Declaração de José Casanova, membro do Comité Central, Conferência de Imprensa

Ministério da Cultura: continuidade de políticas, desinvestimento e desastre

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O PCP critica a política cultural do Governo e considera que, neste quadro, este Ministério da Cultura pode vir a ser ainda mais negativo do que os que o antecederam. Se os anteriores deixaram uma pesada herança pelo que não fizeram, a equipa actual pode deixar uma herança pior pelo que já fez e pelo que venha a fazer.

No Ministério da Cultura: continuidade de políticas, desinvestimento e desastre

Do primeiro para o segundo Governo Sócrates algumas caras mudaram e outras trocaram de lugar, sem que se tenha verificado rectificação nas políticas seguidas. O Ministério da Cultura é um exemplo claro desse facto.

O Programa de Governo assumia o compromisso de reforçar o Orçamento. Mas o Orçamento de Estado para 2010 prosseguiu a política de desinvestimento e de desresponsabilização do Estado na Cultura, de aprofundamento da linha mercantilizadora de importantes domínios da política cultural. E a actual imposição de novas restrições, no seguimento do PEC PS/PSD, agrava brutalmente as consequências dessa política.

O agravamento das restrições financeiras não é uma excepção, é o prosseguimento de uma política.

O orçamento da Cultura para 2010 representou apenas 0,29% da despesa total do Estado e 0,14% do PIB. É o segundo mais baixo desde 2005, apenas superado negativamente pelo OE de 2009.

Os poucos recursos são desproporcionadamente distribuídos: 12% do Orçamento do Ministério da Cultura é afectado a 11 fundações. Prosseguindo a linha da “empresarialização”, anunciou a celebração de contratos-programa com as três Entidades Públicas Empresariais (EPE) existentes para o triénio 2010-2012, prescindindo de qualquer avaliação desse modelo de gestão que, em particular no que diz respeito à OPART, é consensualmente tido como desastroso, nomeadamente no que diz respeito às condições de trabalho e até de continuidade para a Companhia Nacional de Bailado.

Pretendendo iludir a enorme distância entre o Orçamento e as necessidades financeiras urgentes do sector da Cultura, o Governo apostou nas parcerias e também no cheque-obra, fraca herança do anterior ministro. O potencial conhecido dessas apostas mostra que não constituem alternativa credível e que a política de desresponsabilização do Estado que esta linha prosseguiu, em matérias como a recuperação e valorização do património edificado, tem o significado concreto de condenar áreas fundamentais no plano cultural aos remendos, à ruína ou à privatização. E o que se afirma em relação ao Património é igualmente válido no que diz respeito aos Arquivos, aos Museus, a qualquer outra área sob tutela do Estado.

O Programa de Governo assumia o compromisso de valorizar a criação contemporânea. Mas o OE para 2010 traduz-se por uma redução efectiva dos apoios às artes disponibilizados. A verba inscrita foi idêntica à insuficiente verba de 2009, não sendo sequer considerado o efeito da inflação ou o aumento das cativações do PIDDAC. Tal como o anterior ministro queria fazer mais com menos, a ministra actual - nas suas próprias palavras - pretende ter mais qualidade com menos apoios. Recusando esta ideia errada, o PCP apresentou uma proposta de reforço em 1 milhão e 100 mil euros da verba para os concursos de apoio às artes, e propôs ainda a inscrição de 550 mil euros destinados à modalidade de apoio a primeiras obras, a criar pelo Governo. O PS rejeitou essas propostas, e veio agora pretender somar a este mau Orçamento as drásticas medidas preconizadas no PEC PS/PSD, traduzindo-se num corte de 10% em todos os apoios atribuídos.

De um corte de 10% a um corte de 100%

Esta medida brutal suscitou um muito amplo movimento de contestação em todas as áreas afectadas. O PS e a Ministra, depois de terem argumentado com a crise económica “absolutamente inédita” (sic) e com a falsa afirmação de que “o contributo e o empenho para a consolidação das finanças públicas é pedido a todos, sem excepção”, encenaram dois recuos: primeiro no sentido da redução dos cortes, depois na afirmação de que não haveria cortes nos apoios atribuídos.

Bastaram algumas horas para ficar à vista a má-fé de tal “recuo”. Logo de seguida o Ministério da Cultura anunciou a suspensão do concurso para apoios pontuais para o segundo semestre de 2010. Deste modo, o MC transformou a suspensão de um corte de 10% nos apoios atribuídos num corte efectivo de 100% nos apoios a atribuir.

Falta a este Governo a seriedade cultural e política necessária para reconhecer que, se por um lado se trata de cortes cujo peso orçamental é insignificante no conjunto do OE e que nada acrescentará à “consolidação das finanças públicas”, por outro lado estes cortes afectarão um sector devastado por mais de uma década de subfinanciamento e asfixia financeira. Na actividade das estruturas e dos criadores e outros trabalhadores afectados estes cortes significam acrescida frustração criativa e profissional, mais precariedade e anulação de expectativas. Significam novos golpes num tecido cultural rarefeito. No seu conjunto significam mais do que oportunidades adiadas, significam oportunidades definitivamente perdidas. Só a profunda insensibilidade cultural que também é marca da política de direita poderia valorizar uma insignificante poupança orçamental face à perda cultural que friamente pretende levar a cabo.

Os cortes nos apoios representam uma pequena parcela de uma política estruturalmente negativa e errada.

Com uma estrutura enfraquecida e bloqueada pelo PRACE, o Ministério da Cultura orçamentou variações negativas no funcionamento e no investimento. A actual Ministra gaba-se desse facto, certamente por não compreender que ele confirma a continuidade de uma linha fundamental da orientação política do anterior Governo: um Ministério desresponsabilizado, menor e com menos recursos, para um papel político e cultural mais irrelevante.

A actual equipa do Ministério da Cultura prossegue, embora com algumas correcções pouco relevantes, orientações negativas herdadas do anterior Governo, algumas das quais objecto de generalizada crítica e reprovação pública. É o que se passa com a intervenção na zona museológico-monumental de Belém, com as indicações que vêm sendo dadas em relação aos Museus, Palácios e Teatros Nacionais, com a política do Património em geral, com as questões relativas à situação dos trabalhadores das Artes do Espectáculo, com o privilégio às “indústrias culturais” enquanto renuncia a assumir qualquer intervenção relativa à política de edição literária.

O actual ministério mantém a orientação que envolve conjuntamente o Museu dos Coches, o Museu de Arqueologia e os serviços técnicos do ex-IPA, transferidos para o MARL. Obstina-se na consumação de uma solução cultural e tecnicamente errada comandada pelo Ministério da Economia, em clara confirmação da subalternidade a que aceitou sujeitar-se. Pior do que isso, em vez da necessária reflexão optou por medidas de carácter administrativo visando silenciar o debate.

Avolumam-se indicações preocupantes que envolvem toda a rede de Museus e os Palácios Nacionais. Depois de décadas de desinvestimento que é evidente não pretender corrigir, o actual Governo prossegue com aquilo a que chama “a redefinição dos modelos de gestão dos palácios e museus” e o Plano Estratégico Museus para o Século XXI.

Neste quadro, este Ministério da Cultura pode vir a ser ainda mais negativo do que os que o antecederam. Se os anteriores deixaram uma pesada herança pelo que não fizeram, a equipa actual pode deixar uma herança pior pelo que já fez e pelo que venha a fazer.

Acumulam-se preocupantes indícios sobre este Ministério da Cultura. Prossegue a mesma política de irresponsabilização e desastre. Enquadra-se, na parte que lhe cabe, no rumo de retrocesso que o PEC - essa plataforma comum PS/PSD/CDS - consagra. Tal como o Governo Sócrates no seu conjunto, não é por ele, mas pela luta contra a sua política que passa a saída para a grave crise que o país atravessa.

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