Projecto de Lei N.º 328/XII-2.ª

Determina a suspensão da constituição de novos agrupamentos escolares e estabelece o regime jurídico da reversão dos processos em curso

Determina a suspensão da constituição de novos agrupamentos escolares e estabelece o regime jurídico da reversão dos processos em curso

Preâmbulo

Em 2008, em pleno mandato do primeiro Governo PS/Sócrates, iniciou-se um processo de reconfiguração da rede escolar que viria a traduzir-se, tal como o Partido Comunista Português denunciara desde o primeiro instante, num autêntico golpe contra a natureza democrática da Escola Pública e num plano de encerramento de instalações e despedimento de profissionais da Educação. A pretexto da “racionalização” e da “eficácia”, torna-se a Escola Pública num instrumento irracional de formação profissional ineficaz, despedem-se milhares de professores e reduz-se o número de funcionários não docentes afetos ao sistema educativo para lá dos mínimos críticos.

Mais de 4500 escolas encerradas, aglomeração de milhares de estudantes em centros escolares distantes dos locais que habitam, mais concentração urbana e mais desertificação foram também efeitos desta estratégia que se apresentava como economicista para, na prática, funcionar como autêntico anúncio publicitário do Ensino Particular e contra a Escola Pública. Ao mesmo tempo, esse reordenamento da rede veio provocar aglutinações de escolas em agrupamentos, incluindo mesmo escolas secundárias – mesmo sem a devida cobertura legal – o que veio a justificar a aprovação na Assembleia da República de um Projeto de Resolução do Grupo Parlamentar do PCP que determinava a suspensão do processo e a elaboração de uma Carta Educativa Nacional como instrumento de planificação da Rede Escolar.

A autonomia das escolas, a qualidade do ensino, o devido acompanhamento dos estudantes por professores e funcionários não docentes, por profissionais das Ciências da Educação e Psicologia, bem como a proximidade e a gestão democrática das escolas foram substituídas por uma estrutura autocrática, governamentalizada e cada vez mais empresarializada. Além disso, foram criados agrupamentos e os chamados “mega agrupamentos” que congregam sob a mesma unidade orgânica milhares e milhares de estudantes, sem qualquer limitação de ordem pedagógica, afastando a administração escolar do primeiro objetivo que lhe deve caber: o de ensinar e garantir a eliminação das assimetrias cognitivas da população, assim combatendo as sociais.

A burocratização do trabalho de gestão e administração escolar, a diminuição dos créditos de escola, e a forma como os sucessivos governos vêm determinando a organização dos anos letivos e a componente letiva e não letiva do horário dos professores, determinam uma escola cada vez menos humanizada e orientada exclusivamente para o preenchimento administrativo de requisitos determinados pelo padronamento neo-liberal que encontra nas avaliações e orientações da OCDE, cada vez mais, o alfa e o ómega de todos os problemas do ensino.
No entanto, independentemente das caracterizações que resultam da aplicação desses padrões, a realidade demonstra que a Escola Pública em Portugal se transfigura de uma Escola orientada para a eliminação das assimetrias e para a emancipação individual e coletiva dos cidadãos, partindo da abrangente formação da cultura integral do indivíduo, em uma Escola que funciona como um instituto de formação profissional em banda estreita e ao serviço dos interesses flutuantes e efémeros do mercado.

O processo de reorganização da rede foi, desde o seu início, marcado por oposição frontal de municípios, escolas e órgãos pedagógicos das escolas, muitas vezes envolvendo pais e comunidades locais. Ainda hoje, já em período de vigência dos diplomas legais que dão cobertura a este processo injusto, professores, diretores, conselhos municipais de educação, autarquias, conselhos pedagógicos, se opõem a este processo de erosão da autonomia escolar. Todavia, apesar de terem mostrado simpatia para com a luta das populações escolares durante o Governo PS, PSD e CDS não demonstram agora nenhuma disponibilidade para assegurar a democraticidade da gestão da rede escolar e impõem, sem qualquer contemplação, a mesma receita de “austeridade educativa”, particularmente no que toca à determinação da agregação de escolas a todo o custo, extinguindo órgãos designados à luz da legislação e nomeando a seu bel-prazer os novos rostos da administração escolar, como se as escolas fossem suas e não do povo português e daqueles que com seu próprio esforço as construíram e ergueram dos escombros do regime fascista, fazendo florescer uma verdadeira Escola Pública em Portugal.

Unidades orgânicas com mais de 4000 estudantes, com mais de 500 professores, sob a orientação de um único diretor submetido por sua vez à cadeia de comando do Governo, que passa pelo Ministério da Educação são o exemplo maior das consequências de um reordenamento da rede escolar que não passa, na realidade, de um encerramento e despedimento massivo sem qualquer intenção de ordenar coisa alguma. Por tudo isso, mas também porque urge defender as características fundamentais da Escola Pública e afirmá-la como parte incontornável para a situação dramática que o país atravessa, o Grupo Parlamentar do PCP propõe a suspensão do designado processo de reordenamento – à semelhança do que propôs e viu aprovar na Assembleia da República através do Projeto de Resolução nº 190/XI com os votos favoráveis do PSD e CDS – e a reversão das agregações impostas contra a vontade das escolas ou autarquias. Da mesma forma, o PCP propõe que seja recuperada a formulação legislativa inicial para a constituição de agrupamentos, atribuindo a capacidade de propor e decidir sobre a sua necessidade e vontade de agregação às escolas, assegurando a sua autonomia.

Nesses termos, ao abrigo das disposições regimentais e constitucionais aplicáveis, os Deputados do Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português apresentam o seguinte Projeto de Lei:

Artigo 1.º
Objeto

A presente lei determina a suspensão da constituição de novos agrupamentos escolares e estabelece o regime jurídico da reversão dos processos em curso, assegurando a autonomia escolar e a cooperação com os órgãos das autarquias locais.

Artigo 2.º
Suspensão dos processos em curso

1. A constituição de agrupamentos ou a agregação de estabelecimentos de ensino a agrupamentos pré-existentes fica suspensa, sem que sejam constituídos os órgãos de gestão previstos no Decreto-Lei n.º 75/2008, de 22 de Abril e no Decreto-Lei n.º 224/2009, de 11 de setembro, nem extintos os de qualquer escola, independentemente da proposta apresentada pela administração escolar.
2. A suspensão referida no número anterior mantém-se até à apresentação, pelo Governo, de uma Carta Educativa Nacional.

Artigo 3.º
Reversão dos processos

1. Nos casos em que se verifique oposição de um dos estabelecimentos de ensino a agregar ou agrupar, por expressão dos seus órgãos de gestão, é revertida a sua constituição em agrupamento com outro estabelecimento de ensino ou a sua agregação a agrupamento já existente.
2. Nos casos em que se verifique parecer desfavorável à agregação ou agrupamento por um município, é revertida a constituição de todo o agrupamento ou o processo de agregação em curso até à reconstituição da situação pré-existente.
3. Nos casos de reversão, de acordo com os números anteriores, são reconstituídos integralmente os estabelecimentos de ensino, incluindo os seus órgãos de gestão, tendo como referência o ano de 2010 para a definição da situação pré-existente.
4. Havendo lugar a reversão, nos termos dos números anteriores, a gestão do corpo docente e não-docente, bem como dos recursos materiais dos estabelecimentos de ensino é realizada nos termos em que se realizava na situação pré-existente.
5. Não há reversão para uma situação pré-existente, desde que se verifique uma das seguintes condições:
a) Não existam escolas secundárias agregadas ou agrupadas no agrupamento em causa;
b) Não tenha existido manifestação contrária à agregação ou agrupamento por parte de nenhuma das escolas envolvidas;
c) Não tenha existido manifestação contrária à proposta da administração escolar por parte das autarquias competentes.

Artigo 4.º
Carta Educativa Nacional

1. A Carta Educativa Nacional é um instrumento legislativo de planificação da rede escolar.
2. A Carta Educativa Nacional contempla a planificação local da rede de ensino prevista nas Cartas Educativas Municipais e é discutida, antes da sua aprovação pelo Governo, por cada município tendo como referência o seu território administrativo e a rede escolar próxima.
3. A Carta Educativa Nacional articula-se com as Cartas Municipais, não sendo hierarquicamente superior nem inferior.
4. A Carta Educativa Nacional é definida para períodos de 10 a 15 anos e revista em cada 5 anos, definindo uma estratégia para a educação, para a escolaridade obrigatória e para o ingresso no Ensino Superior, tendo em conta as diversas realidades regionais, a necessidade de desenvolvimento regional e uma estratégia para a ocupação do território que potencie todos os recursos nacionais.
6. O Governo aprova a Carta Educativa Nacional no prazo de dois anos, ouvidas as autarquias locais.

Artigo 5.º

Alteração dos artigos 6.º e 7.º do Decreto-Lei n.º 75/2008, de 22 de abril, alterado pelo Decreto-Lei n.º 224/2009, de 11 de abril e pelo Decreto-Lei n.º 137/2012, de 2 de julho

1. O artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 75/2009, de 22 de abril, alterado pelo Decreto-Lei nº 224/2009, de 11 de setembro e pelo Decreto-Lei n.º 137/2012, de 2 de julho passa a ter a seguinte redação:

“Artigo 6.º
[…]
1 — O agrupamento de escolas é uma unidade organizacional, dotada de órgãos próprios de administração e gestão, constituída pela integração de estabelecimentos de educação pré -escolar e escolas de diferentes níveis e ciclos de ensino, com exceção de escolas secundárias e escolas profissionais, com vista à realização das seguintes finalidades:
(…).”

2. O artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 75/2008, de 22 de abril, alterado pelo Decreto-Lei n.º 224/2009, de 11 de setembro e pelo Decreto-Lei n.º 137/2012, de 2 de julho passa a ter a seguinte redação:
“Artigo 7.º
[…]

Para fins específicos, designadamente para efeitos da organização da gestão do currículo e de programas, da avaliação da aprendizagem, da orientação e acompanhamento dos alunos, da avaliação, formação e desenvolvimento profissional do pessoal docente, pode a administração educativa, mediante proposta dos agrupamentos de escolas e escolas não agrupadas ou ante pleno acordo das escolas e agrupamentos envolvidos, constituir unidades administrativas de maior dimensão por agregação de agrupamentos de escolas e escolas não agrupadas.”

Artigo 6.º

Recursos humanos

Sempre que o processo de reversão dos agrupamentos escolares envolver gestão ou afetação de recursos humanos, os trabalhadores afetados passam a integrar a administração pública central.

Artigo 7.º
Entrada em vigor

A presente lei entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação.

Assembleia da República, em 4 de janeiro de 2013

  • Educação e Ciência
  • Assembleia da República
  • Projectos de Lei