Declaração de Rui Fernandes, membro da Comissão Política do Comité Central do PCP, Conferência de Imprensa

Defesa Nacional e Forças Armadas

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1. O aprofundamento da desorganização e da desestruturação das Forças Armadas, tendo por base a repetida tese da insustentabilidade, é a marca política deste Governo na área da Defesa Nacional, neste seu primeiro ano de actividade. Uma insustentabilidade que o Ministro da Defesa Nacional (MDN) tem propalado como se o PSD não fosse um dos principais responsáveis, juntamente com o PS e o CDS, pelas desastrosas medidas que conduziram a instituição militar a esta situação, nomeadamente em relação ao reequipamento militar, à política de pessoal, à organização e à doutrina.

Em relação à doutrina, o MDN reduziu, na senda dos anteriores Governos, o seu pluralismo político a um conjunto de cerca de três dezenas de personalidades de pensamento único naquilo que é essencial, submisso às teses das inevitabilidades atlantistas e militaristas da União Europeia, que vão elaborar o chamado Conceito Estratégico de Segurança e Defesa Nacional (CESDN), na sequência de anteriores conceitos estratégicos, cujas teses enquadraram politicamente o rumo de desastre a que o país foi conduzido.

Teses que procuram agravar a nossa dependência face a países terceiros com a partilha de soberania, agora também através dos “modernos” e não menos comprometedores conceitos da smart defense e da pool and sharing, como se pudessemos pensar que outros tratam daquilo que nós próprios temos obrigação de fazer e como se, aliás como sempre, não funcionasse a hierarquia das potências como a História nos ensina. Tais concepções conduzem-nos a que seremos sempre nós a partilhar com os denominados aliados e não eles a partilhar connosco. Referir ainda que, à luz da Constituição da República, a própria denominação dada ao Conceito – Segurança e Defesa - não pode deixar de suscitar as mais sérias reservas, já que é bem clara a linha de demarcação entre Defesa e Segurança Interna.

Ainda a propósito do CESDN, importa sublinhar que o MDN não se dignou fazer chegar a todos os partidos com assento parlamentar o documento que servirá de base de trabalho para a sua elaboração - «Bases para um Conceito Estratégico de Segurança e Defesa Nacional», entretanto já comentado em artigos de opinião e na imprensa diária, e que foi elaborado no IDN. É verdade que estão na moda as mailing list e, pelos vistos, não são só para clippings...

2. Quanto à organização, teremos de novo alterações legislativas nomeadamente em relação à Lei de Bases da Organização das Forças Armadas aprovada, há três anos, pelo PS e PSD (com a complacente abstenção do CDS), contra a qual o PCP votou também pelos motivos que agora levam à sua alteração e contra a qual se fizeram ouvir diversas vozes da hierarquia militar. Pergunta-se: que estabilidade pode ter uma organização que é um dos pilares do Estado, quando ao fim de três anos, em que mal conseguiu digerir a legislação aprovada em meados de 2009, vê alterar uma vez mais a legislação base da sua estrutura? E, já agora, pergunta-se também qual o papel do Presidente da República e Comandante Supremo das Forças Armadas e da sua autonomia nesta matéria?

3. No que à política de pessoal diz respeito, este governo seguiu também as pisadas do anterior e a trapalhada parece não ter fim: são militares quando se trata de deveres, funcionários públicos quando se fala em direitos (promoções, vencimentos, regressões, saúde, apoios socias, Fundo de Pensões, etc). O resultado desta política, que estrangula carreiras e desarticula as áreas do apoio social e da saúde, é o mal-estar generalizado dos militares, da base ao topo, envolvendo oficiais, sargentos e praças e o indisfarçável reflexo que tem na instituição.

Em relação às promoções, sobram as promessas que se prolongam na indefinição do tempo e na visão economicista do governo, pondo em causa a gestão de legitimas expectativas dos militares e as necessidades de gestão de uma organização onde as promoções são um elemento estruturante da sua cadeia hierárquica e do seu funcionamento. O MDN, durante a discussão do Orçamento de Estado para 2012 afirmou várias vezes que não haveria sub-orçamentação na área do pessoal, mas a verdade é que, chegados aqui, a solução de que as notícias dão conta para resolver o problema não é solução. E não é porque cortar no valor dado aos militares em RC e RV para inserção na vida activa é trair uma expectativa legítima desses militares, é na opinião do PCP uma ilegalidade porque altera as bases do compromisso assumido entre o Estado e esses jovens e é, por fim, afastar a juventude das Forças Armadas. Cortar nas incorporações não pode deixar de ir causar a curto prazo agravados problemas de funcionamento. Por outro lado, as medidas anunciadas procuram responder a uma conjuntura concreta numa instituição onde as promoções fazem parte do normal andamento da Instituição e não queremos acreditar em qualquer outra solução que signifique um sistema de promoções só para alguns.

O Fundo de Pensões está descapitalizado e somam-se, inaceitavelmente, os atrasos nos pagamentos do complemento de pensão aos militares e aos cônjuges sobrevivos. Agora lá vem o anúncio de mais um estudo, dos muitos outros estudos que, de resto, não faltam, ao contrário da coragem para concretizar uma solução que há muito é clara: a alteração da lei permitindo que o seu financiamento não fique refém somente da venda de património que, como se tem visto, não dá resposta ao problema.

O Ministro repete que não há dinheiro, mas não é verdade que o MDN anunciou a semana passada a disponibilidade de 1 milhão de euros para enterrar no Afeganistão? Afinal, dinheiro há, mas para os mesmos do costume seja cá dentro ou lá fora, não há é para o que é preciso.

Notícias vindas a público sobre descontos não processados correctamente aos militares, com incidência na situação financeira do IASFA, e uma eventual medida de os efectivar retroactivamente, necessitando de melhor apuramento, coloca desde logo e mais uma vez um grave problema: o de alegadas práticas ilegais das chefias militares. Já vimos esta situação há poucos meses, tendo conduzido às regressões remuneratórias. Ou seja, em nove meses repetem-se notícias que dão conta de alegadas práticas ilegais com incidência na vida dos militares. Face à gravidade destas notícias, o PCP vai propor a audição do Governo e dos Chefes de Estado-Maior dos três ramos na Assembleia da República.

Afirma o MDN que as Forças Armadas gastam muito dinheiro com pessoal e que esta rubrica atinge na Marinha 80% e no Exército 86% dos respectivos orçamentos, apesar dos cortes nos vencimentos e do roubo nos subsídios. Esqueceu-se de dizer que o aumento destas percentagens não se deve ao aumento de pessoal mas sim ao corte drástico das verbas das rubricas da manutenção e das operações, reduzindo brutalmente a capacidade operacional e de manutenção das Forças Armadas cujas consequências, perigosas e previsíveis, o governo tem de assumir.

Consequências na capacidade de cumprirem as missões, designadamente as de interesse público. Como resultado, por exemplo, na Força Aérea o brutal corte nas horas de voo para o corrente ano terá consequências, entre outros aspectos, na falta de qualificações dos pilotos mais novos do quadro permanente com graves consequências no futuro operacional do ramo, e mesmo na carreira destes oficiais cuja progressão exige também um mínimo de horas de voo (o mesmo sucede no caso da Marinha) que não conseguirão atingir. O mesmo se passa com os pilotos do quadro de complemento que têm o curso mas não as qualificações necessárias, não estando a voar e pondo em causa a razão de ser do seu recrutamento e do investimento feito na sua formação. A este propósito, importa sublinhar que a Força Aérea tem meios aéreos mas não consegue qualificar os seus pilotos, enquanto o Exército não tem meios aéreos, e provavelmente não os virá a ter, mas há 10 anos que tem pilotos e que tem feito as suas qualificações em Espanha.

4. O reequipamento militar e a operacionalidade das Forças Armadas eram bandeiras daquilo a que o MDN chamou “um novo contrato de confiança”, envolvendo sinergias e ganhos de eficiência na utilização de todos os recursos, como por exemplo o envolvimento da Força Aérea no apoio aos fogos florestais que, como se vê, este ano continuará a não se verificar.

Continuam a pontificar os interesses daqueles que, apoiados nos sucessivos governos do PS/PSD/CDS, levaram a que a Força Aérea tivesse deixado de participar, desde meados da década de 90, no apoio aos fogos florestais e conduziram à criação em 2007 da Empresa de Meios Aéreos, com extinção prevista, quando a Força Aérea é a organização vocacionada para gerir a frota de helicópteros nacional.

Aliás, já em 2007 a LPM falava na criação de uma Força Conjunta de Helicópteros, o que teria permitido introduzir verdadeiros critérios de racionalidade económica no seu emprego e manutenção mas, sobretudo, na sua aquisição, ao contrário de negócios megalómanos como a aquisição dos helicópteros NH90, negócio em que a NATO também encaixa alguns milhões de euros e a que urge pôr termo, ou os não menos dispendiosos e duvidosos contratos de aquisição e manutenção dos helicópteros EH101.

Talvez seja bom lembrar ao MDN que, entre outros, foram estes negócios concretizados pelo bloco central de interesses (que inclui o CDS) que contribuíram para a chamada situação de insustentabilidade das Forças Armadas. Um total de negócios, a que se pode juntar a aquisição dos submarinos, e cujo pagamento do leasing, só em juros, custa ao erário público cerca de 800 milhões de euros. Não está em causa o reequipamento militar das Forças Armadas mas sim as prioridades e as ruinosas opções de compra de equipamento, a que se juntam negociatas como o caso das Pandur, sendo que continua por se saber quais as medidas do Governo para defender o interesse nacional em relação às contrapartidas devidas (mais de 2 mil e duzentos milhões de euros).

Enquanto isto, continua por fazer a modernização dos C130 e a manutenção de diversos meios navais vai sendo protelada, ao mesmo tempo que o projecto dos navios patrulha oceânicos continua cada vez mais encalhado, confirmando o alerta há anos feito pelo PCP de que, a prosseguir este rumo, Portugal acabaria por ter aquilo que prioritariamente não necessitava e não teria aquilo que há muito necessita.

Por fim, e ao contrário daquilo que é a prática corrente dos sucessivos Governos, o PCP considera que muito haveria a ganhar se fossem tidas em conta as preocupações e propostas oriundas do movimento associativo militar. Como é fácil de constatar, muitos dos problemas existentes, nomeadamente nas áreas de pessoal, foram, a seu tempo, objecto de alerta e proposta das associações, mas o destino que as mesmas tiveram da parte dos sucessivos Governos foi o de ignorarem. Estamos chegados aonde estamos, com um enorme mal-estar e descontentamento que tem responsáveis – o PS, PSD e CDS-PP, a sua cumplicidade nas opções tomadas ano após ano e que, como a presente situação revela, se mantém.

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