Intervenção de António Filipe na Assembleia de República

"Nestas eleições, não há vencedores do lado da troika"

Declaração política salientando os resultados positivos obtidos pela CDU, coligação que integra o PCP, nas eleições para o Parlamento Europeu bem como a derrota dos partidos da coligação governamental, que considerou não ter legitimidade para continuar a governar o País, e defendeu a convocação de eleições
Sr.ª Presidente,
Srs. Deputados:
No passado dia 25, a CDU conseguiu o seu melhor resultado em eleições para o Parlamento Europeu dos últimos 25 anos. Aumentou de dois para três o número de Deputados eleitos, apesar da redução do número de Deputados portugueses ao Parlamento Europeu e aumentou o número absoluto de votos, apesar do aumento sensível da abstenção.
Este avanço eleitoral é significativo do reconhecimento, por parte de um número cada vez maior de portugueses, da força política que, de forma mais persistente e coerente, não só se tem oposto à política de direita e ao caminho de desastre para que os partidos da troica têm arrastado o País, como, resistindo a omissões, deturpações e falsificações das suas propostas, se afirma uma grande força política nacional, portadora de um projeto político de defesa dos interesses do povo e do País e uma força indispensável para a construção de uma alternativa patriótica e de esquerda para Portugal.
Sr.ª Presidente e Srs. Deputados,
Outro facto indesmentível que resulta das eleições para o Parlamento Europeu do passado domingo é a colossal derrota da maioria PSD/CDS-PP. A coligação Aliança Portugal, com 27,7 % dos votos, averbou uma derrota histórica. Teve o mais baixo resultado de sempre do PSD e do CDS, juntos ou coligados, não apenas em eleições para o Parlamento Europeu mas em qualquer ato eleitoral.
A clara derrota da direita nas eleições para o Parlamento Europeu veio dar expressão eleitoral à luta dos trabalhadores e do povo português contra o empobrecimento, contra o desemprego, contra os cortes de salários e pensões, contra os ataques aos direitos dos trabalhadores, contra o encerramento de escolas, de centros de saúde e de serviços públicos, contra a privatização de empresas que prestam serviços públicos essenciais, contra o corte de prestações sociais, contra o saque fiscal dos rendimentos do trabalho, contra o aumento das desigualdades, contra os privilégios dos poderosos.
Pretendem a atual maioria e alguns comentadores ao seu serviço esconder a dimensão da derrota por detrás do resultado do Partido Socialista, como se as eleições fossem travadas a dois, como se não houvesse mais mundo e mais gente para além da troica e dos partidos que a integram.
O resultado eleitoral da coligação PSD/CDS é uma contundente derrota da política de direita e do Governo que a executa. Uma coligação de Governo que conta com o apoio de pouco mais de 900 000 eleitores não tem legitimidade para governar o País.
Para este Governo, para esta maioria, só há uma saída limpa, que é pela porta fora, com a demissão do Governo, com a dissolução da Assembleia da República e com a convocação de eleições que permitam ao povo português traduzir em eleições legislativas o claro veredicto que exprimiu nas eleições para o Parlamento europeu.
Mas estas eleições não representam apenas uma derrota para a atual maioria, representam uma derrota da política de direita, de subserviência perante os poderosos da União Europeia e de abdicação dos interesses nacionais, que tem vindo a ser prosseguida desde há 37 anos pelos três partidos que têm governado o País e que o entregaram nas mãos da troica.
O PS, o PSD e o CDS-PP, que até há dez anos obtinham votações somadas superiores a 80%, não chegaram, desta vez, a 60%. À clamorosa derrota dos partidos da direita, não correspondeu uma vitória do PS que lhe permita aspirar à alternância que tem marcado os últimos 37 anos.
As eleições para o Parlamento Europeu traduzem o colapso político do atual Governo e da sua maioria, mas representam também o colapso da alternância sem alternativa. A dança de cadeiras entre o PS, o PSD e o CDS-PP, em que os protagonistas alternam no exercício do poder para que tudo fique mais ou menos na mesma, sofreu também uma clara condenação nas urnas.
O ambiente político-mediático que resulta destas eleições é curiosamente elucidativo: o PS chora a vitória, o PSD e o CDS cantam derrota. Ou seja, não há vencedores do lado da troica.
Sr.ª Presidente e Srs. Deputados,
O Grupo Parlamentar do PCP, ao apresentar a moção de censura que será discutida na próxima sexta-feira, retirou destas eleições as ilações que não podem deixar de ser retiradas e assume por inteiro as suas responsabilidades perante o povo português.
Ninguém compreenderia que, perante a dimensão da derrota que os portugueses impuseram nas urnas aos partidos do Governo, os Deputados voltassem à Assembleia da República e voltassem as costas ao povo como se nada tivesse acontecido, como se a atual maioria tivesse legitimidade para impor mais sacrifícios ao povo português, como se a vontade manifestada pelos eleitores portugueses não contasse para nada.
Ao apresentar uma moção de censura ao Governo, o Grupo Parlamentar do PCP dá corpo e voz, na Assembleia da República, à censura ao Governo que o povo português depositou nas urnas de voto.
O caminho para o abismo económico e social trilhado pelo atual Governo e o desprezo pelos interesses do povo e do País há muito evidenciavam um Governo e uma maioria política e socialmente isolados pela luta dos trabalhadores e do povo e irremediavelmente derrotados.
Porém, à falta de legitimidade política de um Governo que pratica uma política fora da lei e em confronto com a Constituição da República Portuguesa, soma-se agora a ilegitimidade democrática que resulta da devastação da sua base eleitoral.
Perante o rumo de desastre económico e social para o qual o País está a ser arrastado, não há nenhuma outra saída digna e democrática que não seja a dissolução da Assembleia da República e a convocação de eleições antecipadas.
E se, contra a vontade do povo português, o PSD e o CDS-PP se mantiverem entrincheirados atrás da sua maioria parlamentar para se agarrarem ao poder, competirá ao Presidente da República retirar as ilações que se impõem e dar a palavra ao povo para que seja reposto o normal funcionamento das instituições democráticas.
(…)
Sr.ª Presidente,
Sr. Deputado Nuno Encarnação,
Se não percebe o que é que o PCP pretende é porque não quer. Aquilo que o PCP propõe para Portugal é muito claro e é assumido.
O Sr. Deputado disse que a CDU não foi a primeira força nestas eleições, e não foi. Também não dissemos que foi; o que dissemos, e isso para nós é claro, é que a CDU foi uma força política que se reforçou nestas eleições, quer em termos absolutos, quer em termos relativos, e que aumentou a sua representação. Este é um dado, e o Sr. Deputado não o desmentiu. É igualmente um dado que esta maioria PSD/CDS teve o mais baixo resultado eleitoral da sua história — também não sabemos qual é o peso eleitoral do CDS!
Quer tenham concorrido em separado, quer tenham concorrido em coligação, este foi o mais baixo resultado, em termos relativos e em termos absolutos, do PSD e do CDS em toda a sua história política. E o Sr. Deputado acha que não se devem retirar ilações disso?!
Há uma condenação tão clara, por parte do povo português, daquela que tem sido a política seguida pelo Governo da atual maioria e o Sr. Deputado acha que devíamos chegar aqui e fazer de conta que não aconteceu nada neste País?! Fazer de conta que o povo português não se expressou de uma forma clara relativamente ao atual Governo e à atual maioria ao impor-lhe uma derrota desta dimensão nas eleições para o Parlamento Europeu?!
Sr. Deputado, achamos que o povo português apresentou uma clara moção de censura a este Governo e a esta maioria nas eleições para o Parlamento Europeu e que é nosso dever, na Assembleia da República, traduzir essa censura do ponto de vista institucional. É isso que fazemos, assumindo todas as nossas responsabilidades.
O Sr. Deputado disse que o Partido Comunista se quer apresentar como um partido apenas do contra, sem quaisquer propostas. Sr. Deputado, há muitas centenas de milhares de portugueses que vivem em autarquias governadas pela CDU e que não se dão mal com isso.
Aparentemente, nas últimas eleições autárquicas, houve muitos eleitores que viviam em municípios presididos por autarcas do PSD que se deram mal com isso e que decidiram mudar.
A ação dos autarcas da CDU no poder local é bem demonstrativa de que o PCP não é um partido do contra. O PCP é um partido que quando entende que deve manifestar o seu protesto juntamente com o povo português o faz. Mas também é um partido que tem um projeto, que tem propostas e que assume todas as suas responsabilidades, inclusivamente as governativas.
Quando for da vontade do povo português que o Partido Comunista Português assuma responsabilidades governativas, ele não fugirá a essas responsabilidades.
Sr. Deputado, também lhe digo que resulta claramente destas eleições para o Parlamento Europeu, que não há alternativa à esquerda para o nosso País que possa dispensar o contributo do PCP.
Esta é uma responsabilidade que o PCP assume perante o povo português e à qual nunca fugirá, pode o Sr. Deputado ficar absolutamente certo disso.
(…)
Sr.ª Presidente,
Sr.ª Deputada Cecília Honório,
Queria agradecer o seu pedido de esclarecimento e as palavras que dirigiu ao PCP e à CDU e quero também saudar o Bloco de Esquerda pela presença que teve nesta campanha eleitoral, em que se debateu dignamente pelas propostas que defende para Portugal e para a Europa.
A Sr.ª Deputada referiu aqui dois aspetos relativamente aos quais eu gostaria de tecer algumas considerações, nomeadamente sobre a elevada taxa de abstenção.
Este é, de facto, um problema que deve ser analisado quer a nível nacional quer a nível europeu. Verificámos que a maioria dos cidadãos europeus sente uma enorme distância relativamente às instituições europeias, que se refletiu em Portugal e em outros países, com taxas de abstenção superiores a 80%, como se verificou em alguns países.
Portanto, isto é elucidativo da distância a que as instituições europeias se encontram dos cidadãos, o que não admira. O que não admira! Basta vermos como são tomadas as decisões na União Europeia, basta vermos como são tomadas e executadas as decisões, independentemente da vontade dos povos, para verificarmos que há razões para que os povos se sintam divorciados das instituições europeias.
Mas há também, em Portugal — e isso é muito nítido —, um descontentamento que muitos cidadãos expressam não indo votar, votando nulo ou votando em branco.
Isso é preocupante, mas não autoriza que se diga aquilo que o Sr. Deputado Filipe Lobo d’Ávila aqui há pouco dizia, ou seja, que os cidadãos que não foram votar não estão contra a política do Governo… Um pouco a ideia de «quem cala consente»!
Ora bem, Sr. Deputado, há uma coisa de que não temos dúvidas e falámos com muitos cidadãos nesta campanha eleitoral e ouvimos muitos que entendiam a sua abstenção como um voto de protesto. E nós dizíamos a esses cidadãos que a abstenção não é um voto de protesto; um voto de protesto é votar contra o que não se quer, porque uma abstenção é um não-voto. E o cidadão, quando se abstém, ao que vai dar azo é que, depois, venham aqui intervenções, como a do Sr. Deputado Filipe Lobo d’Ávila, a dizer que se não votaram, não votaram e «quem cala consente»! Isto quando sabemos e temos consciência de que se muitos dos cidadãos que se abstiveram, porventura a maioria, tivessem ido votar, seguramente, não era para apoiar a política deste Governo, era, precisamente, para o contrário.
Infelizmente, não foram votar! Infelizmente, permitiram que outros decidissem por eles e é um grande trabalho de cultura democrática e de pedagogia democrática trabalhar para que os cidadãos não se abstenham e manifestem a sua vontade nas urnas.
Mas a Sr.ª Deputada referiu ainda um outro aspeto muito relevante que respeita ao tratado orçamental.
Também ficou claro nestas eleições o repúdio às orientações que têm prevalecido na União Europeia e em Portugal em matéria orçamental. Porque há uma coisa que é clara: não se pode dizer que se é contra a austeridade e, ao mesmo tempo, que se aceita o tratado orçamental. É absolutamente contraditório! Não é possível aceitar as imposições do tratado e, ao mesmo tempo, dizer que queremos aliviar a austeridade que tanto tem sacrificado o povo português.
É preciso, Sr.ª Presidente e Srs. Deputados, que as forças políticas assumam, claramente, que o único caminho para Portugal, o único caminho para que o povo português possa viver melhor, passa por rejeitar frontalmente o conteúdo deste tratado orçamental que asfixia a economia portuguesa.

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