Intervenção de Bernardino Soares na Assembleia de República

"Não pode haver nenhuma hesitação, demissão imediata do Governo e convocação de eleições"

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Senhor Presidente,
Senhores Deputados,

A situação política do nosso país é hoje tão insustentável como já era a situação económica e social. O Governo já há muito não tem a legitimidade política para continuar; é um Governo em avançado estado de putrefação política que procura vingar-se da rejeição que os portugueses lhe dedicam e, no seu estertor, pratica uma política do quanto pior melhor.

O despacho do Ministro das Finanças é um sinal disso mesmo. A declarada ditadura das finanças sobre toda a administração pública e sobre os próprios colegas de Governo, é coisa própria de outro regime que não queremos que volte; não é coisa aceitável em democracia.

O Governo pratica uma política de terra queimada, quer criar o caos no Estado e no país para encontrar pretexto para a continuação do seu programa de destruição nacional. É de facto o quanto pior melhor!

Governo já está de facto a cair. Está a cair com os ministros e secretários de estado que anunciam as suas demissões e depois não se demitem de facto, com os restantes que teimam em ficar, com um primeiro-ministro que acha que firmeza e determinação é obedecer ao grande capital e à troica e impor ao povo e ao país.

Este Governo é sustentado neste momento apenas pelo Presidente da República. Foi debaixo da proteção do Presidente da República que o Governo se foi colocar na sequência do Acórdão do Tribunal Constitucional. O Governo é hoje um protetorado do Palácio de Belém.
Não causa admiração que o Presidente da República defenda a política do Governo. Ela foi sempre também a sua política e teve sempre o seu apoio.

O que não é aceitável é que se ignore que está hoje claramente em causa o regular funcionamento das instituições.

Está em causa quando o Governo, afirmando hipocritamente respeitar a decisão do Tribunal Constitucional, tudo fez para a condicionar antes e tudo faz agora para assacar aos juízes constitucionais a responsabilidade pelas consequências da política do Governo. Não foi o Tribunal Constitucional mas sim o Governo que inscreveu no Orçamento normas inconstitucionais. Não é o Tribunal Constitucional mas sim o Governo que ataca os direitos dos portugueses.

Quando o Governo repetidamente afirma que vivemos numa situação de exceção e com isso quer afastar o cumprimento dos direitos e das regras mais elementares, designadamente da Constituição, o que é isso se não pôr em causa o regular funcionamento das instituições?

Quando se prepara para determinar que o ensino obrigatório deixa de ser gratuito, que a saúde deixa de ter acesso para todos, que o desemprego deixa de ter subsídio, isso é pôr em causa o regular funcionamento das instituições.

Quando um Governo tem dois orçamentos consecutivos declarados inconstitucionais, o que é isso se não o comprometimento do regular funcionamento das instituições?

Quando o Ministro das Finanças e logo o Primeiro-ministro e o Governo determinam por despacho o condicionamento do funcionamento dos tribunais, das forças de segurança, das escolas, dos centros de saúde, das universidades, o que está em causa é o regular funcionamento das instituições.

Quando um ministro se demite publicamente e se mantém em funções uma semana depois, o que é isso se não pôr em causa o regular funcionamento das instituições?

O Presidente da República, confrontado com a opção entre o Governo por um lado e a Constituição e o país por outro, escolheu o Governo e deixou cair a Constituição e o país.

Rejeitamos a chantagem do Governo e da troica. Não nos venham outra vez com a mentira, que é a repetição dos PEC e da chamada da troica pelo Governo anterior, de que a única solução para assegurar o financiamento do Estado é submetermo-nos às ordens de destruição do pacto de agressão assinado com a troica. Para que serve esse financiamento se não tivermos economia, nem empresas, nem emprego, nem serviços públicos, nem direitos fundamentais.

A questão não é o que teremos de fazer para ter financiamento; a questão é o que teremos de fazer para ter economia, para ter emprego, para ter país.

O objetivo do cumprimento do programa não é, nunca foi, assegurar o financiamento do Estado; é o cumprimento do próprio programa, dos seus ataques e retrocessos.

Como se recupera o país sem produzir mais para dever menos? Como se recupera o país destruindo o sistema educativo e fazendo-o recuar em matéria de financiamento para o estado de há 10 anos atrás? Como se recupera o país sem investimento público de qualidade? Como se recupera o país sem melhoria dos salários e das pensões e reformas?

Como se recupera o país destruindo dezenas de milhares de micro, pequenas e médias empresas que constituem o essencial do nosso tecido económico e do emprego? Como se recupera o país destruindo os direitos dos trabalhadores e sujeitando-os a uma exploração máxima para um salário cada vez mais mínimo? Como se recupera o país deixando as pessoas sem acesso à saúde, sem tratamentos, sujeitas à doença e à morte antecipada? Como se recupera o país destruindo a proteção social e deixando sem qualquer rendimento centenas de milhares de pessoas, engrossando a pobreza extrema e os milhões que já estão na pobreza?

Não se recupera!

Com este programa não há saída para o país. Sem a sua rejeição não há futuro para o nosso povo.
Não pode haver nenhuma hesitação na exigência de demissão imediata do Governo e de convocação de eleições.

Não pode haver nenhuma dúvida de que para além da saída deste Governo, precisamos de outra política que recupere o país da situação onde está colocado.

Renegociar a dívida para garantir recursos ao investimento público e à dinamização económica, aumentar os salários e as reformas e pensões, produzir mais garantindo a criação de riqueza, lutar pela justiça social, eis um programa que, esse sim, assegurará um futuro melhor para Portugal e para os portugueses.

Cumprir a Constituição e respeitar os seus valores; defender os direitos políticos, económicos, sociais e culturais aí inscritos é que garante o caminho do progresso, da justiça e do desenvolvimento.

Disse,

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