Intervenção de Jerónimo de Sousa na Assembleia de República, Debate na generalidade do Orçamento do Estado para 2010

Orçamento do Estado de 2010 agrava a situação do país

Grandes Opções do Plano - Principais Linhas de Acção para 2010-2013 (proposta de lei n.º 8/XI/1.ª)
Orçamento do Estado para 2010 (proposta de lei n.º 9/XI (1.ª)

Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro,

Aquilo que foi um aparte digo-lhe agora em voz alta: de facto, é populismo e demagogia não resolver os problemas de Trás-os-Montes e dos transmontanos e usar a Madeira como arma de arremesso em relação às situações que existem nessa região do País.

Não faça nivelamentos por baixo, procure resolver os problemas, designadamente dessa região transmontana.

Sr. Primeiro-Ministro,

O Orçamento que agora está em debate foi previamente anunciado como um Orçamento para relançamento económico e de combate à crise. Agora, como um equilibrista em cima do muro, veio recuperar a prioridade do combate ao défice.

Pelas conversas e pelos entendimentos com a direita - este alarido todo é mais foguetório do que outra coisa, porque estão de acordo com o essencial, com a essência, com a substância desta proposta de Orçamento -, transformou-se a prioridade do combate ao défice, do combate à crise, como um novo pretexto para impor injustas medidas de autoridade e sacrifício aos mesmos de sempre: aos trabalhadores e aos reformados, a quem se pede sempre a factura maior a pagar, aos micro, pequenos e médios empresários, ansiosos pelo fim da crise e pelo relançamento das suas actividades.

V. Ex.ª veio aqui, mais uma vez, tentar fazer o exercício da quadratura do círculo ao garantir com este Orçamento mais crescimento e mais emprego e, ao mesmo tempo, combate ao défice, ou, dito de outra forma, como diz o nosso povo, veio anunciar um Orçamento que promete «sol na eira e chuva no nabal». Não há sol na eira nem chuva no nabal com este Orçamento mas, sim, uma terra cada vez mais estéril e inóspita, onde as falências e o desemprego não param de crescer e onde a pobreza e a exclusão social são duas chagas sociais em crescimento.

Não pode anunciar-se mais crescimento e mais emprego quando se perspectiva, na realidade, não um reforço do investimento público para dinamizar o conjunto do investimento mas, sim, exactamente o contrário.

Acena-se com o crescimento nominal do investimento (insuficiente, diga-se, para as necessidades e a premência das tarefas de relançamento económico e de criação do emprego), mas esconde-se, não se diz que uma parte significativa fica cativa, tendo como guardião dessa cativação o Ministério das Finanças.

De facto, Sr. Primeiro-Ministro, quem conhece as propostas e as medidas concretas deste Orçamento sabe que este não é um Orçamento para resolver a crise mas, sim, um Orçamento que dramatiza os problemas do défice, que dramatiza a crise para acentuar as desigualdades na distribuição da riqueza e aprofundar as injustiças sociais; que se prepara para desbaratar mais património público empresarial com mais um lote de privatizações. Alguém vai pagar isso no futuro. Não será V. Ex.ª, com certeza, mas o País vai pagar essa medida de venda ao desbarato de empresas públicas.

Não quer privatizar, Sr. Ministro? Ou quer? Quer, quer!...

Logo, veremos!...

É um Orçamento que, em nome e a pretexto da crise, impõe a diminuição real dos salários, retoma a ofensiva contra os serviços públicos, prossegue o caminho da degradação das reformas, secundariza o investimento, o combate ao desemprego e o apoio aos desempregados e que nada pede - sublinho isto, Sr. Primeiro-Ministro -, nada faz para garantir que quem mais tem beneficiado com a crise dê um contributo para resolver os problemas do País e do tão empolado défice.

Por que é que só se exige a uns, aos que menos têm e menos podem, e não se toca nos grandes senhores do dinheiro, Sr. Primeiro-Ministro? Responda-me, por favor!

Qual foi a contribuição dos beneficiários da crise, dos que vivem da especulação financeira, dos que, em 2009, continuaram a ganhar rios de dinheiro (a tal banca, como diz o Sr. Primeiro-Ministro) enquanto o País se afundava?

E não venha, Sr. Primeiro-Ministro - esta é uma excelente oportunidade - falar da taxação dos bónus dos gestores, essa falsa medida que o Sr. Secretário de Estado do Tesouro e Finanças veio dizer que não é para aplicar. E houve pior, aliás, nunca se tinha visto uma coisa daquelas! Em entrevista dada no dia seguinte ao Sr. Primeiro-Ministro ter levantado aqui essa bandeira no debate quinzenal, em que apontou o dedo a esta bancada dizendo «então, o que é que têm a dizer sobre a tributação dos gestores?», o Sr. Secretário de Estado veio dizer que «não é assim. Se vocês não receberem tudo e distenderem para depois de 2010 vão ver que não são tributados»! Ou seja, ensinou a fugir à tributação.

Nunca se tinha visto isto! Acho que devia ralhar-lhe, porque a bandeira desfraldada no debate quinzenal foi esfarrapada no dia seguinte pelo próprio Secretário de Estado.

Sr. Primeiro-Ministro, passo a uma última questão.

Como é que num País que tem uma das mais injustas, se não a mais injusta, distribuições de riqueza dos 27 países da União Europeia as únicas medidas que se vêem são aquelas que vão aumentar o fosso das desigualdades nessa distribuição? Explique lá!

O Sr. Primeiro-Ministro gosta muito de estatísticas e disse há pouco, na sua intervenção inicial, que factos são factos. Ora, isto é um facto. Prove aos portugueses a razão desta profunda injustiça, desta má governação, desta política de direita que os senhores estão a executar.

(...)

Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados:

A proposta do Governo de Orçamento do Estado para 2010, que hoje aqui debatemos e na qual convergem e se revêem nos seus princípios orientadores e propostas fundamentais PS, PSD e CDS, traduz uma opção de continuidade com a mesma política que tem sido seguida nos últimos anos no País.

Trata-se de um Orçamento formatado na matriz das opções neoliberais e monetaristas de austeridade e sacrifícios para os trabalhadores e para a generalidade dos portugueses e de facilidades, vantagens e mordomias para os grandes interesses. Deu-lhe forte, mas passaram depressa os fervores keynesianos de há uns meses atrás do Sr. Primeiro-Ministro.

Esta convergência à volta das mesmas e fracassadas soluções que tanto mal têm feito ao País e aos portugueses são a prova de que o convite do Governo para o diálogo com todos os partidos era pura encenação para encobrir o desejo de prosseguir e salvar a política de direita e que se disfarça com o discurso de uma pretensa defesa do interesse nacional. Provavelmente, já se prepara para o Programa de Estabilidade e Crescimento com idêntica encenação.

Na verdade, o cenário que está montado à volta do interesse nacional é o cenário de uma velha rábula para iludir os reais objectivos de uma política que está ao serviço dos grandes grupos económicos. Ou julga o Governo que foi a sua capacidade negocial que trouxe PSD e CDS ao carreiro?

Como se a proclamação de «manter o mesmo rumo», tão cedo anunciada pelo PS e pelo seu Governo, não significasse o inevitável desfecho de encontrar uma solução com a direita que agora se confirma, no fundo, ter e apresentar um Orçamento que a direita não desdenharia ter como seu, mesmo quando dissimula tais propósitos empolando uma artificial conflitualidade à volta de certas questões, em geral secundárias.

Esta proposta de Orçamento só podia ter o apoio e a convergência da direita pela natureza das suas opções e pelo seu conteúdo.

Uma proposta que acentua a desigualdade na distribuição da riqueza, aprofunda as injustiças sociais, congela o crescimento e o desenvolvimento com a reafirmação do combate ao défice como objectivo central das políticas macroeconómicas.

Défice que se negligenciou, justificou e até desvalorizou quando se tratou de dar cobertura às políticas de recapitalização do sistema financeiro à custa dos contribuintes, mas que agora reaparece com um desmesurado dramatismo que não é inocente.

A dramatização à volta do défice que o Governo alimenta e o Ministro das Finanças acentua e diz que tem de continuar tem claros objectivos políticos: fazer pagar aos trabalhadores e ao povo a factura da crise, dar um novo impulso à mercantilização das funções sociais do Estado em prejuízo das populações e impor um novo paradigma de exploração agravada do trabalho.

Esta desmesurada dramatização não visa apenas este Orçamento para 2010. Este é apenas o prelúdio de uma ofensiva generalizada que se prepara com a imposição do objectivo de reduzir o défice para um valor inferior a 3% até 2013. Aqui ouvimos que, para este Governo, a questão está no ritmo, definido que está o objectivo.

Perante a perspectiva sombria de um País paralisado e com graves problemas sociais que atingem cada vez mais largas camadas da população, o avolumar do desemprego que não se vê regredir, antes aumentar, bem como os principais défices estruturais do País, esta política de cega redução do défice é desastrosa e de consequências ainda mais dramáticas para o País e para os portugueses.

Portugal entrou num círculo vicioso de estagnação e recessão com pequenos sobressaltos do qual pode não sair tão cedo, condenando o País ao marasmo por muitos anos.

Há uma análise e uma conclusão irrefutáveis. As mesmas políticas só podem dar os mesmos resultados: a continuação da regressão económica e social do País.

O equilíbrio das contas públicas é um objectivo que não pode deixar de estar presente na condução da política orçamental, mas não há nenhuma razão para uma redução dos défices ser uma urgência, nem aqui nem na Europa e muito menos em países que apresentam uma economia com as debilidades da economia portuguesa e com os graves problemas sociais que País enfrenta.

É preciso rechaçar a chantagem dos que falam em nome do mercado, como se o mercado não fosse a vontade da banca e do capital financeiro, e dar prioridade às políticas de promoção do crescimento económico e do emprego, corrigindo as graves injustiças sociais e na distribuição da riqueza, cortando no que é supérfluo e pedindo a quem mais tem e mais pode o contributo para reduzir o tão dramatizado défice.

É um escândalo que os que mais têm ganho com a crise fiquem libertos de dar o contributo que é devido à solução dos problemas nacionais.

Os eloquentes discursos do combate aos offshore ou da taxação dos movimentos de capitais especulativos não podem ser discursos de «faz-de-conta» para cobrir as operações de apoio ao sistema financeiro em momentos de justificada indignação popular perante a fraude e os negócios da especulação, para depois tudo voltar à normalidade de um País, ele próprio transformado em paraíso fiscal dos grandes senhores do dinheiro.

Sr. Presidente, Srs. Deputados:

Com esta proposta de Orçamento, o Governo e a direita desencadeiam novo e violento ataque à Administração Pública e aos seus trabalhadores.

Quanto aos salários, o que está proposto nem sequer é só uma baixa real face à inflação. É uma diminuição objectiva do salário líquido.

Quanto às aposentações, elas são penalizadas quer com a antecipação de penalizações acrescidas, que estavam previstas só para 2015, quer com uma nova fórmula de cálculo. A poupança prevista pelo Governo em 2010 significa para os trabalhadores uma perda média, em 2010, de 1244 €.

Aumenta também a pressão sobre os postos de trabalho. Com a destruição de postos de trabalho na Administração Pública, o Governo é um criador líquido de desemprego.

Gaba-se mesmo de ter eliminado quase 73 000 postos de trabalho nos últimos anos, caminho que quer continuar.

O País precisa de uma Administração Pública forte para garantir bons serviços públicos ao serviço da população.

Não precisa desta política de destruição da Administração Pública.

O País precisa de ver aumentada a parte da riqueza produzida que é devolvida aos trabalhadores, através da valorização dos salários, tanto no sector público como no privado.

O País precisa de mais justiça nas pensões e nas reformas, o que implica uma real valorização do seu montante, que na proposta do PCP não devia ser inferior a 25 € nas pensões mais baixas, bem como a eliminação das regras penalizadoras aprovadas pelo PS e que agora também as quer agravar.

O País precisa de uma política que promova o emprego e não de uma política que promova o desemprego e a precariedade.

Neste campo, assume especial importância o investimento público, para além de ser um aspecto essencial para potenciar o crescimento económico e o desenvolvimento do País.

Este Governo penaliza mais uma vez o investimento público, assumindo até a perda de fundos comunitários por falta de contrapartida nacional.

O investimento proposto para 2010 é apenas cerca de 40% do que foi inscrito em 2005 e, em relação a 2009, o montante disponível é inferior em 100 milhões de euros por via do aumento da cativação.

Muitos investimentos essenciais para o nosso desenvolvimento deixarão de ser feitos ou serão entregues aos privados com o serviço público a ser subordinado ao lucro.

A política de direita do Governo não traz só sacrifícios. Para os que sempre lucram e enriquecem à custa de quem trabalha, mesmo em tempo de crise, o que há são mais benefícios.

Prepara-se, assim, mais um pacote de privatizações, satisfazendo a gula do grande capital e vendendo ao desbarato empresas, em muitos casos altamente lucrativas, como é o caso da ANA.

Mas também na área dos transportes, em que, para além da TAP, o Governo já admite privatizações na rede ferroviária, para além da que já existe na travessia do Tejo, e ainda diversas formas mais ou menos encapotadas de privatização, como as concessões das barragens, as parcerias público-privadas dos hospitais, a privatização dos serviços escolares e das funções do Estado, em que o Governo, como acontece no Ministério da Agricultura, contrata empresas privadas para substituir os trabalhadores que colocou na mobilidade especial.

Reagiu o Sr. Ministro das Finanças como um ofendido quando falámos das privatizações em saldo.

Os portugueses conhecem bem os resultados das privatizações. Sabem que a EDP foi vendida por 6500 milhões de euros, quando só nos últimos cinco anos teve de lucros 5000 milhões, que, em vez de beneficiarem o interesse público, beneficiaram os accionistas privados.

Os portugueses sabem bem que a energia, no nosso país, é paga a um preço exorbitante e que a EDP, neste momento, está a cortar no investimento em infra-estruturas e na qualidade de serviços.

Os portugueses sabem bem que a GALP continua a lucrar milhões com o preço dos combustíveis, a par com as outras petrolíferas, apesar de a Autoridade da Concorrência não ver razões para preocupação.

Com as privatizações, o País perde recursos, mesmo financeiros, e a economia é penalizada pelo agravamento dos custos de produção, designadamente para as micro, pequenas e médias empresas. Os comandos constitucionais são abandonados e subvertidos.

No plano fiscal mantém-se a injustiça, com os milhões para o offshore da Madeira ou os benefícios vários para as grandes empresas, em especial à banca, enquanto se continua a penalizar as pequenas empresas e se aumenta o peso dos impostos indirectos.

Mais uma vez, o Governo se recusa a rever a tributação das mais-valias bolsistas, invocando a crise e a instabilidade dos mercados. Mas já não pensou na crise quando resolveu propor a penalização dos salários e das reformas aos trabalhadores e aos reformados.

Entretanto, e para disfarçar, anunciou a tributação dos bónus dos gestores e a imposição de uma taxa efectiva de tributação elevada para a banca. Até pensámos que tinha havido rebate de consciência. Talvez um rasgo de keynesianismo. Só que, com este Governo, quando se trata de atingir os grandes interesses, são muitos os anúncios e escassas as acções.

Afinal, a própria norma do Orçamento que impõe a tributação dos bónus dos gestores - e só em 2010 - aponta o caminho para que nada seja tributado e a taxa efectiva da banca só se aplica à parte dos benefícios fiscais de que este sector beneficia. Não fosse haver leitura perversa do anúncio do Primeiro-Ministro, o Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais veio ensinar publicamente como é que se foge à tributação!

Se o Governo quer mesmo introduzir mais alguma justiça, mesmo que insuficiente, então aceite a eliminação do mecanismo de fuga à tributação do bónus e alargue a taxa efectiva a todos os benefícios para que a banca pague 25% de IRC como qualquer pequena empresa.

Mais se justificam estas propostas num momento em que a banca se prepara para agravar os spreads dos empréstimos, penalizando as famílias e as empresas.

Sr. Presidente, Srs. Deputados:

Portugal precisa de concretizar uma política alternativa que lhe devolva uma dinâmica que inverta o progressivo agravamento dos problemas económicos e sociais.

Uma política alternativa que exige uma ruptura com os eixos centrais das orientações políticas, económicas e sociais que os governos do PS e do PSD/CDS-PP têm vindo a prosseguir ano após ano.

Uma política alternativa que tenha como grande objectivo a melhoria das condições de vida dos trabalhadores e da população, a dinamização da actividade económica, do emprego, da defesa da produção nacional e dos sectores produtivos, a dinamização do mercado interno e o estímulo à actividade das micro, pequenas e médias empresas, o reforço do investimento e o combate aos défices estruturais do País.

Uma política alternativa que inverta a espiral de desigualdades e injustiças através de uma mais justa repartição da riqueza, assente na valorização dos salários e das pensões, no trabalho com direitos, numa adequada política fiscal e num eficaz e valorizado sistema público de segurança social e de apoio aos desempregados.

Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados,

Sabemos que a esperança de uma vida melhor e a justiça social não têm rubrica nem verba nesta proposta de Orçamento! Terão um dia quando o povo português o quiser e lutar por isso! Nós acreditamos!

  • Assuntos e Sectores Sociais
  • Economia e Aparelho Produtivo
  • Regime Democrático e Assuntos Constitucionais
  • Assembleia da República
  • Intervenções