Intervenção de Jerónimo de Sousa na Assembleia de República

"Houve uma derrota, a da ideologia das inevitabilidades"

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Sr. Presidente,
Sr. Primeiro-Ministro,
No processo político decorrente das eleições legislativas e após a tomada de posse do Governo do PS, estamos hoje numa outra fase, a da discussão do Programa do Governo.
PSD e CDS sofreram um pesado revés eleitoral, perdendo a maioria e ficando limitados a uma minoria, incapaz de formar governo e de ver aprovado o seu Programa, no quadro da nova expressão e arrumação de forças na Assembleia da República, arrumação de forças de onde emanou uma solução política e institucional alternativa, sustentada por uma maioria de Deputados eleitos pelos portugueses.

Daqui releva um facto: a maioria do povo português expressou a vontade de ver fora das suas vidas o Governo do PSD e do CDS, vontade alicerçada num anseio profundo de parar com a política de exploração e empobrecimento, na esperança de ter uma vida melhor.

No seu esforço de guerrilha e de crispação, PSD e CDS recusam-se a aceitar essa expressão da vontade popular e a analisar as causas que levaram a que cerca de 700 000 portugueses — um CDS inteiro! — tivessem abandonado a sua coligação e quisessem impedir que o Governo do PSD e do CDS levasse por diante a sua política de destruição económica e social, de afundamento e declínio do País, tratando as injustiças e o drama de muitas vidas como meros danos colaterais.

O desemprego que aí está, e se mantém, a níveis elevados; a precariedade já não só do trabalho mas da própria vida de centenas e centenas de milhares de portugueses que se viram despojados de condições mínimas de vida; todos esses dramas que atingem milhões de portugueses continuam a ser desprezados pelo PSD e pelo CDS, que preferem alimentar uma estéril guerrilha política.

PSD e CDS exercitam as diferenças e as divergências programáticas entre PS e PCP como se tivessem descoberto a pólvora, como se da nossa parte alguma vez tivesse havido ocultação ou até abdicação da identidade, do projeto, do programa, como se não existisse o compromisso do PCP assumido e mantido com os trabalhadores e o povo português.

Compreende-se que PSD e CDS queiram esconder aquilo que em concreto foi possível PS e PCP identificarem como elementos de convergência na resposta a problemas e anseios dos trabalhadores e do povo e que estão vertidos no Programa do Governo que hoje discutimos.

Este Programa acolheu um conjunto de propostas que, na sua concretização, podem contribuir para melhorar, ainda que de forma limitada, a vida de milhões de portugueses, particularmente dos trabalhadores, dos reformados, dos jovens, das mulheres, dos pequenos e médios empresários.
Medidas de reposição de salários, de descongelamento das pensões, de reposição dos complementos de reforma dos trabalhadores do setor empresarial do Estado e de outros rendimentos e direitos, incluindo feriados, prestações sociais, medidas de combate à precariedade, aos falsos recibos verdes, ao recurso abusivo a estágios ou de conversão de bolsas em contratos de investigação. Medidas de diminuição da carga fiscal, nomeadamente do IVA da restauração, de introdução da cláusula de salvaguarda do IMI, da dotação dos recursos humanos, técnicos e financeiros necessários à qualidade dos cuidados de saúde prestados pelo SNS, de eliminação do obstáculo que as taxas moderadoras constituem no acesso à saúde ou na reposição do transporte de doentes não urgentes.

Na educação, com um importante conjunto de medidas, designadamente, visando o reforço da ação social escolar, a progressiva gratuitidade dos manuais escolares no ensino obrigatório ou a redução do número de alunos por turma, tal como em relação a outros serviços públicos, nomeadamente da segurança social e dos transportes.

É verdade que este não é um Programa do PCP, este é um Programa do Governo do PS, um Programa que reconhece que foram erradas as políticas promovidas nos últimos anos. Registamos a vontade de mudança que expressa e contribuiremos para que a vida a confirme.

Vinte e um dias depois da derrota do Programa do Governo PSD/CDS poderíamos colocar a questão de saber quanto tempo mais precisamos para descobrir todas as surpresas desagradáveis que o anterior Governo PSD/CDS deixa ao País.

Nestes vinte e um dias já confirmámos que a devolução da sobretaxa era um embuste, já descobrimos que a execução orçamental desmente as promessas feitas quanto ao défice e já confirmámos que o BANIF é mesmo um motivo de preocupação para os portugueses.

O que haverá mais para descobrir e quanto tempo demorará essa descoberta será uma boa questão a colocar.

Permitam-me outra questão. O Programa do Governo do PS que hoje discutimos terá de enfrentar a contradição entre o grau de concretização dos seus objetivos estruturantes — da criação de emprego, do investimento, do crescimento económico e do desenvolvimento — no quadro dos constrangimentos externos existentes que nos são impostos e cujos instrumentos de realização têm sido dogmas intocáveis para o PSD e para o CDS, com as graves consequências que se conhecem e estão plasmadas na grave realidade económica, social e cultural do País.

É necessário ultrapassar a divergência existente entre uma realidade aprisionada em regras e constrangimentos draconianos e estéreis e a necessidade de afirmar o nosso desenvolvimento soberano. Esta é uma pergunta que os portugueses colocam a si próprios e para a qual, estamos certos, gostariam de ter uma resposta do Primeiro-Ministro, para lhes garantir um outro futuro a que aspiram e merecem.

Valorizamos a resposta a problemas mais urgentes dos portugueses, ao mesmo tempo que colocamos a necessidade evidente de uma política patriótica e de esquerda.

Sr. Presidente,
Sr. Primeiro-Ministro,

Houve uma derrota que ainda aqui não foi falada, a da ideologia das inevitabilidades, que tudo justificava e tudo impunha.

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