Artigo de Bernardino Soares na «Capital»

«A mentira»

Meio mundo acompanha o sarilho em que está metido o Primeiro-ministro Tony Blair a propósito da falsidade das justificações dadas ao Parlamento e ao povo britânico. O caso complicou-se com a morte do perito governamental em armas químicas e biológicas que denunciou a falcatrua à BBC, pondo a nu toda a manobra de falsificação do governo britânico para justificar as suas opções belicistas. Uma comissão de inquérito parlamentar está a investigar o caso e já há quem diga que Blair devia apresentar a demissão.

Também nos Estados Unidos da América vários responsáveis da administração Bush já assumiram que o pretexto invocado não era verdadeiro. E a própria CIA terá recusado dar credibilidade às “provas” apresentadas. Nada disso impediu Bush de sustentar a criminosa intervenção militar nessa mentira.

Contudo a mentira sobre a existência certa das armas de destruição massiva na posse do Iraque de Saddam não foi dita só em inglês. Foi repetida em outras línguas com o mesmo descaramento. E também se mentiu em português.

Várias vezes ouvimos Durão Barroso e Martins da Cruz, em declarações públicas e na Assembleia da República, a justificar o apoio dado à intervenção unilateral dos Estados Unidos e do Reino Unido com a existência no Iraque de armas de destruição massiva.

Com a invasão do Iraque acabou por se demonstrar que aquelas justificações não tinham qualquer fundamento e que eram apenas uma enorme manobra de propaganda. Os mais optimistas terão então admitido que o nosso Primeiro tinha sido enganado pelos aliados. Só que o tempo foi passando sem qualquer pedido de explicações e tornou-se inegável, mesmo para os mais crédulos, que também o Governo português tinha utilizado a mentira para justificar a sua posição no conflito com o Iraque.

Não se trata aqui já da divergência de opiniões em relação à invasão do Iraque, que pela nossa parte consideramos ter sido injusta e ilegítima. Nem da discordância que tivemos com a posição de vassalagem perante o império americano que caracterizou a posição oficial portuguesa neste conflito. Nem da critica ao inaceitável envio de militares da GNR para o Iraque, participando na ocupação de um país soberano.

Do que se trata é de uma mentira, dita com todo o descaramento ao país e aos portugueses e até hoje não explicada.

Temos assim um Primeiro-ministro e um Governo que mentem ao país e ao parlamento, invocando uma falsa razão para envolver o país numa guerra ilegítima e à revelia das Nações Unidas, e que perante a evidência da mentira não se sentem na obrigação de dar qualquer explicação.

Ora esta matéria não pode passar sem um sobressalto de indignação democrática. E pela exigência de que, mesmo tarde, alguma explicação seja dada aos portugueses.

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