Ofensiva do Governo contra a Escola Pública

Declaração política de critica à política educativa prosseguida pelo Governo, em particular, contra recente legislação relativa ao ensino artístico especializado e à mobilidade dos docentes

Intervenção de Miguel Tiago na AR

Sr Presidente
Srs Deputados

À margem da impressionante melhoria das aptidões matemáticas dos jovens do país, da propaganda do Governo e das manipulações estatísticas que transformam diariamente o nosso País no mais desenvolvido, mais futurista e tecnológico país do globo, encontra-se a realidade.

Por debaixo dessa propaganda incessante, encontra-se uma escola pública cada vez mais degradada; milhares de professores esgotados e desmotivados - ofendidos muitas vezes na sua própria dignidade profissional, emocional e intelectual; encontram-se os estudantes em salas bem diferentes das dos anúncios da televisão - muitas vezes em turmas de mais de 30 alunos, em escolas que não têm sequer salas suficientes para as aulas necessárias; os milhares de funcionários não docentes que vêem no horizonte a municipalização das suas funções; os estudantes do ensino artístico que não vêem futuro na reestruturação que o Governo lhes impõe e os professores - muitos sem profissionalização - que continuam contratados sem saber até quando não engrossarão os números do desemprego.

Por debaixo dessa propaganda do Governo que já se vai tornando doentia, que esquece e esconde os impactos da política de direita junto das famílias, dos estudantes, dos professores e, em última análise, junto da Escola Pública que, pouco a pouco, com diplomas retrógrados como o que põe fim à gestão democrática dos estabelecimentos de ensino este Governo vai condenando à empresarialização.

A principal bandeira do Governo - a que chama a Escola a tempo inteiro não é afinal mais do que a criação de um depósito de crianças, sem nenhumas condições, sem qualidade, onde os próprios professores estão sujeitos às mais mirabolantes situações de exploração e de precariedade laboral, como bem demonstram os estudos das actividades de enriquecimento curricular levados a cabo pelos sindicatos de professores da grande Lisboa e da região centro.

O Governo continua a assumir a destruição da Escola Pública como prioridade do Ministério da Educação - e em todas as esferas e valências educativas o Governo a vai fragilizando enquanto fortalece os nichos de negócios privado. Estamos perante um retrocesso civilizacional: a política de destruição da escola inclusiva - através da desconstrução do próprio conceito de Necessidades Educativas Especiais, a degradação da qualidade do ensino, a elitização do acesso ao conhecimento e a privatização da Escola.

Nos princípios de Julho, o Governo aponta duas novas machadadas contra o Ensino Artístico Especializado, particularmente contra o Ensino da Música, com a publicação de Despachos do Ministério da Educação que alteram as condições para a matrícula em Escolas de Ensino Artístico e os critérios e formas de contrato de patrocínio com essas instituições. A dois meses do início do novo ano lectivo e após momentos de acesa discussão entre os agentes educativos, o Ministério da Educação e mesmo esta Assembleia, após a intensa mobilização de professores, famílias e estudantes de praticamente todas as escolas públicas do ensino especializado da música do país, o Ministério determina regras que fazem tábua rasa de todos os contributos que foram entregues pelas escolas, pelos alunos, pelos pais, pelos partidos políticos. O Governo quer agora que nenhum estudante com mais de 18 anos possa ingressar no regime supletivo do Ensino Especializado da Música, ao mesmo tempo que obriga os alunos a frequentarem todas as disciplinas dos planos de estudos regular e especializado, aumentando as suas cargas horárias para 44 horas semanais em alguns casos; da mesma forma o Governo impõe regras tão restritivas que se tornarão impeditivas da frequência para muitos, mostrando também assim desconhecimento da diversidade de características de cada situação no que toca ao Ensino Especializado da Música.

Ao mesmo tempo, o Governo anuncia os novos critérios de financiamento do Ensino Especializado da música onde torna clara a sua estratégia de obter pelo financiamento aquilo que não obteve pela discussão democrática. Através de uma comissão o Governo beneficia financeiramente o modelo de escola tipo integrado - que tenha todas as disciplinas no mesmo espaço - ou seja, os colégios privados - e pune as pequenas escolas particulares e a maioria das escolas públicas.

Mas a ofensiva contra a Escola Pública não começa nem acaba no Ensino Artístico. Pelo contrário, ela inicia-se no violento ataque aos trabalhadores da educação, particularmente aos professores. O novo Estatuto da Carreira Docente é o corolário das ofensas e das malfeitorias do Governo a estes profissionais, mas toda a sua regulamentação - desde a prova de ingresso à colocação em situação de mobilidade especial publicada ontem em Decreto-Lei - vem agravar a condição em que o Governo tem colocado os professores, fazendo por tal pagar a qualidade da escola pública e sacrificando a educação dos jovens portugueses.

Após ter prometido por várias vezes que o regime de mobilidade especial não se aplicaria aos docentes, o Ministério da Educação vem fazer publicar o Decreto-Lei que determina a passagem a situação de mobilidade especial dos professores declarados incapazes para a actividade docente. Este diploma não só demonstra o carácter absolutamente desumano do Governo e do Ministério da Educação como deixa bem clara a reiterada intenção de ultrapassar a própria Constituição da República. Com este Decreto-Lei, os professores declarados incapazes são praticamente forçados a requerer a sua passagem para a mobilidade especial sob pena de verem reclassificadas as suas carreiras caso o não façam.

A Ministra da Educação mostra uma vez mais o valor da sua palavra, que a bem da verdade vale tanto quanto vale uma mentira. Por isso mesmo, o Grupo Parlamentar do PCP apela a todos os Professores para que mostrem o seu descontentamento perante este Decreto-Lei que vem contrariar todos os compromissos assumidos pelo Governo para com os professores e suas estruturas sindicais, da mesma forma que o Grupo Parlamentar do PCP aqui o fará, obrigando o Governo a discutir este Decreto-Lei na Assembleia da República através de Apreciação Parlamentar.

A política educativa deste Governo fala por si. O desastre está à vista e cada palavra dos membros do Governo, seja Valter Lemos, Jorge Pedreira ou Maria de Lurdes Rodrigues já não motivam mais que revolta e repulsa.

Também está à vista o combate empenhado e firme que o PCP tem dirigido contra esta política, sem se diluir na crítica e apresentando propostas. É esta política de direita que faz com que cada vez mais gente se afaste deste Partido Socialista e deste Governo. A época do Partido Socialista chegou ao fim e isso evidencia o desespero de um Governo que já não pode esconder os efeitos das suas políticas de direita.

(...)
Sr. Presidente,

É normal que o Sr. Deputado José Paulo Carvalho não concorde com a totalidade da minha intervenção, mas tem de me dizer qual é a parte com que concorda, para eu ficar preocupado.

Sr. Deputado, obviamente que o Governo não só andou a esconder, como veio a esta  Assembleia da República mentir várias vezes. O Governo não se limitou a não explicar, não se limitou a não denunciar as suas verdadeiras intenções. Não! O Governo afirmou intenções contrárias às que agora pratica - por acaso, nestas duas áreas, da mobilidade especial e do ensino artístico.

Em relação à questão da mobilidade especial, durante o debate do Orçamento do Estado para 2008 com a Ministra da Educação, quer no Plenário, foi várias vezes afirmado que nenhum professor entraria neste regime. A Ministra chegou a acusar a oposição de estar a fantasiar e a empolar um assunto para poder «cavalgar essa onda de professores doentes», que seriam forçados a integrar o regime da mobilidade especial.

Mas a verdade aí está! Há dois dias, o Ministério elaborou um decreto-lei que, praticamente, obriga (embora use o termo «voluntário») os docentes a requererem a sua passagem à mobilidade especial, sob pena de serem encaminhados para um processo de reconversão profissional.

É claro que serem encaminhados para esse processo de reconversão não é o único problema. O problema é que não sabem o que será feito depois disso. Podem chegar ao fim desse processo, não encontrarem qualquer saída para a sua situação e verem-se remetidos para uma licença sem vencimento de longa duração, tendo em conta que lhes foi recusada a aposentação pela Caixa Geral de Aposentações.

Portanto, nesta matéria, o Governo não escondeu, mentiu!

O mesmo fez em relação à questão da reestruturação do ensino artístico especializado. Em relação a esta reestruturação - o Governo começou por lhe chamar refundação, mas deve ter percebido que, afinal, o que ia fazer era uma destruição, que não ia refundar coisa nenhuma, ia acabar com o ensino artístico especializado, tendo-lhe, então, trocado o nome e agora chama-lhe reestruturação - o Governo também não escondeu a reestruturação do ensino artístico. Aliás, escondeu até certo ponto, mas quando começámos a trazer este assunto à Assembleia da República, o Governo foi obrigado a falar, embora dizendo sempre o contrário do que são os seus verdadeiros objectivos. O Governo nunca afirmou (aliás, sempre desmentiu) que ia pôr fim ao regime supletivo da frequência do ensino especializado da música, por exemplo. Mas agora saiu um decreto que acaba com o regime de frequência supletivo, sob pena de as instituições não receberem o financiamento que lhes é devido.

Da mesma forma, foi criada uma comissão que determina quais são as escolas que devem ou não ser alvo dos contratos de patrocínio, o que, em meu entender, penaliza principalmente as pequenas escolas privadas e as escolas públicas, particularmente as que não têm condições para garantir no mesmo espaço todas as disciplinas do ensino regular e do ensino artístico.

(...)

Sr. Presidente,
Sr. Deputado Bravo Nico,

Não tenho qualquer dúvida de que a nossa concepção de escola pública é diferente!

Julgo que o exercício que fez é de tal forma lamentável que nem sequer o coloco na categoria daargumentação.

Chegar aqui e dizer que aumentou o número de alunos e que o PCP está contra e que aumentou o número de salas de aula e que o PCP está contra é de uma indigência tal, que, sinceramente, não sei como hei-de responder-lhe.

De qualquer forma, o Sr. Deputado limitou-se a vir aqui repetir a cassete de propaganda com que o Governo nos presenteia todos os dias.

Basta ligar a televisão e vemos um estudante a entrar numa oficina cheia de carros para o estudante poder trabalhar e aprender uma profissão no secundário; abre a outra porta e vê-se uma sala cheia de computadores e pessoas com batas - uma sala espectacular! Não sabemos em que país é, mas está lá, na televisão. Esta é a cassete que nos tentam vender, Sr. Deputado!

Mas basta ir às escolas para não encontrar lá, sequer, uma oficina cheia de carros nem professores com batas e para verificar que tudo isto não passa de uma autêntica mentira e de uma autêntica campanha de propaganda!

O Sr. Deputado repetiu o chorrilho de propaganda habitual, tendo passado por cima das duas questões que salientei. E disse que ia à essência da minha intervenção! - fiquei curioso.

Mas o Sr. Deputado não tocou em absolutamente nada do que referi na minha intervenção. Ensino artístico especializado - não referiu!

Mobilidade especial para os docentes declarados incapazes para a actividade docente - não referiu!

Tal é curioso e é revelador, porque a ausência de respostas também é reveladora.

E, embora saiba que não pode responder, gostaria de dizer-lhe o seguinte: a sua concepção de escola pública é aquela que se nega a promover a intervenção do Estado no ensino artístico especializado, porque promove o que o CDS defende, que é o serviço público de educação prestado por empresas e por escolas privadas.

Na verdade, existem escolas privadas que já se dirigiram ao Ministério da Educação, mostrando a sua vontade para se tornarem públicas e o Ministério responde. Não é essa a nossa perspectiva de escola pública, Sr. Deputado!

(...)

Sr. Presidente,
Sr. Deputado Emídio Guerreiro,

O PSD bem se esforça para tentar fazer uma linha divisória entre o PS e o PSD, mas as concepções são tão semelhantes que já não há discurso que vos valha!

Sobre o serviço público de educação prestado por «entidades cuja propriedade não importa», que é a nova forma que a direita encontrou para dizer «ensino privado», a nova expressão que encontrou para não ser tão ofensiva e que o PS já começa a adoptar, nomeadamente no ensino artístico - mas também já se viu que em relação ao ensino regular para lá caminha... Aliás, a história demonstra-nos claramente que, daqui para lá, a aproximação tende a acentuar-se.

Sobre a concepção de escola pública, Sr. Deputado, não é a propriedade da escola que está em causa.

É porque a propriedade da escola dita o carácter da escola e porque a escola pública não é diferente da escola privada apenas por causa de uma ser do Estado e de a outra ser de uma empresa. Não é apenas por causa da propriedade, Sr. Deputado, é por causa dos conteúdos que são imprimidos na escola, porque a escola laica, como manda o Estado e a Constituição, só é garantida pela escola pública.

Não é a escola da Igreja - que deve ser uma opção - nem é a escola privada - que deve ser uma opção - que vão garantir a educação laica.

Portanto, não venha com a teoria de que não importa a propriedade, porque, obviamente, a propriedade determina o carácter da escola pública.

Não há serviço público da educação prestado por empresas privadas, a não ser em casos muito excepcionais, em que o Estado não cumpriu o seu papel e em que os pais e encarregados de educação foram obrigados a associar-se para fazer escolas, que são privadas, mas gostavam de ser públicas.

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