Intervenção de António Filipe na Assembleia de República

"Não há distribuição de sacrifícios, a austeridade recai sobre os mesmo de sempre"

No debate na generalidade do Orçamento do Estado para 2014, António Filipe afirmou que o governo continua a querer passar a ideia de que não há dinheiro e por isso os cortes são para todos, mas não é assim, porque ao mesmo tempo que se rouba em salários e pensões, entrega-se ao capital financeiros partes importantes de benefícios fiscais e parcelas das funções do estado.

Aprova o Orçamento do Estado para 2014
(proposta de lei n.º 178/XII/3.ª)
Aprova as Grandes Opções do Plano para 2014
(proposta de lei n.º 177/XII/3.ª)

Sr.ª Presidente,
Sr. Primeiro-Ministro,

Não há guião de uma suposta reforma do Estado que possa esconder a verdadeira face desta proposta de Orçamento do Estado que hoje discutimos.

Na verdade, o Sr. Primeiro-Ministro pode dizer o que quiser, mas o que é facto é que não há distribuição de sacrifícios nesta proposta de Orçamento do Estado — há benefícios para uns e há sacrifícios para outros.

Sr. Primeiro-Ministro, é um facto que os encargos com as PPP vão aumentar 89%, mais de 1600 milhões de euros — para isso tem de haver dinheiro; vamos pagar mais de 8000 milhões de euros de juros da dívida — para isso tem de haver dinheiro; vamos ter disponíveis mais 6000 milhões de euros para apoio à recapitalização da banca — para isso tem de haver dinheiro. Corta-se em salários e em pensões de 600 €, porque, para esses, não há dinheiro.

Isto são factos.

O Sr. Primeiro-Ministro sabe que as 140 maiores empresas portuguesas pagam 11% de taxa efetiva de IRC. O Sr. Primeiro-Ministro sabe que, dos 3900 milhões de euros de medidas de consolidação orçamental, apenas 4%, isto é, 150 milhões de euros, incidem sobre a banca e o setor energético (as tais rendas excessivas), e que, em compensação, 82% destas medidas de consolidação orçamental, isto é, 3200 milhões de euros, são pagos com cortes (cortes nos salários, cortes nas pensões e despedimentos na função pública).

Isto são factos, Sr. Primeiro-Ministro. E contra estes factos não há argumentos. Ou seja, os que provocaram a crise continuam a beneficiar com ela e aqueles que não tiveram culpa nenhuma da crise e que vivem exclusivamente dos rendimentos do seu trabalho é que são chamados, com sacrifícios, a pagar a crise.

Sr. Primeiro-Ministro, a verdadeira face deste Orçamento é esta: 300 000 aposentados, com pensões acima dos 600 €, vão ter um corte médio de 10% nas respetivas pensões; o Governo vai buscar 100 milhões de euros aos cortes nas pensões de sobrevivência; 685 000 trabalhadores da função pública vão ter cortes nos seus salários e, desses, 305 000 trabalhadores têm salários entre os 600 € e os 1500 € e vão ver os seus salários cortados.

Tudo isto é feito com efeitos retroativos e a título definitivo, pois mais um aspeto deste Orçamento do Estado é que cai a máscara da transitoriedade. Nada disto é transitório, o Governo pretende que tudo isto seja definitivo, pelo menos enquanto o Governo o for.

A garantia que nós temos é a de que, enquanto tivermos este Governo e esta política à frente do País, estes cortes serão definitivos e só quando afastarmos este Governo é que os portugueses poderão recuperar aquilo de que têm sido esbulhados nos últimos anos.

Sr. Primeiro-Ministro, esta é uma proposta de Orçamento de clara afronta à Constituição — é mais um Orçamento que o faz, isso não é novidade. De facto, pela terceira vez consecutiva, temos um Orçamento do Estado que afronta princípios fundamentais constitucionais. Aliás, o Governo tem tanta consciência disso que todos os dias se repetem alusões ao Tribunal Constitucional, à Constituição, à necessidade de rever a Constituição.

É que, para esta política, há, de facto, um obstáculo, Sr. Primeiro-Ministro, que se chama Estado de Direito democrático — essa é a questão fundamental —, porque são princípios basilares de um Estado de Direito que o Governo afronta.

Se não, vejamos o que esteve na base das declarações de inconstitucionalidade de normas dos dois anteriores Orçamentos do Estado: a falta de respeito pelo princípio da igualdade, a falta de respeito pela proteção da confiança, a falta de respeito pela proibição do excesso nas restrições de direitos fundamentais. São estes os princípios que o Sr. Primeiro-Ministro quer arredar da Constituição, quando fala em revisão constitucional?

Quer consagrar constitucionalmente a desigualdade e a arbitrariedade?

Quer eliminar a proibição do excesso na restrição de direitos fundamentais? É isso que o Sr. Primeiro-Ministro quer ver revisto na Constituição?

O Sr. Primeiro-Ministro vai dizer-me que não, que o que quer é consagrar uma regra de ouro, que é o equilíbrio orçamental. Sabe, Sr. Primeiro-Ministro, de facto, há uma grande diferença entre nós: é que, para os senhores, a regra de ouro é a austeridade, enquanto que, para nós, é o Estado de Direito democrático.

E, Sr. Primeiro-Ministro, o que o seu Governo pretende é consagrar na Constituição austeridade, subvertendo todos os princípios fundamentais do Estado de Direito democrático. E quando o Sr. Primeiro-Ministro diz que, daqui a alguns meses, vamos ver-nos livres da troica, mas quer impor na Constituição a regra de ouro, isso é para quê?

É para constitucionalizar o protetorado, Sr. Primeiro-Ministro! Trata-se de constitucionalizar o protetorado e de tornar definitiva esta grave limitação da soberania nacional que estamos a sofrer com este Memorando da troica e com as políticas do seu Governo.

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