Intervenção de Jerónimo de Sousa na Assembleia de República

Orçamento do Estado para 2011

(debate na generalidade)
(proposta de lei n.º 42/XI (2.ª)

Sr. Presidente,
Sr. Primeiro-Ministro,
Num processo, numa encenação que navegou entre o trágico e o cómico, aqui estamos confrontados com uma proposta do Orçamento do Estado já «mastigada», mas que continua intragável.
Trata-se de um processo, de uma encenação que, tendo aparentemente como actores o PS e o PSD,
desde o início tinha um desfecho previsível: a sua viabilização.
Entre contradições, tacticismos eleitorais, nuances, era preciso salvar a política de direita e, acima de tudo, aceitar capitular perante os ditames dos mercados, transformados, agora, em actores, em figuras principais, deste processo.
Mercados que, afinal, têm «bilhete de identidade»: são os megabancos alemães, franceses e holandeses.
Mercados que, no dia do acordo celebrado entre o PS e o PSD, baixaram as taxas de juro, mas que, segundo informações que tivemos, já estão outra vez a aumentar hoje, garantindo, assim, que a «coisa» entre o PS e o PSD estava arranjada. Mercados especulativos que deixariam de especular em poucos dias se o directório das grandes potências da União Europeia assim o decidissem.
O PS e o PSD falam do interesse nacional, mas reconheça, Sr. Primeiro-Ministro, que o que neste processo de negociação conduziu fundamentalmente à sua viabilização foi o interesse do capital financeiro. Essa foi, de facto, a figura principal que sempre esteve presente nas negociações.
Mas, reafirmando que o Governo, o PS e o PSD são co-responsáveis por este Orçamento, apesar de o
PSD querer aparentar divergências — já foi aqui dito e sublinhado pelo Sr. Primeiro-Ministro —, não querer assumir a paternidade da «criatura», gostava que o Sr. Primeiro-Ministro nos esclarecesse o seguinte: o PSD está de acordo com o corte nos salários? Está de acordo com o congelamento das pensões e das reformas?
Está de acordo com o aumento dos impostos? Está de acordo com o corte no subsídio de desemprego? Está de acordo com a retirada do abono de família e de outras prestações sociais? Está de acordo com o corte do investimento público? Está de acordo com as privatizações? Está de acordo com a manutenção dos benefícios da banca e dos grandes grupos económicos? Convém, de facto, clarificar isto.
O Sr. Primeiro-Ministro acaba de responder, de uma forma difusa, em relação aos 500 milhões de euros que têm de encontrar. Nós não temos grandes ilusões de que acaba de se tirar de um lado para se pôr no outro, mas sempre com os mesmos a pagar. Mas pode clarificar se é em relação ao Serviço Nacional de Saúde, às prestações sociais, ao serviço público, aos salários ou às taxas? É um esclarecimento que convinha ter aqui presente neste debate.
O Sr. Primeiro-Ministro fez agora, aqui, umas contas sobre o chamado Estado social. As suas contas não estão certas com as contas das famílias, com as contas dos trabalhadores, Sr. Primeiro-Ministro, porque o que se anuncia, segundo esta proposta de lei de Orçamento do Estado, é um golpe profundo nos direitos, nos salários, na protecção social, nos desempregados, no desemprego. E o Sr. Primeiro-Ministro tem de explicar como acerta essas contas com esta realidade.
O Sr. Primeiro-Ministro falou aqui outra vez em coragem. Disse que o Governo tem coragem. Para enfrentar quem? Diga lá, Sr. Primeiro-Ministro. É coragem congelar pensões e reformas e aumentar o preço dos medicamentos? É coragem cortar nos salários de quem trabalha? É coragem ir «ratar» mais uns euros aos desempregados? É coragem, Sr. Primeiro-Ministro, atingir duramente os mais excluídos, os que caminham hoje para a pobreza? Não é coragem nenhuma, Sr. Primeiro-Ministro!
Coragem seria afrontar esses que hoje se julgam mandantes do nosso país!
Era preciso ter coragem para, finalmente, pôr a banca a pagar o que deveria pagar em termos de impostos!
Deveria, em relação às transacções bolsistas, pôr os investidores a pagar, justamente tendo em conta os lucros fabulosos que conseguem alcançar!
Era preciso tomar medidas para que o dinheiro que voa para as offshore pagasse impostos!
Dir-me-á: «Essa coragem não tenho, porque estamos a confrontar os poderosos!». Não venha falar em
coragem, Sr. Primeiro-Ministro, porque nós consideramos que isso é apenas submissão perante os mais poderosos e que é fácil bater nos mais pequenos, nos mais frágeis.
Estamos, pois, em desacordo em relação a isso, Sr. Primeiro-Ministro!

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