, nós dizemos, porque temos o testemunho concreto e vivo da realidade concreta que existe, que há hospitais que, em vez que usarem fraldas para os doentes, improvisam usando sacos do lixo e toalhas.
Enquanto o Sr. Deputado diz que não há rutura nos serviços públicos, há pessoas que passam a noite nas urgências do hospital e continuam lá na manhã seguinte.
No distrito de Setúbal, que o Sr. Deputado talvez não conheça mas devem conhecer alguns Deputados do seu partido menos «vocais» neste momento, aquilo que verificamos é que os serviços públicos nem sequer existem!
Sabe qual é a rutura que existe no hospital do concelho do Seixal? Não há! Não há hospital!
Aquilo que temos defendido ao longo dos anos é que haja uma resposta, um incremento do investimento nos serviços públicos e não o encerramento que os senhores estão a promover, quer ao nível da saúde, quer ao nível da educação, quer ao nível da própria justiça, com o encerramento e a desgraduação de tribunais também no distrito de Setúbal, matéria que oportunamente teremos ocasião de discutir.
Diz o Sr. Deputado que Portugal está a reabilitar-se financeiramente. Pergunto se está a falar dos 9,4 mil milhões de euros de riqueza destruída resultante da gestão deste Governo nos últimos três anos, mas que consegue apresentar com orgulho. É que estamos a falar de uma recessão acumulada de 5,8%, Sr. Deputado. É disto que estamos a falar quando verificamos que, de acordo com os números objetivos, 2013 voltou a ser um ano de recessão e que tivemos 11 trimestres consecutivos em queda, gravíssima para a nossa economia.
Portanto, quando o Sr. Deputado diz que Portugal «bateu no fundo» e que «já passámos o pior», é sinal de que fala pouco com as pessoas ou, pelo menos — muito provavelmente, é o que está a acontecer —, que anda a escolher muito bem as pessoas com quem fala.
Na Península de Setúbal, falámos, e vamos continuar a falar, com os pescadores, com os agricultores, com os reformados, com os jovens, nomeadamente com os jovens emigrantes, e aquilo que verificamos, dando voz na Assembleia da República a essa realidade concreta, é que, na vida real, no terreno, não só numa região, mas de norte a sul do País, há um povo e há trabalhadores que lutam, que defendem os seus direitos e que defendem o interesse nacional contra esta política de desastre que o Governo e maioria estão a tentar impor ao País.
(…)
Sr. Presidente,
Sr.ª Deputada Mariana Aiveca,
Agradeço as questões que colocou.
Como temos vindo a afirmar, o distrito de Setúbal tem um enorme potencial para o desenvolvimento e o progresso não apenas a nível regional, mas a nível nacional.
Como também temos vindo a afirmar, há todo um potencial que Setúbal e o seu distrito apresentam e reivindicam. Um potencial a nível do desenvolvimento nacional; da defesa e aposta no aparelho produtivo; do apoio à investigação e à ciência, como um dos principais polos nacionais; da indústria, mas também das pescas e mesmo da agricultura; da qualidade dos produtos regionais, mas também da estratégia integrada de desenvolvimento territorial que está consolidada e que deve ser aplicada, seguida e não contrariada e esmagada, como tem sido pelo poder central ao longo destes anos.
Aquilo que temos vindo a assistir por todo o País, mas de uma forma também visível no distrito de Setúbal, é ao encerramento de centros e extensões de saúde, de escolas, de estações de correios, de serviços públicos de transportes, de repartições de finanças, para além da extinção de freguesias e o que isso significa para as populações deste distrito. Aquilo que tem vindo a acontecer é a antítese daquilo que o poder central deve prosseguir no apoio a uma estratégia de desenvolvimento.
Verificamos que o que está a passar-se na Costa de Caparica, o que está a passar-se nas comunidades piscatórias da Costa de Caparica, da Fonte da Telha, da Trafaria, de Sesimbra, de Sines é, neste momento, a asfixia dos setores produtivos e do aparelho produtivo nacional, quando a opção é o sacrossanto poder financeiro.
Quando se diz que não se pode negar nem um cêntimo aos agiotas e aos especuladores, que têm a dívida na mão e que, por essa via, querem ter o País na mão, o que dizemos é que esses agiotas e especuladores estão claramente a viver acima das nossas possibilidades.
Do que precisamos é, de uma vez por todas, de uma inversão de políticas que promovam o desenvolvimento regional integrado, o desenvolvimento nacional, o emprego com direitos, o direito dos trabalhadores e do povo, mas, acima de tudo, uma política patriótica e de esquerda que torne possível a concretização de todos estes objetivos.

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