Projecto de Resolução N.º 782/XII/2.ª

Medidas urgentes para o sector automóvel

Medidas urgentes para o sector automóvel

1.O sector automóvel está mergulhado numa profunda crise. É uma crise dentro da crise mais geral a que a política de direita de sucessivos governos do PSD, CDS e PS conduziram o País.
Toda a fileira/cadeia de valor está atingida, mas a situação é particularmente grave nos subsectores da comercialização/retalho, reparação e desempanagem de veículos, e nos segmentos das micro, pequenas e médias empresas que são dominantes no tecido económico do sector.
As consequências das medidas do Pacto de Agressão da Troika, subscrito por esses partidos, e concretizado pelo governo PSD/CDS de Passos Coelho e Paulo Portas, estão a conduzir à falência e ao encerramento generalizados de empresas e a atirar para a ”clandestinização” e a economia paralela, inúmeras outras.
Será certamente uma avaliação por defeito o número de três mil empresas do sector encerradas ou a encerrar em 2011, 2012 e 2013. Desde 2007, seguramente encerraram mais de metade das empresas de reparação.
2.Os problemas são bem conhecidos do poder político – Governo, Assembleia da República e Presidência da República – a quem têm sido expostos, repetidamente e com toda a veemência, pelas estruturas empresariais do sector.
Numa breve síntese podem seriar-se, como questões que atingem todo o sector, e em primeiro lugar, a queda a pique do poder de compra dos portugueses e outras restrições brutais do mercado interno, para onde trabalha o grosso das empresas.
A que se acrescenta a não menos brutal, desequilibrada e até irracional, carga fiscal, que se já não tinha qualquer razoabilidade económica ou social, ou ambiental, foi sobrecarregada, desde 2011, para lá dos limites admissíveis, acabando inclusive por se traduzir em elevadas perdas de receitas fiscais (as receitas de ISV reduziram-se de 626,5 milhões em 2011 para 361,9 milhões de euros em 2012).
No contexto da agudização das dificuldades económicas dos consumidores, das rupturas das cadeias de pagamento entre agentes económicos, de restrições de crédito e financiamento, e das punções e pressões fiscais por parte do Estado, ganham também particular significado as posições monopolistas/oligopolistas presentes na fileira – grandes fabricantes e importadores, contratadores de serviços, como as companhias de seguros – que usam e abusam de desequilíbrios das relações de forças que no sector mantêm com milhares de pequenas empresas do comércio a retalho, oficinas de reparações e pequenas empresas de reboques. Uso e abuso de posições dominantes e de relações de dependência económica, perante a inatividade e, pior, cumplicidade da Autoridade da Concorrência (AdC), Instituto de Seguros de Portugal (ISP) e outras entidades oficiais (Instituto da Mobilidade e Transportes (IMT/ ex-IMTT), ASAE, Instituto Português da Qualidade (IPQ)) a quem cabe a regulação e fiscalização do sector.
Aliás, outro dos problemas é a completa paralisia e incapacidade de estruturas públicas que tutelam o sector, face às solicitações das entidades empresariais, nomeadamente na falta de resposta às suas reclamações e exposições, e pedidos de audiência.
3.No subsector de vendas, pesam de forma significativa problemas como a redução do poder de compra, a economia paralela (venda na rua, stands ilegais), as imposições e restrições colocadas pelos importadores e fabricantes aos concessionários, problemas burocráticos e subida de taxas, nas operações administrativas de registos de propriedade automóvel e outras, que se encontram completamente desajustadas. Por exemplo, a duplicação de 2012 para 2013 das taxas emolumentares no processo de revenda de viaturas usadas (a taxa de 36 € passou a 55,30€, a de 54 € a 110,50 €, a de 12 € a 25,50 €, a de 30€ a 46,80€) é um “incentivo” à fuga ao averbamento transitório dos veículos.
Globalmente, as vendas de automóveis tiveram uma quebra de 60% face a 2008, o que não assegura a rentabilidade mínima necessária à sobrevivência das empresas que se dedicam a esta atividade.
4.No subsector da reparação, para lá da redução significativa dos serviços, o que inevitavelmente se transforma também numa questão de segurança rodoviária (é elevado o número de veículos que circula sem seguro e/ou sem inspeção), são problemas maiores as imposições e exigências das seguradoras (valor da mão-de-obra, colocação de peças, veículo de substituição, indemnização directa ao lesado sem liquidação de IVA, descontos e rappel, etc.) estrangulando as margens do negócio e a concorrência desleal na venda de consumíveis (baterias, filtros, óleos) pela grande distribuição, que não suporta custos ambientais nessa operação comercial, contrariamente às oficinas de reparação.
5.No subsector de desempanagem/reboque, totalmente dependentes dos cinco grupos de seguradoras a que pertencem as empresas de assistência em viagem, a grande questão são as imposições, verdadeiros ultimatos, desses grupos, relativamente aos preços dos serviços, completamente desconectados do principal custo operacional das empresas de reboque: os preços dos combustíveis. O peso do preço do gasóleo, segundo Estudo Financeiro (FEP JUNIOR CONSULTING) corresponde a 42% desses custos!
São ainda problemas a legislação relacionada com os tempos de condução e repouso, e as tentativas de tornar obrigatório o uso de GPS por algumas empresas de assistência em viagem.
6.O sector automóvel, pelo seu peso económico e social, pela sua articulação com a generalidade do tecido económico nas sociedades de hoje, como importante fonte de receitas fiscais (ISV, ISP, IUC, IVA, IRC) e pelos seus impactos ambientais, exige certamente uma avaliação e visão globais e integradas em qualquer política alternativa à política de direita do PSD, PS e CDS.
Mas as questões hoje, no quadro da crise que o País atravessa, é a necessidade de um conjunto de medidas urgentes, que travem o descalabro e desarticulação em curso do sector, a falência de milhares de pequenos e médios empresários, a destruição de milhares de pequenas empresas e a salvaguarda de importantes receitas do Estado.
Nestes termos, e tendo em consideração o acima exposto, ao abrigo da alínea b) do Artigo 156.º da Constituição e da alínea b) do número 1 do artigo 4.º do Regimento da Assembleia da República, os Deputados abaixo assinados do Grupo Parlamentar do PCP propõem que a Assembleia da República adote a seguinte

Resolução
A Assembleia da República, nos termos do n.º 5 do artigo 166.º da Constituição, resolve recomendar ao governo que:
1.Promova, no âmbito dos anúncios de medidas de financiamento à economia, linhas de crédito, nomeadamente para reforço das tesourarias, adequadas aos diversos segmentos do sector automóvel, e em particular às micro, pequenas e médias empresas;
2.Assegure uma intervenção reforçada das entidades de fiscalização do Estado, designadamente ASAE e AT, no combate à economia paralela do sector;
3.Diligencie a intervenção aprofundada e célere das entidades reguladoras, designadamente AdC e ISP, sobre diversas relações económicas sectoriais, que manifestamente violam as leis da concorrência (abuso de posição dominante e abuso de dependência económica) afetando a sobrevivência de inúmeras pequenas empresas, nomeadamente na reparação e na desempanagem;
4.Crie um Grupo de Trabalho para o estudo da fiscalidade do sector automóvel que, recorrendo à comparação com outros países da União Europeia, possa simplificar e racionalizar toda a carga fiscal que hoje recai sobre a produção, comércio e serviços ligados ao veículo automóvel. Que considere, entretanto a possibilidade da imediata:
a) descida do ISV para os veículos dos segmentos A e B (viaturas de menor cilindrada/preço) e comerciais;
b) suspensão do IUC de veículos usados enquanto não vendidos ao utilizador e admissão, à semelhança de outros países (Alemanha por exemplo), que viaturas paradas durante muito tempo por razões plausíveis (dificuldades de venda, ou financeiras, do proprietário, para manutenção/utilização) possam os respetivos documentos ser entregues a uma autoridade próxima (PSP/GNR, IMT), cessando nesse momento e até que voltem a circular, a liquidação de IUC;

5.Realize uma avaliação dos problemas expostos pelas associações empresariais e queixas de empresários, e elabore relatório sobre o comportamento das diversas estruturas públicas (secretarias de Estado, institutos e entidades reguladoras e fiscalizadoras), no sentido de:

a) restabelecer o adequado diálogo e resposta com prontidão e eficácia às reclamações de empresas e estruturas associativas;
b) promover a necessária simplificação e agilização dos processos burocrático-administrativos que envolvem os veículos automóveis, nomeadamente o registo de propriedade automóvel;
c) considerar a redução das taxas emolumentares para os valores de referência de 2012 no comércio de revenda de viaturas usadas, incentivando assim o cumprimento da exigência legal do averbamento transitório;

6.Cumpra e faça cumprir a Resolução n.º 118/2012 da Assembleia da República, que recomenda ao governo «uma avaliação global do atual quadro legislativo e regulamentar da atividade de pronto-socorro, no sentido de o adequar à sua natureza e função de relevante serviço público» e promova a fixação em convenção regulamentadora de mecanismo de fixação de preços, qualidade de serviços e condições obrigatórias, assegurando o equilíbrio e a justa repartição das margens de negócio entre empresas de reboque e de assistência em viagem;

7.No desenvolvimento de políticas de apoio ao investimento, seja dada prioridade à indústria nacional de componentes e montagem, nomeadamente de carroçarias, e em particular, que esta questão seja devidamente tida em conta nas aquisições de meios de transporte pelas empresas e instituições públicas;

8.No próximo quadro de fundos comunitários 2014/2020 sejam assegurados meios financeiros adequados à reestruturação do sector, à requalificação e modernização das suas micro, pequenas e médias empresas, para uma maior produtividade e acrescentamento do valor nacional na fileira.

Assembleia da República, em 28 de junho de 2013.

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