Intervenção de

Orçamento do Estado para 2007 - Intervenção de Eugénio Rosa na AR

Orçamento do Estado para 2007 (debate na generalidade)

 

Sr. Presidente,
Sr. Ministro das Finanças,

Estive a ouvir com atenção o seu discurso e, em primeiro lugar, não quero deixar de protestar contra a forma como, por um lado, em relação à proposta do PSD sobre o despedimento dos trabalhadores, o Sr. Ministro das Finanças foi célere em responder e, por outro, relativamente a uma questão, que é fundamental para os trabalhadores da Administração Pública e que já há oito dias eu ando a colocar e que o Sr. Primeiro-Ministro fugiu a ela e o Sr. Ministro das Finanças também fugiu - aliás, enviei-lhe um requerimento. Esta mesma questão foi agora colocada por outros Deputados e o Sr. Ministro das Finanças voltou a fugir a ela, mas vou fazer o desafio de lhe colocar a questão e perguntar se tem a coragem de responder a ela.

Tenho aqui o mapa das remunerações certas e permanentes de todos os ministérios e constato, com excepção dos Ministérios da Administração Interna, da Justiça e da Economia, que em todos os outros ministérios há redução nas remunerações certas e permanentes. Essa redução atinge 446 milhões de euros, sendo na educação, um sector fundamental para o País, de 355 milhões de euros.

A questão concreta que lhe coloco, tendo eu também já colocado ao Sr. Primeiro-Ministro, é esta: como é que os senhores vão obter esta redução? Quantos trabalhadores vão despedir ou colocar na situação de mobilidade especial? Não me venham dizer que não sabem! Então, como é que chegaram a esses resultados?

A segunda questão refere-se aos benefícios fiscais. Ouvi ontem o Sr. Primeiro-Ministro e fez-me lembrar o filme Leopardo, o mesmo é dizer, vamos mudar alguma coisa para tudo continuar na mesma!

Mas o grave é que nada mudam! O Sr. Primeiro-Ministro falou de duas medidas, que são as suas medidas emblemáticas.

A primeira é a de exigir à banca que informe o Governo do planeamento fiscal que faz. Pergunto: com que objectivo? É para que o Governo ensine a fazer melhor planeamento fiscal ou para que o Governo aprenda a fazer planeamento fiscal? É a questão que lhe coloco.

A segunda medida, muito utilizada pelo Sr. Primeiro-Ministro, é a de que vão controlar a redução dos prejuízos, um instrumento que a banca utiliza para reduzir o lucro para efeitos fiscais. Sr. Ministro das Finanças, o Sr. Primeiro-Ministro é capaz de não conhecer o Código do IRC, mas o Sr. Ministro das Finanças, que o deve conhecer, sabe que o artigo 69.º permite essa redução, no caso de fusão, só com a autorização do próprio Ministério das Finanças. Por que é que o Sr. Ministro propôs fazer uma coisa que já está na própria lei?

Uma última questão, onde se nota também o espírito antitrabalhadores, diz respeito à alteração que querem fazer no artigo 240.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário. O que consta na lei, neste momento, é que, relativamente às execuções, o executor fiscal pode não proceder à convocação, quando a penhora incida apenas sobre abonos, vencimentos e pensões. «Pode», mas também poderá fazer o contrário.

A alteração que os senhores querem fazer é a de que nunca poderá. Qual é a conclusão que se tira disto?

Qual é o objectivo desta alteração? Só pode ser o de excluir ou dificultar que os trabalhadores recebam os seus créditos sobre as empresas, nomeadamente salários em atraso. É esse o objectivo?

É a questão concreta que lhe coloco.

(...)

Sr. Presidente da Assembleia da República,
Sr. Primeiro-Ministro,
Srs. Membros do Governo,
Srs. Deputados:

Vimos ontem o Sr. Primeiro-Ministro muito eufórico com o andamento da nossa economia. Hoje, o Ministro das Finanças também entrou na euforia. Mas ele faz parte daquela categoria de «economistas objectivos», de que o Sr. Primeiro-Ministro gosta muito, porque é aquela que elogia as medidas do Governo.

No entanto, gostaria que o Governo reflectisse um pouco sobre o seguinte: o aumento das exportações, de que fala tanto, está associado à degradação dos preços e dos termos de troca, como consta do próprio Relatório do Orçamento.

A taxa de crescimento do PIB potencial, em Portugal, é inferior a 2%, o que torna praticamente impossível qualquer crescimento elevado e sustentado.

A experiência empírica mostra que, em Portugal, para haver uma redução sustentada do desemprego, é necessário que o PIB cresça, pelo menos, acima de 2%

Os problemas estruturais da nossa economia - grave desigualdade na repartição da riqueza e dos rendimentos, baixa escolaridade e qualificação, reduzido investimento, nomeadamente de qualidade -, que constituem as causa da crise actual, continuam por resolver e vão agravar-se com este Orçamento, como mostrarei.

As Contas Nacionais publicadas pelo INE, referentes ao 2.º trimestre de 2006, que tanta euforia provocaram no Sr. Primeiro-Ministro, revelam também - e o Sr. Primeiro-Ministro esqueceu-se de o dizer - que o reduzido crescimento económico de 0,9% foi conseguido através da incorporação de mais trabalhadores, e não por meio do aumento da produtividade, que até diminuiu, como consequência também de uma nova quebra de 7% no investimento.

Em 2007, o investimento público realizado no âmbito do PIDDAC vai reduzir-se no continente, o que vai ter um efeito negativo no investimento privado. Mas os cortes são extremamente desiguais, atingindo mais os distritos do interior ou com graves problemas sociais, como sucede com Castelo Branco com -51%, Braga com -35%, Aveiro com -42%, o que vai agravar, ainda mais, as já graves assimetrias regionais.

Em 2007, o PIDDAC do Ministério das Obras Públicas, Transportes e Comunicações é apenas de 640 milhões de euros. Mesmo assim, reparte-se da seguinte forma: 75% para os transportes rodoviários; 3,5% para o ferroviário; e 5,9% para o Metro. Desta forma, o Governo continua a promover o transporte individual, agravando distorções e a dependência energética do País.

O Sr. Primeiro-Ministro diz que este é um Orçamento de coesão social. Mas, em 2007, pela primeira vez, o peso das despesas com as funções sociais (saúde, educação, segurança social e habitação) na despesa total do Estado vai diminuir em 1,7 pontos percentuais, que significam menos 780 milhões de euros, o que vai determinar mais sacrifícios para a maioria da população.

Em 2007, para além de um aumento líquido de 1% - de apenas 1%! - nos vencimentos dos trabalhadores da Administração Pública, que corresponde a cerca de um terço da taxa de inflação real prevista, o Governo reduziu em 446 milhões de euros o orçamento para «remunerações certas e permanentes» de 11 ministérios. Isto significa que não haverá dinheiro para pagar as remunerações a todos os trabalhadores da Administração Pública, o que obrigará ou a despedimentos ou, então, à colocação de milhares e milhares de trabalhadores na situação de mobilidade especial, que é o novo nome do quadro de supranumerários, com vencimento reduzido.

O Sr. Primeiro-Ministro afirma que este é um Orçamento que promove a educação, o ensino e a ciência. Como é que pode promover a educação se o Orçamento para 2007, para pagar as remunerações dos professores e de outro pessoal, é inferior em 356 milhões de euros ao de 2006? E como é que promove o ensino superior quando se verifica uma redução de 120 milhões de euros nas despesas de funcionamento?

Não será mais correcto dizer que este é um Orçamento do confronto com os trabalhadores, de instabilidade e de degradação do sistema de educação e de ensino superior, em Portugal?

O Sr. Primeiro-Ministro afirma que este é um Orçamento que combate as desigualdades.

Mas eu pergunto: como é que se pode afirmar isso quando 75% das receitas fiscais têm como origem impostos indirectos e IRS, pagos fundamentalmente pelos trabalhadores e reformados?

Como é que se pode afirmar isso quando, com base numa taxa de inflação fictícia de 2,1%, se aumentam os escalões de IRS e os abatimentos no rendimento do trabalho nesse valor, o que vai determinar que, em 2007, para salários reais idênticos aos de 2006, os trabalhadores terão de pagar mais IRS?

Como é que se pode afirmar isso, quando se reduz o abatimento especifico dos reformados, o que determinará que aqueles que tenham uma pensão superior a 435 € terão de pagar mais IRS, em 2007?

Como é que se pode afirmar isso, quando os trabalhadores na grave situação de «recibos verdes», mesmo que os seus rendimentos não aumentem, terão de pagar mais de IRS, em 2007?

Como é que se pode afirmar isso, quando os deficientes, incluindo os das Forças Armadas, desde que tenham rendimento superior a 700 €/mês, mesmo com encargos acrescidos, terão de pagar mais IRS, em 2007?

Como é que pode afirmar que este Orçamento combate as desigualdades quando se trata os trabalhadores, os reformados e os deficientes desta forma, e se mantém, ou mesmo aumenta, os privilégios fiscais concedidos aos grandes grupos económicos?

A provar isso, está a recusa do Governo em revogar a norma do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF) que isenta a banca de pagar imposto sobre 50% dos dividendos de empresas privatizadas; está a revogação neste Orçamento da norma que tributava os lucros que tivessem circulado por «paraísos fiscais» e zonas francas para não pagarem impostos, os quais passarão a ficar isentos; e está o aditamento ao EBF, mantendo-os assim em vigor por muitos mais anos, dos escandalosos benefícios fiscais concedidos à concentração de empresas, que beneficiam fundamentalmente os grandes grupos económicos, que constam do Decreto-Lei n.º 404/90 e que deveriam terminar este ano.

O Sr. Primeiro-Ministro afirma, e repete, que este Orçamento é credível, porque não utiliza artifícios para reduzir o défice. Mas eu pergunto: o que se poderá chamar a este PIDDAC para 2007, em que o valor financiado pelo Orçamento e por fundos comunitários diminui 13%, enquanto o financiado por «Outras Fontes», que resultam do endividamento de empresas públicas, cresce 84%?

A REFER é um caso paradigmático. Num investimento de 560 milhões de euros, apenas 5 milhões de euros, ou seja, menos de 1%, são financiados pelo Orçamento, sendo 400 milhões de euros financiados através do endividamento de uma empresa que já está quase tecnicamente falida.

Através de artifícios como este, o Governo está a transferir o défice para as empresas públicas, que causará ou a degradação destas empresas ou mais sacrifícios para os portugueses através do aumento de preços. São autênticos artifícios de engenharia financeira que visam reduzir o défice.

Em 2007, o Governo prevê que o défice se reduza em 1 118 milhões de euros. No entanto, a redução de despesa pública determinada pelo congelamento das promoções e abonos na Administração Publica e pela transferência da despesa do PIDDAC para as empresas públicas, ou seja, devido a estas medidas extraordinárias, ultrapassa aquele valor, já que soma 1 132 milhões de euros.

De acordo com o Relatório do Orçamento, o défice estrutural, em 2007, ou seja, ajustado do ciclo e de medidas extraordinárias, será de 2,6% do PIB. O Sr. Ministro das Finanças diz que não é este o défice que devemos considerar. Aconselho-o a ler o documento da Comissão Europeia ECOFIN/581/02, pág. 9.

Para terminar, as perguntas que faço são estas: será que o Governo está a seguir uma política de destruição da economia e da vida dos portugueses para, quando chegar às eleições, poder tomar medidas populistas, criando a falsa ilusão de que os problemas do País foram resolvidos e que o futuro será diferente, para, assim, enganar mais uma vez os portugueses?

Se esse é o objectivo desta política, que faz lembrar a de Salazar, de «contas certinhas» mas deixando um País atrasado e milhões de portugueses na miséria, certamente os portugueses não se deixarão enganar novamente.

(...)

Sr. Presidente,
Sr. Deputado Afonso Candal,

O Sr. Deputado parece que foi agora, à pressa, buscar umas notazinhas ao Governo para tentar responder a esta questão. Aconselho-o, no entanto, a ler, na pág. 51 do Relatório do Orçamento, as contas feitas pelo Governo, onde se chega precisamente à conclusão de que acima de 718 € (por acaso arredondei para os 700 €, mas era 718 €), todos os deficientes que tiverem um rendimento superior são tributados.

É o que diz o Relatório! Isso está mal no Relatório? O Sr. Deputado leu o Relatório?

É que eu nem fiz contas e acreditei no vosso Governo!

Se me diz que está mal, tem de perguntar ao Sr. Ministro. Mas leia, Sr. Deputado!

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