Projecto de Lei N.º 282/XI-1ª

Motociclo histórico

Cria o regime jurídico da declaração de conformidade do motociclo histórico

Preâmbulo

A preservação da memória histórica é um elemento importante para a cultura nacional e, em determinadas expressões, funciona também como um pólo dinamizador de práticas associativas ou individuais de coleccionismo. Existe em Portugal um imenso património de veículos motorizados de duas rodas cuja produção remonta há mais de trinta anos e que constituem nos dias de hoje autênticas peças da memória colectiva nacional.

Estes veículos, importantes na manutenção e dinâmica do movimento coleccionista ou apenas centro de um hobby praticado por alguns com a dedicação que naturalmente exige, correspondem a diversos períodos históricos, assim reflectindo quer as tendências estéticas quer as industriais de cada uma das épocas a que remontam, independentemente de serem ou não veículos de produção nacional.

Existe um mercado de importação deste tipo de veículos, mas existe também um importante movimento de recuperação e manutenção de motociclos antigos que já circularam em território nacional, movimento esse corporizado essencialmente por entusiastas do mundo das duas rodas e também por alguns coleccionadores de automóveis antigos. No entanto, embora se estime que possam existir cerca de 20 mil motociclos antigos mantidos em condições de preservação adequadas em Portugal, esse número poderia ser significativamente incrementado se o enquadramento legal permitisse considerar todo esse vasto património nacional como um legado cultural e histórico do país, embora sob tutela privada dos proprietários.

Para tal basta que a legislação regulamente formas expeditas de legalização e declaração de conformidade desses veículos, assim permitindo que seja alargado o número de veículos preservados, diminuindo o número de motociclos com valor histórico que são encaminhados para abate, que são desmantelados ou exportados ou que, pura e simplesmente, se degradam abandonados. Tendo em conta a forma como durante muitos anos a utilização do motociclo, particularmente de baixas cilindradas proliferou pelo país, existem ainda hoje diversos exemplares de veículos com relevante interesse histórico e cultural sobre os quais não existe porém qualquer tipo de registo de propriedade ou livrete.

No entanto, essa é uma das condições para a sua actual legalização por parte do proprietário. Isso significa que muitos potenciais coleccionadores não podem legalizar um motociclo, independentemente do seu valor cultural por ausência de documentos. Enquanto que no quadro dos automóveis muito raramente se coloca este problema, no âmbito dos motociclos é frequente encontrar veículos, designadamente os de baixa cilindrada e muitas vezes de produção nacional entretanto descontinuada, sem qualquer documento que os acompanhe. É frequente que famílias mantenham motociclos antigos que tenham vindo a passar de geração em geração sem que hoje se guarde a licença ou os documentos legais correspondentes ao motociclo.
O regime legal que o Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português agora propõe parte precisamente do princípio da agilização de procedimentos para que não se limite uma actividade essencialmente lúdica por motivos que se prendem principalmente com questões administrativas ou burocráticas, particularmente quando dessa actividade pode, em verdade, resultar benefício para a preservação a memória histórica nacional.

Simultaneamente e como resultado de um conjunto de contactos que o PCP levou a cabo com colecionadores e especialistas, importa alargar o conceito de veículo histórico, que actualmente se baseia na data de fabrico, para uma noção mais dinâmica que se baseie na idade do veículo contada a partir dessa data ou da sua primeira matrícula. Como já é praticado, por força das estruturas associativas do sector, na vertente automóvel, propõe também o PCP a contemplação legal de um regime de credenciação e declaração da conformidade com os requisitos técnicos, mecânicos e estéticos que faculte ao proprietário de cada veículo também a possibilidade de obviar ao cumprimento de requisitos legais definidos para automóveis e motociclos modernos. Não é justo ou sequer praticável exigir ao proprietário de um motociclo antigo com mais de 30 anos que o seu veículo cumpra os limites legais de emissão de dióxido de carbono ou de emissão de ruído. No entanto, não corre o país perigo de aumentar as suas emissões gases com efeito de estufa por esta via tendo em conta que o número de veículos no cumprimento da conformidade prevista no presente Projecto de Lei será sempre em número muito pouco importante no quadro geral do parque de motociclos nacional. Da mesma forma, o conceito dinâmico de “idade” em vez de “data de produção” faz com que o número de veículos antigos que não estejam em condições de cumprir as actuais limitações legais de ruído e emissão de anidrido carbónico tenda a ser um número estável ou decrescente.

Nesse sentido, o Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português, apresenta o seguinte Projecto de Lei:

Artigo 1º
Objecto

A presente lei regula o regime de matrícula, inspecção técnica periódica e homologação de motociclos históricos.

Artigo 2º
Definições

Para os efeitos da presente lei, entende-se por “Motociclo histórico”, todo o motociclo de duas ou três rodas, com ou sem carro lateral, desde que possua mais de 30 anos desde a data do seu fabrico ou da primeira matrícula, mantenha as características estéticas, mecânicas e ciclísticas de origem e se encontre em condições de circulação e manutenção adequadas.

Artigo 3º
Matrícula de identificação de Motociclo Histórico

1. Os motociclos históricos são identificados por chapa de matrícula própria, de dimensões ajustadas à necessidade de preservação das características estéticas do motociclo, podendo ser mantida a chapa de matrícula original.
2. Deve ser afixado em local visível do motociclo um dístico com a letra “H” em maiúscula que identifique a sua marca, o modelo e o ano de fabrico.
3. Os proprietários de motociclos sem matrícula podem requerer uma nova que respeite as características estéticas da época do fabrico do referido veículo.

Artigo 4º
Declaração de conformidade de Motociclo Histórico

1. A entidade federativa ou associativa nacional que tutela a prática do motociclismo e que seja dotada de utilidade pública desportiva, determinará o cumprimento dos requisitos técnicos para obtenção da declaração de conformidade do Motociclo Histórico, de acordo com as características de cada modelo e marca, tendo em conta o ano de produção, o qual constará de caderneta própria, emitida pela referida Federação.
2. As características e requisitos técnicos, estéticos, mecânicos e ciclísticos de cada modelo e marca, em função do ano de fabrico, são estabelecidos por regulamento técnico da referida entidade federativa ou associativa.
3. A caderneta referida no n.º 1 do presente artigo assegura e atesta a conformidade do motociclo em causa para efeitos do Registo Nacional de Motociclos Históricos e obtenção da chapa de matrícula.

Artigo 5º
Registo Nacional de Motociclos Históricos

A entidade referida no artigo anterior mantém actualizado um Registo Nacional de Motociclos Históricos, em função das declarações de conformidade que emitir, e envia anualmente um relatório ao Instituto da Mobilidade e Transportes Terrestres.

Artigo 6º
Identificação e Registo de Motociclos Históricos

1. A identificação e registo de motociclos históricos é da responsabilidade do Instituto da Mobilidade e Transportes Terrestres (IMTT), através da emissão da respectiva chapa mediante apresentação de declaração de conformidade e registo de propriedade, livrete ou documento único automóvel correspondentes ao motociclo em causa.
2. Na ausência de registo de propriedade, livrete ou documento único automóvel, o IMTT emite chapa de identificação desde que exista declaração de conformidade e não exista queixa apresentada aos órgãos de polícia criminal ou entidades judiciárias relativas ao seu roubo ou furto.
3. Para efeitos do número anterior é apresentada pela Polícia de Segurança Pública ou Guarda Nacional Republicana, consoante a área de jurisdição, uma declaração que atesta a inexistência de queixa relativa ao furto ou roubo do veículo.
4. As taxas a cobrar pelos serviços do IMTT referidos nos números anteriores serão definidas por portaria do Ministério da tutela.

Artigo 7º
Inspecções técnicas periódicas e renovação da declaração de conformidade

1. Os motociclos históricos estão sujeitos a inspecção técnica periódica a realizar de dez em dez anos pela entidade federativa ou associativa que tutela a prática do motociclismo e possua estatuto de utilidade pública desportiva, em articulação com os centros de inspecção automóvel e IMTT.
2. A validade de cada caderneta e declaração de conformidade é de dez anos, só podendo ser renovada em caso de verificação da conformidade em inspecção técnica periódica.
3. Os motociclos históricos são dispensados de outras inspecções periódicas, além das referidas na presente lei.

Artigo 8º
Dispensa de conformidade legal com os valores máximos de emissão de Dióxido de Carbono e ruído

Os motociclos históricos, desde que devidamente registados e associados a uma declaração de conformidade, estão dispensados de cumprir as limitações dos valores máximos de emissão de dióxido de carbono e ruído, constantes na legislação.

Artigo 9º
Regulamentação

O Governo regulamenta a presente lei no prazo de 120 dias.

Assembleia da República, em 20 de Maio de 2010

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