Intervenção de Jerónimo de Sousa, Secretário-Geral do PCP, Audição com trabalhadores «Nem um direito a menos. Valorizar o trabalho e os trabalhadores»

Nem um direito a menos. Valorizar o trabalho e os trabalhadores

Ver vídeo

''

O PCP lançou ontem uma Jornada nacional de contacto com os trabalhadores, integrada na Campanha Valorizar o Trabalho e os Trabalhadores. Não à Exploração!, com dezenas de iniciativas em todas as regiões do continente e das regiões autónomas, que continuam pelo dia de hoje e se prolongarão pelas próximas semanas.

Estamos onde sempre estivemos. Com os trabalhadores e o povo, auscultando os seus problemas, denunciando os atropelos aos seus direitos, fazendo propostas para responder às suas reivindicações e anseios.

Alguns julgaram poder amarrar-nos para nos calar, procuraram empurrar-nos para trás dos ecrãs de computadores ou de telemóveis, para limitar a nossa intervenção.

Enganaram-se! Lá, onde estiveram os trabalhadores a assegurar a produção, esteve sempre o PCP a reclamar condições de trabalho. Lá, onde centenas de milhar viram os seus salários reduzidos pela aplicação do lay-off, esteve o PCP a dizer que não pode ser. Lá onde o desemprego bateu à porta de tantos homens e mulheres levantou-se o PCP a dizer, proíba-se!

Deste Partido Comunista Português, não se poderia esperar outra coisa. Determinação. Confiança. Luta.

“No combate ao vírus, nem um direito a menos”. É este o mote que por estes dias leva milhares de camaradas à porta de empresas e locais de trabalho, sublinhando o que tantas vezes temos dito.

O vírus pode matar e é preciso evitar a sua propagação e defender todas as vidas. Mas não podemos esquecer aqueles que têm a sua vida destruída porque perderam o emprego, o seu salário, perderam direitos individuais e colectivos.

E é por isso que esta acção visa, em primeiro lugar, fazer a denúncia da tentativa que está em marcha para tornar as relações laborais numa autêntica lei da selva. Uma operação que não é nova, mas que encontrou no surto epidémico de Covid-19 o pretexto de ocasião ideal para ir tão longe quanto certos sectores do capital consigam nesta fase, e para que o que avançarem agora possa permanecer para o futuro.

Alteração unilateral de horários, redução de salários e outras remunerações, negação do uso dos direitos de maternidade e paternidade, são apenas alguns dos exemplos que marcam a vida de milhares de trabalhadores.

Esta acção visa, por outro lado, denunciar o escândalo da transferência de milhares de euros para empresas com lucros milionários e que, na primeira oportunidade, aproveitaram para transferir para os trabalhadores e para a Segurança Social uma boa parte dos seus custos. Empresas, muitas delas multinacionais, que beneficiam de milhões de euros de apoios públicos em projectos, que enchem a boca com a conversa da responsabilidade social, mas que agora, na primeira curva, a esqueceram.

Veja-se o caso de um grupo económico que meteu 500 trabalhadores em lay-off, mas que, passados poucos dias, anunciou a compra de 30% de uma grande empresa de Comunicação Social. Dinheiro há, como está a vista!

Aspecto particularmente significativo é o de mais de 50% das grandes empresas, terem recorrido ao lay-off, enquanto apenas 8% das pequenas empresas usaram esse expediente.

Acção que pretende ainda dar voz a todos os que perderam o seu emprego e aquilo que sabemos é que, desde o início de Março, serão já mais de cem mil. Cem mil empregos. Cem mil vidas. Cem mil casas para pagar. Cem mil contas mensais. Tantos deles com filhos.

A precariedade deu uma ajuda preciosa. Contratos em fim do prazo, trabalhadores em período experimental, alargado no final da anterior legislatura para 180 dias, falsos recibos verdes, trabalhadores em empresas de trabalho temporário, foram peças facilmente descartáveis, nesta ocasião. Dir-nos-ão que uma parte destes despedimentos está conforme com a lei. Até pode ser. Mas se a lei permite esta desumanidade de correr com os trabalhadores na altura em que eles mais precisam, então fica evidente que é necessário mudar a lei.

Sim. A culpa não é do vírus, a precariedade era já a marca de fogo das relações laborais em Portugal. A culpa é dos que a usam como regra nas suas empresas e dos que legislam por forma a permitir este escândalo.

Acção que procurará por fim dar a conhecer aos trabalhadores que, neste tempo, houve um Partido, o Partido Comunista Português, que, interpretando o sentimento, as necessidades e as aspirações dos trabalhadores e do povo, procurou por todos os meios reclamar a resolução dos seus problemas, assumindo uma atitude de proposta no quadro da Assembleia da República, com esse objectivo.

Do conjunto de propostas que apresentámos ao longo destas semanas, gostaria de destacar aqui três delas.

Desde logo a da proibição de despedimentos neste período, envolvendo a reposição dos vínculos de todos os entretanto despedidos.

Trata-se de uma medida de elementar justiça. Como pode ser aceitável que os trabalhadores sejam tratados como meras peças da engrenagem das quais o capital se descarta na primeira ocasião?

Perguntarão, mas o que fazer quando as empresas foram forçadas a suspender a sua actividade? O PCP propôs que se garantisse o salário dos trabalhadores através de um fundo a criar no âmbito do Orçamento do Estado, para as empresas que precisassem dessa ajuda.

Sempre dirão que é preciso percebermos que não há dinheiro, ao que bastará responder com duas palavras. Novo Banco. Enquanto uns se entretêm com a discussão sobre se deve haver ou não auditoria, para o Novo Banco, tal como aconteceu nos últimos anos para a banca na generalidade, escorrem milhares de milhões de euros sem que os bancos fiquem na posse do povo português.

Proposta que se deve associar à justa revindicação de garantir a todos os trabalhadores a remuneração a 100%. Esta é uma medida não apenas justa para quem se encontra completamente disponível para trabalhar a 100%, como é necessária para não aprofundar traços de uma recessão que se avizinha e que, a não ser sustida, recairá, uma vez mais, sobre os trabalhadores e o povo.

Destaque também para a proposta de regulamentação do subsídio de insalubridade, penosidade e risco, para os trabalhadores dos sectores público e privado, a que se deve somar a exigência de um subsídio extraordinário para todos os trabalhadores, que permaneceram no trabalho em funções particularmente expostas.

Trabalhadores da saúde, da recolha de lixo, do comércio, forças de segurança, tantas profissões às quais sobraram os agradecimentos populares, de forma sincera e sentida e as boas palavras institucionais e do patronato, mas que agora, na hora de as valorizar de facto, assobiam para o lado.

Sublinhamos aqui ainda a proposta, que deu entrada nos últimos dias na Assembleia da República, de criação de um apoio extraordinário de protecção social a trabalhadores sem acesso a outros instrumentos e mecanismos de protecção social, designadamente trabalhadores com formas de prestação de trabalho atípicas, como sejam o trabalho à hora e ao dia.

Estamos a falar de milhares de trabalhadores cujos rendimentos eram já muito baixos e muitas vezes intermitentes, que ficaram sem qualquer fonte de rendimento, aos quais é preciso acudir.

Propostas que associadas à emergência nacional que constitui o aumento geral de salários e a valorização das carreiras e profissões, bem como a revogação das normas gravosas da legislação laboral e em particular da caducidade da contratação colectiva e da reposição do princípio do tratamento mais favorável se impõem como medidas imediatas de valorização do trabalho e dos trabalhadores, no quadro da política patriótica e de esquerda que, assumindo a ruptura com anos de política de exploração e empobrecimento, dê resposta aos problemas do País.

Para combater os impactos do surto epidémico e garantir o futuro do País, Portugal precisa, de facto, de uma política alternativa, patriótica e de esquerda, que assegure o emprego, defenda os salários e os direitos dos trabalhadores e do povo, reforce os serviços públicos, promova a produção nacional e assegure o investimento, necessários a um caminho soberano de desenvolvimento.

Uma luta, uma alternativa e um caminho que impõe: a libertação do País da submissão ao Euro articulada com a renegociação da dívida pública; a valorização do trabalho e dos trabalhadores; a defesa e promoção da produção nacional e dos sectores produtivos; o controlo público da banca e a recuperação para o sector público dos sectores básicos e estratégicos da economia; a garantia de uma administração e serviços públicos ao serviço do povo e do País; uma política de justiça fiscal e de combate aos privilégios do grande capital; defender o regime democrático e o cumprimento da Constituição da República Portuguesa, o aprofundamento dos direitos, liberdades e garantias, o combate à corrupção e a concretização de uma justiça independente e acessível a todos.

Toda a evolução da situação mostra que o grande capital está a usar a actual situação para impor uma ainda maior concentração e centralização da sua riqueza, à custa de uma ainda mais violenta exploração e acrescidos ataques aos direitos, às liberdades, à democracia, à soberania.

Cada um de vós, nos vossos testemunhos, poderá trazer aqui a expressão viva destas nossas inquietações.

No ataque aos direitos dos trabalhadores e na ofensiva ideológica em curso para assegurar que, nos tempos próximos, por causa do combate à doença, por um lado e da salvação da economia, por outro, se tornam aceitáveis essas limitações, avulta o ódio que votaram à realização da jornada de luta do 1º de Maio.

Convocaram todos os meios para a criticar, puseram todos os escribas do costume a afiar as facas contra os seus organizadores, silenciaram todas as vozes e todas as evidências que provaram que essa jornada era não apenas indispensável, como grito de alerta e de reivindicação perante os atropelos que aqui se vêm, mas também era possível de realizar cumprindo todas as regras de segurança recomendadas pelas autoridades competentes.

A corajosa decisão da CGTP-IN, a grande central sindical dos trabalhadores portugueses, de estar onde sempre esteve, no coração da luta pelos direitos de quem trabalha, sendo capaz de se adaptar e de fazer acções que nada têm a ver com outras memoráveis jornadas, dizem bem da ligação desta organização a todos os que representa.

Neste tempo que deixa à evidência a natureza exploradora, predadora e agressiva do capitalismo e o seu carácter profundamente desumano, cada trabalhador que ficou sem o emprego, cada um a quem está a ser cortado 30% do seu salário, ou muito mais do que isso, aqueles a quem estão a ser exigidas o cumprimento de funções sem condições, aqueles que estão em teletrabalho, mas têm, ao mesmo tempo, que cuidar dos seus filhos, substituindo-se à escola que está fechada, os que viajam em transportes apinhados, os que viram as suas férias esgotadas nos dias que passavam sem saber qual a sua situação, todos os que ainda hoje não sabem qual é a sua situação, a não ser que não estão a trabalhar e não estão a receber, todos eles confirmaram nestes dias que podem contar connosco.

Para a denúncia, para a proposta, para a luta que continua.

Vamos agora ao debate, que enriquecerá o nosso conhecimento e experiência destes tempos tão difíceis.