Nota do Gabinete de Imprensa do PCP

Novo passo no processo de privatização dos Cuidados de Saúde Primários

Novo passo no processo de privatização dos Cuidados de Saúde Primários

1- A decisão do Ministro da Saúde de constituir um grupo de trabalho, mais um, com o objectivo de «analisar as condições de abertura do modelo C de Unidades de Saúde Familiar (USF), a título experimental ao sector social e cooperativo», vem confirmar o que desde de 2006, ano em que foi anunciada por Correia de Campos a «Reforma dos Cuidados de Saúde Primários (CSP)», o PCP tem vindo a denunciar – a dita reforma, utilizando motivos de justo descontentamento das populações e dos profissionais nos CSP, e parecendo pretender dar satisfação a algumas das suas reivindicações, insere-se nas dinâmicas dos planos do grande capital que visam, de facto, a concretização do mesmo processo de mercantilização e privatização da saúde.

2- Nessa altura (Fevereiro de 2006), o PCP chamou a atenção para o facto de que as concepções a que obedeciam a constituição das USF e as Unidades Locais de Saúde, inseridas num quadro global tendente à privatização da rede hospitalar, com a adopção do princípio do “prescritor-pagador” na relação entre os serviços de cuidados de saúde primários e hospitais, só podiam ser motivo da mais profunda preocupação para quem o objectivo central do sistema de saúde seja o interesse do utente/doente.

Mais uma vez importa lembrar a experiência inglesa com o mesmo sentido, que acabou por ser abandonada em 2003, tendo a sua actividade das unidades de saúde passado para empresas privadas e grandes consórcios, nomeadamente ligados a seguradoras, o que tem levado à contestação dos utentes fortemente lesados.

Que não fiquem dúvidas, a referência às misericórdias e às cooperativas de médicos reformados, apenas serve para esconder a fase seguinte e essa terminará quando o essencial dos CSP estiverem sob a alçada dos grupos privados da saúde - BES/saúde, Mellos/Saúde, Grupo Português de Saúde e outros.

3- A vida tem confirmado que a dita reforma foi iniciada, não com o objectivo de resolver o problema gravíssimo que se mantém nos CSP numa lógica de serviço público e de reforço das capacidades do SNS, mas para abrir caminho à privatização deste nível de cuidados, indo ao encontro de uma antiga aspiração dos grupos privados que é garantirem clientela para os seus hospitais a partir da sua própria rede de CSP.

Não está em causa o empenhamento e determinação de muitos profissionais que integram as USF existentes e muito menos os resultados obtidos por muitas delas. É que neste novo patamar do processo de privatização dos CSP, já não entram os profissionais do serviço público que tudo têm feito para defender o SNS e garantir melhores cuidados de saúde aos utentes. Neste novo patamar, a matriz do serviço é definida em função de uma perspectiva mercantilizadora da prestação de cuidados em que o que determina é o lucro e não a lógica do serviço público em que no centro das preocupações deve estar o utente.

4- Os gravíssimos problemas que se vivem hoje nos Cuidados de Saúde Primários, com cerca de um milhão de utentes sem médico de família, a falta de meios humanos, técnicos e financeiros, que assegurem a real equidade no acesso, nomeadamente garantindo que todos os utentes tenham o seu médico de família e o seu enfermeiro de família, e a qualidade dos serviços prestados, com consulta a tempo e horas, com base nas melhores práticas e em condições de trabalho e de atendimento dignas, que garantam a sua sustentabilidade, assente num conhecimento das necessidades de prestação directa e de referenciação e num planeamento com participação dos profissionais, das populações, das autarquias e de outras entidades relevantes, requerem medidas de reforço dos meios dos CSP e não a sua entrega a privados.

5- O PCP chama entretanto a atenção para o facto de, mais uma vez, o Ministro da Saúde dizer uma coisa e fazer outra, o que não sendo de estranhar da parte de um membro do actual governo, não pode deixar de ser sublinhado numa altura em que alguns analistas e comentadores de serviço procuram fazer passar dele uma imagem de homem rigoroso e íntegro, aquele que pode salvar o SNS, mas que afinal mentiu aos deputados e ao país quando na Assembleia da República, em momentos diferentes, garantiu que não estava no horizonte do governo a implementação de USF modelo C.