Intervenção de António Filipe na Assembleia de República

Orçamento aprovado na Assembleia mas chumbado pelo País!

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Orçamento do Estado para 2011 (discussão na especialidade)
(proposta de lei n.º 42/XI /2.ª)

Sr. Presidente,
Srs. Membros do Governo,
Srs. Deputados:
Os portugueses estão fartos das políticas que conduziram o nosso País à desgraçada situação em que se encontra e de que este Orçamento é uma trágica consequência.
O País assistiu, nos últimos meses, a uma tragicomédia, encenada pelo PS e pelo PSD, simulando uma vozearia de divergências, para ocultar a real convergência que existe entre ambos e que se vai traduzir na aprovação deste Orçamento.
A verdade é que a aprovação deste Orçamento estava de há muito anunciada. Estava anunciada, desde que o Sr. Primeiro-Ministro e o líder do PSD selaram, com pompa e
circunstância, a aprovação do PEC (Programa de Estabilidade e Crescimento), que este Orçamento concretiza. Estava anunciada, desde que os mais conhecidos banqueiros da nossa praça, e grandes beneficiários deste Orçamento, andaram em romaria entre o Governo e o PSD, para garantir a sua aprovação.
Estava anunciada, desde que o «Presidente-candidato» Cavaco Silva assumiu o apadrinhamento deste Orçamento, ao afirmar que nem lhe passava pela cabeça que ele não fosse aprovado e ao convocar um Conselho de Estado com o propósito de pressionar a sua tão desejada aprovação.
Estava anunciada, desde que o directório da União Europeia, a diversas vozes, incluindo a do seu porta-voz, Durão Barroso, se lançou numa indecorosa operação de chantagem e de ingerência nos assuntos internos de Portugal, visando forçar a aprovação deste Orçamento do Estado.
Este Orçamento não é só do PS e do PSD, é também de Cavaco Silva, do directório da União Europeia, dos banqueiros e dos especuladores.
O que este Orçamento não é, é dos portugueses, que vão sofrer com ele, que vão perder empregos, que vão ver baixar os salários, que vão pagar mais impostos, que vão perder
prestações sociais, que vão sofrer uma degradação acentuada das suas já tão difíceis condições de vida.
Este Orçamento do Estado é o maior ataque às condições de vida dos trabalhadores e do povo alguma vez desencadeado em democracia. É um orçamento ao serviço dos especuladores e contra os reais interesses do povo e do País; é um Orçamento que põe em evidência o total
falhanço das políticas do PS e do PSD, com ou sem a «muleta» do CDS.
Este Orçamento não decorre de inevitabilidades, de factores imponderáveis ou de uma conjuntura externa adversa. A situação a que o País chegou é a que decorre das opções sempre
defendidas e levadas à prática pelos governos dos últimos 35 anos, em que o PS e o PSD, com ou sem o CDS, repartiram, entre si, uma governação de subserviência perante o poder económico, de abdicação dos interesses nacionais perante um processo de integração europeia ditado exclusivamente pelos interesses de um directório dominado pelo eixo franco-alemão, que destruiu o tecido produtivo nacional, que delapidou o património empresarial do Estado, num processo ruinoso de privatizações, e que tem vindo a sacrificar o Estado social ao sabor dos interesses dos detentores do poder económico.
De há 10 anos para cá, os trabalhadores portugueses só não perderam poder de compra em anos de eleições legislativas, em que tanto o PS como o PSD decretam o fim da crise. Passadas as eleições, é o que se sabe…
Em 2002, o País estava de «tanga» e foram impostos sacrifícios para reduzir o défice. Em 2005, o País estava ainda pior e foram impostos mais sacrifícios para reduzir o défice. Em 2010, perante um descalabro financeiro provocado pelos desvarios que esta política consentiu ao capital financeiro, são, novamente, os trabalhadores, os reformados e os mais desfavorecidos a pagar a crise que os poderosos provocaram.
O que este Orçamento representa é o descalabro e a completa falência da governação do PS e do PSD. Mais uma vez, a crise é paga pelos mesmos de sempre, porque os que governam têm sido os mesmos de sempre.
E já não restam dúvidas de que, enquanto os que governarem forem os do costume, os sacrificados, em nome das crises, serão sempre, também, os do costume.
Este Orçamento vai ser aprovado na Assembleia da República, mas é rejeitado pelo País. Apesar de toda a campanha política e mediática quanto à inevitabilidade deste Orçamento, apesar de todas as intimidações, apesar dos processos de chantagem levados a cabo pelo Governo e pelo patronato, a grandiosa expressão que teve a greve geral do passado dia 24 de Novembro, em que participaram cerca de 3 milhões de trabalhadores, foi uma demonstração de indignação, de protesto social, de coragem cívica e de afirmação de dignidade, que não deixam qualquer dúvida quanto à dimensão do repúdio deste Orçamento, por parte dos trabalhadores portugueses.
Este Orçamento é um descalabro nacional. Os trabalhadores vão ver os seus salários reduzidos. As reformas e pensões serão congeladas. O abono de família será drasticamente cortado, como serão reduzidas as comparticipações nos medicamentos, o complemento solidário para idosos, os subsídios de desemprego ou a acção social escolar. E resta saber se o Governo tenciona cumprir o compromisso que assumiu quanto ao aumento do salário mínimo, ainda recentemente confirmado por resolução aprovada nesta Assembleia.
O investimento público é cego e drasticamente reduzido neste Orçamento; a Lei das Finanças Locais não é cumprida; o mais injusto de todos os impostos — o IVA — aumenta para uns
inconcebíveis 23% e aumenta em 10% o seu peso no conjunto das receitas fiscais. As despesas sociais sofrem cortes brutais: na segurança social, 984 milhões de euros; na educação, 884 milhões de euros; o ensino superior, 370 milhões de euros; a saúde, mais de 600 milhões de euros.
As propostas apresentadas pelo PCP, visando tornar este Orçamento menos injusto, foram, na sua quase totalidade, rejeitadas pelo PS e pelo PSD.
Foi o que aconteceu com a proposta de aplicação da taxa de 25% de IRC para a banca e grupos
económicos com mais de 50 milhões de euros de lucro, que gerariam uma receita de 700 milhões de euros. Foi o que aconteceu com a taxação acrescida dos bens de luxo, como imóveis de mais de 1 milhão de euros, carros de mais de 100 000 €, iates e aviões particulares. Foi o que aconteceu com a proposta de aplicação de uma taxa de 0,2% sobre as transacções em bolsa e de uma taxa de 20% sobre as transferências para os paraísos fiscais, que gerariam uma receita de 260 milhões de euros. E nem sequer aprovaram a proposta do PCP para que a taxação das mais-valias em IRS fosse também actualizada em 1,5% tal como as restantes; a proposta, neste caso, foi rejeitada devido à oposição do PSD.
Este é um orçamento de mentira! São impostos sacrifícios para, supostamente, acalmar os mercados internacionais, quando já se percebeu perfeitamente que não é a cedência à chantagem que acalma os especuladores.
Nos últimos 10 anos, o valor do endividamento externo líquido do nosso País passou de cerca de 50 000 milhões de euros — 40% do PIB — para 182 000 milhões de euros em 2009, o que corresponde a 109% do PIB.
O problema central do País não é o défice público, ou a dívida pública, mas a dívida externa global em consequência de um processo de desindustrialização, de destruição do aparelho produtivo, das privatizações, do domínio do capital estrangeiro sobre a economia nacional, da entrada de Portugal na União Económica e Monetária e de uma política monetária e cambial conduzida pelo Banco Central Europeu e pelos interesses da Alemanha atentatória da soberania nacional e penalizante para as nossas exportações e actividades produtivas.
A chantagem e a pressão crescentes dos mercados financeiros em torno da dívida soberana de Portugal confirmam que não é com a submissão aos interesses dos especuladores e com a abdicação dos interesses nacionais que se travará a especulação e se encontrarão respostas para o endividamento nacional. A resposta a este saque da economia nacional não está nas ditas medidas de austeridade, na cedência à agiotagem, ou no recurso ao FMI, ou ao chamado «Fundo de Garantia da União Europeia».
O que se exige do Governo português não é que tente, ingloriamente, acalmar os mercados à custa da espoliação do povo português. O que se exige é a adopção de medidas adequadas para a diversificação das fontes de financiamento, para além das que nos são impostas pela União
Europeia e pelos Estados Unidos, é a adopção de uma política de emissão de dívida pública a investidores individuais nacionais, incentivando a poupança interna, é uma intervenção firme e patriótica junto da União Europeia, no sentido da alteração dos estatutos e das orientações do Banco Central Europeu, da suspensão do pacto de estabilidade, do fim dos paraísos fiscais e da taxação de movimentos de capitais especulativos.
Para o PCP, a questão mais decisiva, para responder ao problema do endividamento externo, é o crescimento económico e a promoção da produção nacional para que Portugal, em vez de produzir menos para dever mais, produza e exporte mais para dever menos.
Ao contrário, este Orçamento vai conduzir à recessão, ao aumento do desemprego, da precariedade e da pobreza, compromete o futuro das gerações mais jovens e não fará recuar os ataques especulativos contra a economia nacional.
O PCP votará contra este Orçamento do Estado e estará sempre ao lado dos que não se conformam com esta política de desastre nacional e lutam por uma alternativa de progresso e de desenvolvimento para um País mais justo e solidário.

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