Intervenção de Fernanda Mateus, Membro da Comissão Política do Comité Central do PCP, Conferência do PCP «Engels e a luta na actualidade pelo socialismo»

A emancipação da mulher e o socialismo

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Camaradas,

É milenar a aspiração das mulheres para se libertaram do estatuto de subalternidade que lhes foi imposto.

É com a concepção materialista da história, com o decisivo contributo de Marx, Engels e Lenine que foram forjados os instrumentos teóricos e práticos que permitiram tecer o fio condutor da origem da subalternidade e opressão das mulheres como um produto histórico e social; compreender a contradição do modo de produção capitalista que lhes proporcionou uma nova condição – a de trabalhadora –,convertendo o seu trabalho, e ela própria, em objecto de exploração; atribuir à nova classe explorada o papel determinante na condução da luta de classes contra a classe dominante – a burguesia – para pôr fim à exploração capitalista e tendo como horizonte a emancipação social no quadro do socialismo.

Em A origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado, Engels assume a herança de Marx procedendo a desenvolvimentos teóricos à luz de uma concepção materialista da história sobre a origem da subalternidade das mulheres, estabelecendo a sua estreita relação com o processo de desenvolvimento das forças produtivas e da divisão social do trabalho.

Derruba as ideias seculares que atribuíam uma origem natural ou divina ao estatuto de inferioridade das mulheres, para estabelecer a estreita relação de um longo processo histórico ligado ao surgimento da propriedade privada, à passagem do direito materno para o direito paterno, à formação do Estado criado para salvaguardar a propriedade da terra, transmitida ao filho varão pelas classes que a detinham, por meio do casamento monogâmico.

Demonstrou que ao longo dos séculos a família assumiu várias formas, sendo a patriarcal uma delas, que não emergiu da natural opressão do homem sobre a mulher, antes representou um modelo que se constituiu como unidade de produção num período histórico em que a propriedade da terra constituía a principal fonte de riqueza, e que determinou uma organização familiar assente na inferioridade da mulher, abolindo o estatuto e o prestígio que anteriormente detinha.

O modo de produção capitalista proporcionou a entrada da mulher em larga escala na produção, o que em si mesmo representou um carácter progressista relativamente aos sistemas que o precederam. Contudo, a imensa massa de mulheres assalariadas tornou-se o centro de uma feroz exploração de classe, comum à que era infligida aos homens e crianças, combinada com a discriminação em função do sexo, com salários muito mais baixos e usando-as sempre que necessário como mão-de-obra de reserva.

Deram-se profundas mudanças na situação e nos direitos das mulheres desde o final do século XIX ao tempo presente. Mudanças que exigem ser examinadas de acordo com o desenvolvimento das forças produtivas e a divisão social do trabalho nos diferentes países capitalistas, dos mais desenvolvidos e dos que são economicamente mais pobres, bem como dos impactos que resultam das ingerências, dos conflitos armados e das guerras.

Elas não desmentem, antes confirmam, que o sistema capitalista gera e renova, permanentemente, a dupla exploração das trabalhadoras, as desigualdades, discriminações e violências em todas as dimensões das suas vidas.

O sistema capitalista proclamou a inferioridade das mulheres como ideologia dominante contrapondo uma natureza masculina à feminina.

A primeira forte, produtora e criadora, vocacionada para o poder, e a segunda fraca, física e intelectualmente, vocacionada para o lar e a procriação, e assim legitimando as discriminações específicas e a sobre-exploração da grande massa de mulheres que passaram a ter uma nova condição – a de trabalhadoras. Este novo modo de produção capitalista potenciou os mecanismos anteriores de opressão das mulheres nas sociedades divididas em classes sociais antagónicas.

Desde logo o trabalho marginal das mulheres para legitimar as discriminações e a sobre-exploração das trabalhadora.

Mas, igualmente, as especiais responsabilidades da mulher na família. Após as longas jornadas de trabalho e com salários que mal davam para sobreviver, as trabalhadoras mantinham a responsabilidade da vida doméstica, sem qualquer assistência na gravidez e no parto, nem apoios para cuidar das crianças, abandonadas à sua sorte e com elevadas taxas de mortalidade infantil.

No que concerne à violência sobre as mulheres na família, à exploração na prostituição, sendo uma realidade milenar foram toleradas, consentidas e até assumidas como concepção do Estado.

Ao longo do século XX, a classe dominante não se opôs à igualdade de direitos das mulheres. Contudo, os avanços extraordinários registados no reconhecimento dos direitos das mulheres na lei e na vida não foram oferecidos pelo capital. Foram conquistados com a intensa luta de classes levada a cabo pelo movimento operário e revolucionário que inscreveu a igualdade da mulher e do homem nas suas razões de luta, a necessidade de enfrentar a exploração capitalista e de lutar pela transformação da condição social da mulher, só possível pela construção de uma nova sociedade assente na emancipação da mulher no quadro do socialismo.

Só a intensa luta de classes, com a força organizada e insubstituível das trabalhadoras, permitiu uma mudança na correlação de forças favorável aos trabalhadores e aos povos, com o marco histórico na luta emancipadora das mulheres que constituiu a Revolução de Outubro.

Lutas realizadas em diversos países, conduzidas pelos sindicatos de classe por organizações de mulheres de carácter progressista e emancipatório que uniram trabalhadoras, estudantes, intelectuais na luta por direitos próprios, contra o fascismo e a guerra, pela democracia e pela paz, a par do papel decisivo dos partidos comunistas e progressistas.

No século XXI, o reconhecimento pelas instâncias europeias e mundiais da igualdade de género é erigido como instrumento ao serviço do sistema capitalista. A sua agenda contrapõe a luta de classes à luta entre os sexos, visa esbater a percepção das causas estruturais da dupla exploração laboral, das desigualdades, discriminações e violências que incidem sobre as mulheres; e limitar a sua luta organizada e consequente como elemento decisivo para defender as condições de vida e os direitos.

Neste século, a luta de classes permanece como a força motora dos processos de resistência e de acumulação de forças, em que a luta organizada das mulheres é indispensável. Luta de classes em que as mulheres se assumam como força organizada em defesa dos seus direitos, e que não se coloque à margem da luta mais geral dos trabalhadores e dos povos, pela elevação das condições de vida, do cumprimento dos direitos, pela soberania nacional, pelo progresso e a Paz.

Camaradas,

Ao longo dos seus 100 anos de vida e luta, o PCP é o aliado da luta das mulheres pelo exercício dos seus direitos e pela igualdade na vida.
O aliado que assumiu a responsabilidade de reflectir como o colectivo partidário na conferência sobre a emancipação da mulher no Portugal de Abril (Novembro de 1986) analisando o longo processo de emancipação das mulheres em Portugal ao longo da sua história, valorizando a sua participação em todas as lutas do nosso povo pela independência nacional e o progresso social. Nele se reflectiu sobre os direitos das mulheres no trabalho, na família, na vida social e política, sem a emancipação social e a alteração das mentalidades.

O PCP é o aliado das mulheres na luta de todos os dias, pela resolução dos seus problemas concretos e imediatos, mas igualmente na exigência de ruptura com a política de direita, pela concretização da política patriótica e de esquerda, a mais sólida âncora para mudar o rumo do País e para mudar a vida das trabalhadoras, das micro e pequenas empresárias, das mulheres agricultoras e rurais. Uma política que dá resposta aos problemas e reivindicações que são comuns à classe e às camadas sociais que as mulheres integram, mas, igualmente garante a determinação no combate às desigualdades e discriminações específicas, a todas as formas de violência sobre as mulheres, que incentivará a alteração das mentalidades ancoradas nos valores e conquistas de Abril, na dignidade e nos direitos das mulheres.

O PCP assume o seu papel de vanguarda consciente que a luta de massas tem um papel determinante na luta que travamos em Portugal no tempo presente e para o futuro. Nela destacamos, como é referido no Projecto de Resolução ao XXI Congresso as expressões mais combativas do movimento das mulheres, que apesar do silenciamento e desvalorização a que estão sujeitas, têm constituído uma âncora na afirmação das mulheres como força organizada na luta contra a exploração, desigualdades e discriminações.