Projecto de Lei N.º 335/XIV/1.ª

Alarga o acesso das micro, pequenas e médias empresas aos apoios à economia, no quadro do surto epidémico da COVID-19

A situação que o país enfrenta, ocasionada pelo surto epidémico de SARS-COV-2 e da doença COVID-19, originou uma inesperada e muito significativa desaceleração da economia, com reflexos muito negativos em quase todos os setores de atividade económica.

Tendo em conta a situação criada, foi determinada a libertação de recursos de apoio ao financiamento às empresas, segmentados por sectores de atividade, disponibilizando, para já, um total de 3 mil milhões de euros através de linhas de crédito operadas pela banca aderente. Além dessa linha, foram acionadas as linhas de 400 milhões para a capitalização de empresas e uma linha específica para microempresas de turismo no valor de 60 milhões.

Os valores apresentados são insuficientes, face às necessidades da economia, e mesmo em comparação com o esforço orçamental verificado noutros países para dar resposta aos problemas criados. Será necessário avançar com outras medidas, incluindo apoios contratualizados junto de milhares de micro, pequenas e médias empresas (MPME) que enfrentam uma situação de crise.

Independentemente dessa apreciação, importa assegurar, em primeiro lugar, que tais créditos sejam colocados efetivamente à disposição das empresas, particularmente das que revelem menos capacidade de resistência a um período de inatividade.

A verdade é que uma boa parte das MPME, que são a base do tecido económico nacional, se defronta com problemas persistentes e diários desde há longos anos por força de uma economia dominada pelos grupos monopolistas, de um debilitado aparelho produtivo, de uma profunda dependência externa e de um consumo interno frágil resultado da política de baixos salários e de precarização crescente das relações laborais.

Como tal, a crise económica resultante das medidas de contingência que levam à suspensão da atividade de vários setores de atividade e à significativa perda de volume de negócio em outros, afeta drasticamente as empresas, que já em épocas normais lutam diariamente para cumprir as suas responsabilidades fiscais e simultaneamente realizar resultados positivos.

Independentemente também de questões políticas que se possam colocar sobre a opção de recorrer à banca privada como intermediária para a canalização destes recursos públicos, pela não ativação de um banco de fomento no quadro da emergência nacional, pela errada opção de alinhar a CGD pelos critérios de gestão da banca privada e pela continuada abdicação da soberania política na distribuição do crédito, urge garantir a disponibilização desses recursos de forma o mais eficaz e célere possível.

Segundo as informações que têm chegado ao Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português, a banca tem vindo a tratar os créditos junto das MPME, nesta altura crítica, como se nada tivesse entretanto acontecido, exigindo as mesmas burocracias e o mesmo tipo de garantias. Além disso, a banca aplica margens de lucro, através da aplicação de spreads de mercado a créditos provenientes de linhas de financiamento públicas.

Não é aceitável que esta ocasião de crise económica possa ser utilizada pelo setor financeiro para especular com a dívida das MPME, ou para lucrar com o seu endividamento, sobretudo quando estamos a falar de apoios que provêm de fundos públicos.

Da banca, neste momento, exige-se que realize o conjunto das operações apenas como agente de um serviço público, colocando ao dispor da economia os seus recursos humanos e técnicos, distribuindo linhas de crédito garantidas ou disponibilizadas pelo Estado. Não é aceitável que sejam exigidas garantias de mercado às empresas em linhas já garantidas pelo Estado, nem tão-pouco juros ou comissões que excedam os gastos estritamente realizados pela instituição bancária no processamento do crédito.

Não deixa de ser estranho que instituições bancárias que têm recorrido a empréstimos sucessivos do Fundo de Resolução financiado pelo Estado, possam servir de intermediários, em financiamentos que não estão disponíveis para empresas com dívidas em incumprimento a qualquer banco, à administração fiscal ou à Segurança Social.

A situação actual, põe ainda mais em evidência a necessidade da recuperação do controlo público sobre a banca, colocando-a não ao serviço dos lucros dos seus acionistas – na sua maioria capital estrangeiro – mas ao serviço do desenvolvimento económico do País. Mas essa opção, que deve ser seriamente considerada, não exclui que o Estado deixe de impor no imediato à banca nacional obrigações perante o Povo português. Rejeitando qualquer possibilidade de distribuição de dividendos no ano que se segue e impedindo que esta beneficie com a intermediação dos apoios públicos, fazendo com que estes recursos estejam disponíveis de forma célere e, prioritariamente, para as MPME.

Com este Projeto de Lei, o PCP pretende corrigir algumas limitações no acesso das empresas, quer às linhas de apoio criadas pelo Governo - “Linha de Crédito Capitalizar 2018 – Covid-19” e “Linha de Apoio à Economia – Covid-19” – quer no que diz respeito às moratórias nos créditos, criadas pelo Decreto-Lei 10-J/2020, de 26 de março, designadamente:

- A existência de incumprimentos e incidentes não regularizados com a banca não deve ser motivo para excluir uma MPME do acesso às linhas de apoio ou às moratórias de créditos. Muitas empresas estarão em incumprimento e, se não tiverem qualquer apoio, vão ter de encerrar, o que tornará impossível a regularização desses créditos.

-A existência de situação irregular perante a Autoridade Tributária e Aduaneira ou a Segurança Social também não deve ser motivo de exclusão, desde que a entidade candidata tenha em curso um processo negocial de regularização do incumprimento ou que até 30 de abril realize um pedido de regularização da situação.

-Clarificação na Lei de que operações de locação financeira (leasing) ou operacional (renting) também se encontram abrangidos pela moratória, dado que muitas MPME precisaram de contrair estes financiamentos para poder desenvolver a sua atividade e agora estão a braços com dificuldades no seu cumprimento, devido à situação de crise empresarial.

-Propõe-se que, nos critérios elencados no Decreto-Lei para aprovação da prestação de garantias pessoais pelo Estado, seja dada prioridade às MPME.

-Elimina-se a alínea que permitia aos bancos capitalizar sobre os juros cujo vencimento foi suspenso, o que representava uma dupla capitalização sobre o montante do empréstimo.

-Não aplicação de quaisquer juros, spreads, comissões e outros encargos a operações realizadas no âmbito da “Linha de Crédito Capitalizar 2018 – Covid-19” e da “Linha de Apoio à Economia – Covid-19”.

-Criação, no âmbito dos apoios já existentes, de uma linha adicional específica para microempresas, empresários em nome individual e trabalhadores por conta própria, garantida pelo Estado, com um período de carência de dois anos e um período de amortização de 10 anos, bem como um Fundo Público de Apoio à Tesouraria de microempresários e empresários em nome individual que garanta os fundos necessários ao pagamento de salários e outros apoios que tenham sido adiantados por essas empresas.

Assim, ao abrigo da alínea b) do artigo 156.º da Constituição e da alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º do Regimento, os Deputados do Grupo Parlamentar do PCP apresentam o seguinte Projeto de Lei:

Artigo 1.º

Objeto

A presente lei procede à primeira alteração ao Decreto-Lei n.º 10-J/2020, de 26 de março, e alarga as condições de acesso às medidas de apoio à economia no que diz respeito a micro, pequenas e médias empresas e a empresários em nome individual, instituições particulares de solidariedade social, associações sem fins lucrativos e demais entidades da economia social.

Artigo 2.º

Alteração ao Decreto-Lei n.º 10-J/2020, de 26 de março

São alterados os artigos 2.º, 3.º, 5.º, e 12.º do Decreto-Lei n.º 10-J/2020, de 26 de março, que passam a ter a seguinte redação:

«Artigo 2.º

Entidades beneficiárias

  1. (…):
    1. (…)
    2. (…)
    3. Não se encontrem em situação de insolvência
    4. Relativamente à situação perante a Autoridade Tributária e Aduaneira e a Segurança Social:
      1. Tenham a situação regularizada na aceção, respetivamente, do Código de Procedimento e de Processo Tributário e do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social, não relevando até ao dia 30 de abril de 2020, para este efeito, as dívidas constituídas no mês de março de 2020;
      2. Tenham em curso processo negocial de regularização do incumprimento; ou
      3. Realizem pedido de regularização da situação até 30 de abril
  2. (…)
  3. (…)
  4. (…)
  5. (…)

Artigo 3.º

Operações abrangidas

  1. O presente capítulo aplica-se a operações de crédito e contratos de locação financeira ou operacional concedidas por instituições de crédito, sociedades financeiras de crédito, sociedades de investimento, sociedades de locação financeira, sociedades de factoring e sociedades de garantia mútua, bem como por sucursais de instituições de crédito e de instituições financeiras a operar em Portugal, adiante designadas por «instituições», às entidades beneficiárias do presente decreto-lei.
  2. (…).

Artigo 5.º

Acesso à moratória

  1. (…)
  2. A declaração é acompanhada da documentação comprovativa da regularidade da respetiva situação tributária e contributiva, da existência de processo negocial de regularização do incumprimento ou do requerimento do pedido de regularização, nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 2.º
  3. (…)
  4. (…)

Artigo 12.º

Procedimento de concessão de garantias do Estado em caso de emergência económica nacional

  1. (…)
  2. O pedido previsto no número anterior é objeto de parecer favorável do membro do Governo da área do setor de atividade da entidade beneficiária da garantia, devendo incidir sobre o enquadramento da operação no âmbito da política do Governo de resposta à situação de emergência económica nacional em virtude da pandemia da doença COVID-19, da apreciação da relevância da entidade beneficiária para a economia nacional, com prioridade para as entidades referidas na alínea b) do n.º 1 e alínea b) do n.º 2 do artigo 2.º face às entidades referidas no n.º 3 do artigo 2.º, assim como da perspetiva de viabilidade económica da entidade em causa e da necessidade expressa de garantia pessoal do Estado.
  3. (…).
  4. (…).
  5. (…).»

Artigo 3.º

Norma revogatória no âmbito do Decreto-Lei n.º 10-J/2020, de 26 de março

É revogada a alínea c) do n.º 3 do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 10-J/2020, de 26 de março.

Artigo 4.º

Medidas de apoio às micro, pequenas e médias empresas

  1. No âmbito das medidas excecionais e temporárias de resposta à epidemia SARS-CoV-2, e no que diz respeito às entidades previstas na alínea b) do n.º 1 e na alínea b) do n.º 2 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 10-J/2020, de 26 de março:
    1. Não são aplicados quaisquer juros, spreads, comissões e outros encargos às operações realizadas no âmbito da “Linha de Crédito Capitalizar 2018 – Covid-19” e da “Linha de Apoio à Economia – Covid-19”;
    2. A existência de incumprimentos e incidentes não regularizados com a banca ou de dívidas perante a FINOVA – Fundo de Apoio ao Financiamento à Inovação, não prejudica o acesso às linhas de crédito e de apoio referidas na alínea anterior;
    3. A existência de situação não regularizada junto da Autoridade Tributária e Aduaneira e da Segurança Social não prejudica o acesso às linhas de crédito e de apoio referidas na alínea a), desde que a entidade candidata tenha em curso um processo negocial de regularização do incumprimento ou que até 30 de abril realize um pedido de regularização da situação;
    4. A situação líquida negativa da entidade não prejudica o acesso às linhas de crédito e de apoio referidas na alínea a);
    5. O acesso às linhas de crédito e de apoio referidas na alínea a) abrange as entidades criadas até 28 de fevereiro de 2020;
    6. Aos apoios referidos na alínea a) é aplicado um período de amortização de 10 anos, com prestação de garantias pelo Estado através de um Fundo de Garantia;
    7. Os prazos previstos nos números 3 e 4 do Artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 10-J/2020, de 26 de março, aplicam-se aos pedidos relacionados com as linhas de crédito e apoio referidas na alínea a).
  2. No âmbito das medidas excecionais e temporárias de resposta à epidemia SARS-CoV-2 relativamente a entidades classificadas como microempresas, de acordo com a Recomendação 2003/361/CE da Comissão Europeia, de 6 de maio de 2003, a empresários em nome individual e trabalhadores por conta própria, e sem prejuízo do acesso aos apoios referidos na alínea a) do número anterior, são adicionalmente criados os seguintes apoios:
    1. Uma linha de crédito sem aplicação de juros, spreads, comissões ou quaisquer outros encargos, com garantia prestada pelo Estado através de um Fundo de Garantia, com dois anos de carência e 10 anos de amortização, proporcional às perdas de receita, no valor máximo de 12 vezes a remuneração mínima mensal garantida, cujo acesso é garantido nos termos das alíneas b) a d) do número anterior;
    2. Um Fundo Público de Apoio à Tesouraria de microempresários e empresários em nome individual, suportado pelo Orçamento do Estado e com recurso a fundos comunitários, destinado a assegurar despesas com salários e com apoios adiantados ao abrigo das medidas excecionais e temporárias de proteção dos postos de trabalho, tendo em conta o número de postos de trabalho e o volume de negócios respetivos.

Artigo 5.º

Entrada em vigor e vigência

A presente lei entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação e vigora enquanto se mantiverem em vigor as medidas excecionais e temporárias de resposta à epidemia SARS-CoV-2.

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