Intervenção de José Augusto Esteves, Membro da Comissão Central de Controlo, Conferência do PCP «Engels e a luta na actualidade pelo socialismo»

O capitalismo e a exploração colonial

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Amigos e camaradas:

Não há sistema baseado na exploração que não transporte no seu seio a violência e a exploração de classe, mesmo quando significa na sua génese e desenvolvimento um avanço ao sistema que o precede e do qual germinou. Assim foi com o capitalismo.

A sua história desde a sua origem à sua afirmação como sistema ao nível planetário, é uma história onde se inscrevem séculos de violência de uma classe sobre outras classes e povos.

A exploração colonial nas suas diferentes fases e na diversidade dos seus modelos e métodos constitui uma das componentes mais brutais dessa acção de violência e saque que despojou povos inteiros, em todos os continentes, sem excepção.

Engels que aqui nos traz, deu, não apenas um contributo singular, como dirigente do movimento operário e publicista na denuncia e no combate contra esse flagelo, mas também como co-fundador do socialismo cientifico com Marx, na definição de princípios e elaboração de orientações que foram fundamentais nos combates travados no seu tempo e depois durante todo século XX contra o colonialismo e a opressão nacional, como na actualidade.

Contra todas as mistificações construídas pela nova classe dominante e seus servidores, desvendaram o segredo da acumulação original do capital, onde a exploração colonial assume um papel preponderante no processo de acumulação.

Desconstruíram as idílicas histórias dos homens inteligentes e, sobretudo frugais, essas elites que se dizia acumulavam riquezas apenas por possuírem tais qualidades, e puseram a nu os verdadeiros métodos de obtenção das suas fortunas e do seu poder que crescentemente se impunha no novo mundo da produção mercantil e capitalista.

Eram vários os métodos e instrumentos de extorsão utilizados, mas uma parte importante eram tesouros capturados longe das suas pátrias, por pilhagem directa, escravização e extermínio dos povos originários.

Tesouros transformados em capital nos seus próprios países ao mesmo ritmo que provocavam o empobrecimento de largas massas de camponeses e colhiam os resultados da exploração desenfreada e em larga escala do trabalho assalariado e de um mercado mundial em expansão que paulatinamente monopolizavam de forma tirânica em seu exclusivo proveito e das suas indústrias e bancos.

Histórias que de idílicas nada tinham, como então se sublinhava e que ainda hoje se vendem nas universidades, na versão weberiana do “espírito do capitalismo” calvinista e soam como reminiscências do passado nos ditos cobiçosos sobre os povos dos países do Sul, dos frugais Dijsselbloem ou Mark Rutte, que nesta matéria não estão sós numa União Europeia que querem imperialista.

Histórias que assumem, em cada nova vaga da expansão colonial, renovadas versões, como a da fantasiosa “missão civilizadora” reservada aos principais países capitalistas colonizadores. Esse manto de fantasia com que cobriam a tomada de posse de imensos territórios nos finais do século XIX e inícios de XX – o período da passagem para o imperialismo -, continentes inteiros, como África, retalhada e dividida a régua e esquadro. Uma partilha agora legitimada pela ciência com a falsa teoria da existência de uma hierarquia natural de raças e que haviam de dar cobertura e justificação às crescentes necessidades de um capitalismo em rápido desenvolvimento, exigente e sequioso de matérias-primas e novos mercados.

Exportava-se então civilização de armas na mão, como se exporta democracia à bomba nestes anos do século XXI, quando os interesses das transnacionais exigem.

É enorme o empenhamento de Engels, como revolucionário e dirigente da Internacional, mas também como cientista na luta que travou a favor dos povos submetidos e contra a exploração colonial e semi-colonial.

Engels, com particular determinação em relação à colonização inglesa da Irlanda, pela libertação da qual se envolveu, mas também em relação à Polónia e com um olhar sempre atento e de condenação em relação às iniciativas de expansão colonial das principais potencias, nomeadamente dirigidas contra os povos da Índia e outros lugares da Ásia, aos avanços militares britânicos que chegaram à China com a famosa “Guerra do Ópio” e de outros governos noutras paragens, incluindo dos Estados Unidos que instigam a guerra contra o México para lhe anexar uma boa parte do seu território.

Marcante é a ideia que pela primeira vez é expressa por Engels, num comício internacionalista e de apoio ao movimento libertação do povo polaco, em 1847 e que passou a fazer parte do património teórico marxista sobre a questão nacional: - “Uma nação não pode ser livre e ao mesmo tempo continuar a oprimir outras nações”.

Uma ideia que vai fazer caminho e ajudar à unificação directa das duas correntes revolucionárias na época – a luta da classe operária e o movimento de libertação nacional e que a Revolução de Outubro vitoriosa com Lenine começará a delinear de imediato com o “Decreto sobre a Paz” e concretizava com a posterior libertação do jugo social e colonial mais de 100 nações e etnias.

Revolução de Outubro que será o pondo de partida, o grande incentivo à luta pela de libertação dos povos colonizados, num processo que vai conduzir à derrocada do sistema colonial mundial.

É aquele princípio fundamental do internacionalismo e do socialismo que o PCP, assume e concretiza com uma audaciosa coragem para a época, no seu “Programa de Acção”, aprovado no I Congresso, em 1923 -, onde se afirma o direito das colónias à independência e se declara a sua disposição de apoiar a organização dos seus povos.

Direito sucessivamente reafirmado por um Partido que tinha também a consciência que Portugal era, como tantas vezes o fundamentou, um País colonizador e ao mesmo tempo colonizado. De facto, por trás da dominação colonial portuguesa estava a dominação imperialista estrangeira – ingleses, americanos, alemães, belgas e franceses. Eram eles que tomavam a parte de leão nas colonias e em Portugal da exploração dos recursos e dos mercados, dos diamantes ao algodão, do ferro ao petróleo, da floresta ao açúcar, do manganés ao alumínio.

Uma dominação que vinha de muito atrás protagonizada principalmente pela Inglaterra e que se foi alargando e se agravou ainda mais com a política de ditadura fascista, agora para assegurar a sua própria sobrevivência.

Dominação secular desde logo por essa que foi a primeira grande potência capitalista industrial e comercial que imporia a Portugal muito cedo, os mesmos tratados leoninos, que mais tarde impõe à Índia e à China e a outros países e lhe permitiu assegurar a sua hegemonia e conquistar o mercado mundial.

Portugal que, em meados do século XVI, tinha já perdido a hegemonia mundial que as navegações lhe proporcionaram, perderá também a batalha da industrialização com o “Tratado de Methuen” a favor de Inglaterra, com graves e negativas consequências no desenvolvimento ulterior do País.

Não era o povo o beneficiário, mas o grande capital estrangeiro e o grande capital nacional seu aliado.

Chegará o dia em que, aqui em Portugal, e lá, nas colonias, com a criação e a luta dos movimentos de libertação, unidos no mesmo objectivo libertador vão decididamente contribuir para por fim ao colonialismo e ao fascismo em Portugal. Num trajecto de luta comum e ajuda mutua que Álvaro Cunhal punha em evidência em “Rumo à Vitoria” quando afirmava: “A luta dos povos das colonias pela independência é uma ajuda poderosa à luta do povo português pela democracia. E a luta do povo português pela democracia é uma ajuda poderosa à luta dos povos coloniais”.

A Revolução de Abril de 1974 confirmou-o com a vitória de todos os povos.

O último império colonial caía nessa data dignificadora e redentora para o nosso povo. Caía tal como todo o sistema colonial do imperialismo tinha já caído na sequência e confluência das novas condições criadas com o fim da 2ª. Guerra Mundial e a vitória sobre o nazi-fascismo, o avanço do socialismo e da assumpção de novas forças de libertação nacional dos países submetidos.

O imperialismo era então forçado a reconhecer o direito à autodeterminação dos povos e ao direito a disporem deles mesmos, como a Carta da ONU de 1945 consagrou. Dos 150 Estados que existiam na terra à data da Revolução Portuguesa, mais de metade tiveram conquistada a independência nos 30 anos anteriores. São importantes os êxitos alcançados por alguns países, particularmente os que assumiam uma orientação para o socialismo. Mas a vida vai mostrar que apesar da independência política conquistada, a maioria dos países não está a salvo.

O imperialismo que não se deteve noutros períodos na busca do lucro, não se detém também face à nova situação e os seus centros de decisão e ideólogos passam a fantasiar e colorir a realidade com novas histórias para encobrir o seu projecto explorador de sempre.

Novas e falaciosos argumentos que permanecem nos nossos dias, ora na versão de “desinteressadas ajudas ao desenvolvimento”, ora a coberto de uma glorificada globalização capitalista onde as relações de dominação, incluindo as de recorte neocolonial, aparecem sempre disfarçadas e teorizadas como relações mutuamente vantajosas para dominantes e dominados, apesar das trocas desiguais, da extorsão por via do financiamento e das dívidas, da pressão diplomática, da chantagem e da força militar para garantir acesso a mercados e matérias-primas.

Com a queda da URSS, o imperialismo entregou-se à tarefa de fazer retroceder a roda da história. Quer reverter e subverter o direito internacional e as conquistas que nesse plano foram conseguidas e impor o seu domínio sem constrangimentos.

Inapagáveis neste trajecto secular e nesta relação entre capitalismo e exploração colonial são dois aspectos que é preciso realçar e que produziram as mais cruéis formas de exploração e de humilhação do homem - a escravatura e o racismo.

Sabemos que a escravatura não tem côr. Não começou nos campos de cana do açúcar em S. Tomé ou do algodão nas Caraíbas, nem tão pouco começou com os descobrimentos portugueses que a primeira revolução burguesa da Europa – a portuguesa revolução de 1383/85 -, impulsionará, ampliando os horizontes de uma experimentada burguesia comercial marítima que estava há mais de um século no mar a navegar.

Nem tão pouco confundimos o valor e importância da expansão marítima para o desenvolvimento da humanidade, com os seus ulteriores desenvolvimentos.

Portugal esteve na vanguarda do planeta, mas é preciso pôr lá toda a verdade. Não há especificidade portuguesa. Não há luso-tropicalismo que amenize o traço de violência brutal do sistema colonial em todos os lugares.

A escravatura era, de facto, uma tragédia antiga que, antes de ser negra, era branca e de outras colorações e continuou com o novo sistema que estava a romper.
Mas o que é verdadeiramente novo com capitalismo e com o sistema de exploração colonial que o servia, além da crueldade extrema desse tráfico, explorado como categoria económica que era, é o racismo.

O que distingue e marca a diferença entre o sistema de escravatura atlântica, essa “galinha dos ovos de ouro do capitalismo mundial” como alguém o afirmou, e os outros sistemas de escravatura é a construção da raça na base da aparência física, da côr da pele e que se traduz num estatuto e que hoje as forças mais retrógradas do capitalismo reavivam e exploram artificialmente para alimentar os seus projectos de desigualdade, dividir os trabalhadores e promover a subversão da democracia.

Diferença que os muitos movimentos identitários de bandeiras políticas diversas escamoteiam ou omitem. Torcem o marxismo para mostrar que os combates políticos de classe são incapazes dar resposta às opressões existentes nas sociedades do seculo XXI, nomeadamente contra o racismo, como se os avanços e as lutas travadas no combate a este flagelo fossem alheias ao esforço e acção do movimento operário e comunista, como toda a história destes últimos cento e cinquenta anos o revela.

Ao mesmo tempo que uns se esforçam por mostrar a ineficácia dos combates de classe, muitos desses e outros pela sua origem e pela bandeira política que transportam adivinham-se-lhe os seus objectivos limitados: garantir a igualdade de todos debaixo da exploração e do jugo do capital.

E se não se nega a importância da existência de movimentos e do seu contributo nesta frente de combate, a bandeira da libertação plena de todas as opressões e discriminações, exige a construção da sociedade nova e no caminho dessa construção a centralidade da luta de classes não pode ser diluída, antes reforçada, porque ela não só é decisiva para a concretização desse grande objectivo, como é a mais necessária e eficaz para dar força, consistência à luta quotidiana por novos avanços e contra todas as discriminações, segregações e opressões sociais, como a Constituição da Abril proclama e exige.