Projecto de Lei N.º 365/XI-1ª

Medidas que incentivem o arrendamento de fogos devolutos

Institui Bolsas de Habitação a nível concelhio, adoptando medidas que incentivem o arrendamento de fogos devolutos

Exposição de Motivos

Segundo um Estudo do Instituto Nacional de Estatística, elaborado a partir dos Censos 2001, existem cerca de 240.000 fogos devolutos, no nosso País.

As alterações até agora introduzidas nas leis do arrendamento, nomeadamente o descongelamento de rendas a que se procedeu em 1981, e que teve continuação com os diplomas de 1985 e de 1990, não tiveram a virtualidade de dinamizar o mercado de arrendamento, bem pelo contrário.

Com efeito, a liberalização das rendas e a precarização dos contratos de arrendamento tem o efeito inverso. Incentiva a aquisição de casa própria.

Os dados estatísticos confirmam essa afirmação.

O estabelecimento, em 1981, dos regimes de renda livre e de renda condicionada procurando, ao que era afirmado, a dinamização do mercado de arrendamento não teve efeitos práticos nem dinamizando o arrendamento, nem na mobilização dos fogos foi possível praticar o regime de renda livre) não teve quaisquer reflexos nos fogos devolutos que continuaram devolutos e a degradar-se.
Assim, a “ reforma do arrendamento urbano” prometida pelo Governo, porque baseada fundamentalmente na liberalização das rendas e na precarização da relação de locação não se mostra adequada à situação do Parque habitacional.

Aqueles pilares (liberalização e precarização) já provaram, até noutros países como a Espanha, que são vocacionados para fomentar a aquisição de casa própria. Aliás o alargamento a todo o sistema financeiro, do crédito à aquisição de habitação e as intensas campanhas da Banca na conquista desse mercado são as melhores tradutoras desta realidade.

Mas a “reforma” também é inadequada às condições das famílias portuguesas.

Portugal é, na União Europeia, o país com salários mais baixos.

Situa-se entre os primeiros na maior taxa de pobreza. É o primeiro na taxa de pobreza persistente.

Assim, a liberalização e precarização vão provocar um verdadeiro terramoto social.

De acordo com o estudo do INE atrás referido, uma das características da política em matéria de habitação é a exiguidade da habitação social.

Outras características do Parque habitacional são elucidativas evidenciando a inadequação das propostas do Governo:

568 886 alojamentos sobrelotados (414 160 com falta de uma divisão, 113. 797 com falta de duas divisões e 40 929 com falta de 3 ou mais divisões), que representam 16% do parque habitacional;

114 183 alojamentos integrados em edifícios muito degradados, que representam 3% dos edifícios recenseados em 2001;

326 008 alojamentos sem pelo menos uma das quatro infra-estruturas básicas (electricidade, instalações sanitárias, água canalizada e instalações de banho ou duche), afectando cerca de 9% dos alojamentos portugueses.

Com o Projecto de Lei que apresenta o PCP, nomeadamente através da instituição de Bolsas de Habitação a nível concelhio, constituídas fundamentalmente com fogos devolutos, pretende criar as condições para a dinamização do mercado de arrendamento.

Em simultâneo, até porque as duas situações andam ligadas, pretende-se conseguir a reabilitação do parque habitacional, quer seja público quer seja privado, que se encontra degradado.

Nestes termos, ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, os Deputados abaixo assinadas do Grupo Parlamentar do PCP apresentam o seguinte Projecto de Lei:

Artigo 1.º
Objecto e âmbito
A presente lei cria, a nível de cada autarquia, um registo de prédios urbanos destinados a habitação, devolutos, degradados e de prédios urbanos sem obras de conservação há mais de 8 anos, denominado Bolsa de Habitação, que visa a recuperação do parque imobiliário urbano, através da dinamização, com estratégias próprias para cada uma das situações, do mercado de arrendamento.

Artigo 2.º
Prédios devolutos
1. Consideram-se devolutos os prédios urbanos ou as fracções autónomas dos mesmos que se encontrem um ano desocupados, considerando-se indícios de desocupação, a inexistência de contratos em vigor com empresas de telecomunicações e de fornecimento de água, gás e electricidade e a inexistência de facturação relativa a consumos de água, gás electricidade e telecomunicações, tal como são definidos para efeitos fiscais, salvo se:

a) Forem efectivamente destinados a venda;
b) Forem destinados a habitação própria do proprietário, dos seus ascendentes ou descendentes em 1.º grau, usufrutuário, superficiário ou titular de outro direito real que lhe confira o direito a habitá-lo;
c) Forem destinados pelas pessoas referidas na alínea anterior a alojamento de trabalhadores ao seu serviço;
d) Forem considerados pelas suas dimensões e características arquitectónicas, fora do mercado corrente de habitação;
e) Forem destinados para habitação por curtos períodos em praia, campo, termas e quaisquer outros lugares de vilegiatura, para arrendamentos temporários ou para uso próprio.

2. Os prédios ou fracções autónomas mencionados nas alíneas a) e b) do número anterior passam a considerar-se devolutos se não lhes for dado o respectivo destino no prazo de 1 ano após a declaração da sua finalidade, excepto se o mesmo não tiver acontecido por motivos de força maior.
3. Os prédios ou fracções autónomas a que se reporta a alínea e) do n.º1 passam a considerar-se devolutos se durante 5 anos consecutivos não lhes for dado o destino ali referido, também com a ressalva da parte final do número anterior.

4. Sem prejuízo do disposto no n.º1, presumem-se devolutos e sem obras de conservação, os prédios ou fracções autónomas cujas matrizes prediais não tenham sido actualizadas.

Artigo 3.º
Especificação obrigatória nas matrizes prediais
Para além das especificações constantes do Código do Imposto Municipal sobre imóveis, as matrizes prediais urbanas deverão ainda conter relativamente aos prédios urbanos ou às suas fracções autónomas, as seguintes menções:

a) se os mesmos têm qualquer das finalidades referidas no artigo anterior, e as datas da respectiva utilização salvo quanto à alínea c) do n.º1;
b) Se os mesmos se encontram arrendados, mencionando-se as alterações ao arrendamento;
c) Se os mesmos foram sujeitos a obras de conservação no prazo legalmente estabelecido;
d) Se se encontram devolutos.

Artigo 4.º
Actualização das matrizes
1. Para os efeitos previstos no artigo anterior, o Serviço de Finanças averbará, oficiosamente, as menções resultantes das comunicações que receber no termos do artigo 60.º do Código do Imposto do Selo.
2. Durante o mês de Janeiro de cada ano, os proprietários, comproprietários, usufrutuários ou superficiários deverão proceder à actualização das matrizes prediais, por forma a que das mesmas constem as especificações referidas no artigo anterior, apresentando os documentos comprovativos.

Artigo 5.º
Consequências fiscais do incumprimento
O incumprimento da obrigação prevista no artigo anterior, impede a emissão de qualquer documento necessário à declaração do IRS e a consequente impossibilidade de declaração deste imposto que será liquidado coercivamente.

Artigo 6.º
Consequências do incumprimento a nível judicial
1.Todas as acções emergentes de contrato de arrendamento, nomeadamente as que visarem a cessação, resolução e denúncia do contrato, seguem os termos do processo comum de declaração previsto no Código do Processo Civil.
2. Da decisão do Tribunal de 1.ª Instância cabe sempre recurso para a relação, com efeito suspensivo, independentemente do valor da causa.
3. O valor das acções é, pelo menos, equivalente ao quíntuplo da renda anual, acrescendo o valor das rendas em dívida.
4. Nenhuma acção terá seguimento enquanto o proprietário, usufrutuário ou superficiário não provar que deu cumprimento ao estipulado no n.º 2 do artigo 4.º.

Artigo 7.º
Comunicações a efectuar pelo Serviço de Finanças
Até ao dia 30 de Junho de cada ano, o Serviço de Finanças comunicará à Câmara Municipal a identificação dos prédios ou fracções autónomas, relativamente aos quais não tenha sido feita qualquer comunicação, a identificação dos que tenham sido declarados ou se presumam como devolutos, bem como a identificação dos titulares inscritos na matriz predial, com a indicação dos que não tenham sido objecto de obras de conservação no prazo legalmente estabelecido.

Artigo 8.º
Bolsa de Habitação
Com base na comunicação efectuada pela Repartição de Finanças, e também com base nos elementos resultantes da aplicação do artigo 89.º do Decreto-Lei n.º 555/99 de 16 de Dezembro, republicado pelo Decreto-Lei n.º 26/2010, de 30 de Março, a Câmara Municipal organiza um Registo de prédios devolutos, de prédios degradados e de prédios que devem ser objecto de obras de conservação, designado por Bolsa de Habitação.

Artigo 9.º
Direito de Correcção
1. Qualquer interessado pode, em qualquer altura, requerer na Câmara Municipal a correcção dos dados constante da Bolsa de Habitação, podendo, nomeadamente, elidir a presunção estabelecida no n.º 4 do artigo 2.º.
2. Da decisão da reclamação cabe recurso para os Tribunais Administrativos, sem prejuízo de outros meios de garantia previstos no Código do Procedimento Administrativo.
3. As correcções serão comunicadas pela Câmara Municipal à Repartição de Finanças, para rectificação das matrizes prediais.

Artigo 10.º
Plano concelhio de recuperação de imóveis
1. A Câmara Municipal, anualmente, e com vista à obtenção de cobertura orçamental através do Orçamento do Estado para o ano seguinte, elabora um Plano de recuperação do parque imóvel degradado e para realização de obras de conservação, tendo em vista o cumprimento do estipulado no Decreto-Lei n.º 555/99 de16 de Dezembro, republicado pelo Decreto-Lei n.º 26/2010, de 30 de Março e pela Lei nº 6/2006, de 27 de Fevereiro.

2. O Orçamento do Estado transferirá para as autarquias locais as verbas necessárias para o cumprimento dos Planos concelhios.

Artigo 11.º
Publicidade e acesso à Bolsa de Habitação
Os prédios e fracções urbanas devolutas serão anunciados e divulgados pelas Câmaras Municipais, através de editais, tendo os interessados o direito de acesso a todos os registos constantes da Bolsa de Habitação.

Artigo 12.º
Apresentação de candidaturas
Qualquer interessado no arrendamento de prédio devoluto apresentará nos serviços municipais de habitação a sua pretensão de tomar de arrendamento prédio ou fracção autónoma devoluta.

Artigo 13.º
Notificação ao proprietário
1. Da pretensão ao arrendamento, será notificado o titular inscrito na matriz; não estando actualizada essa menção na matriz predial, a Câmara Municipal procederá a averiguações, após o que, procederá à sua notificação de acordo com aquelas averiguações2. Da notificação farão necessariamente parte:

a) Cópia do requerimento de candidatura.
b) Valor da renda no regime de renda condicionada, determinada nos termos do Decreto-lei n.º 329-B de 22 de Dezembro, aplicável por força do artigo 61.º do NRAU, indicando-se os elementos de cálculo da renda: área útil do fogo, preço da habitação por m2, nível de conforto, estado de conservação e coeficiente de vetustez do fogo.
c) Cópia da vistoria efectuada ao edifício ou fogo, com descrição das obras de conservação entendidas por necessárias nos termos do Decreto-lei n.º 555/99,de 16 de Dezembro, republicado pelo Decreto-Lei n.º 26/2010 de 30 de Março. Indicação de prazo para a realização das obras.

Artigo 14.º
Resposta
1. O notificado, no prazo de 15 dias, dirá o que se lhe oferecer, indicando, nomeadamente: se aceita dar o prédio de arrendamento; se aceita a determinação da renda condicionada; se aceita proceder às obras de conservação determinadas pela Câmara.
2. A resposta referida no nº anterior é necessariamente dada por escrito.
3. A falta de resposta equivale a recusa.
4.Da resposta, ou da sua falta, será dado conhecimento ao, ou aos interessados.

Artigo 15.º
Pluralidade de candidatos

Havendo mais do que um candidato e salvo motivo ponderoso invocado pelo notificado, a ordem de precedência será a seguinte:

a) Em primeira prioridade os que habitem em prédios ou fracções autónomas degradadas;
b) Em igualdade daqueles, os mais idosos;
c) Em igualdade de circunstâncias daqueles, os de rendimentos mais baixos.

Artigo 16.º
Acordo
1. Caso haja acordo, e se forem necessárias obras de conservação, tal como se encontram definidas no Decreto-Lei n.º 555/99 de 16 de Dezembro, republicado pelo Decreto-Lei n.º 26/2010, de 30 de Março, será lavrado pelos serviços um contrato-promessa de arrendamento, cujas cláusulas relativamente à locação, passarão a constar do contrato de arrendamento, a outorgar, por escrito, logo que passada a licença de utilização.
2. A falta de forma prevista no número anterior, presume-se imputável ao senhorio, daí não podendo resultar a nulidade do arrendamento. Nesta situação o arrendamento será necessariamente de renda condicionada e de duração indeterminada, nos termos do artigo 1099.º e seguintes do Código Civil.
3. Não pode ser clausulado o pagamento antecipado de renda superior a um mês.
4. A actualização anual da renda terá como base o índice publicado anualmente pelo INE.
5. Caso o candidato tenha requerido a atribuição de subsídio de renda, a falta de resposta atempada ao seu requerimento não impede a celebração do contrato de arrendamento;
6. Passados 90 dias sobre a data da apresentação do requerimento, o mesmo considera-se deferido tacitamente se sobre ele não tiver recaído qualquer despacho.
7. Os serviços competentes para a atribuição do subsídio de renda, processarão o mesmo a favor do senhorio.

Artigo17.º
Obras de conservação a cargo da Câmara ou do Candidato
Caso o notificado acorde no arrendamento, mas declare não fazer as obras de conservação determinadas pela Câmara Municipal, as mesmas podem ser realizadas pela Câmara ou pelo candidato, seguindo-se os termos do Decreto-Lei n.º 559/99 de 16 de Dezembro, republicado pelo Decreto-Lei n.º 26/2010, de 30 de Março e da Lei n.º 6/2006 de 27 de Fevereiro, na parte respeitante à cobrança coerciva das despesas efectuadas.

Artigo 18.º
Recusa do Notificado
1. Caso o prédio necessite de obras de conservação, tal como são definidas pelo Decreto-Lei n.º 555/99 de 16 de Dezembro, republicado pelo Decreto-Lei n.º 26/2010, de 30 de Março, e o notificado se recuse a fazê-las e recuse também a celebração de arrendamento, a Câmara Municipal executará coercivamente as obras, seguindo-se, com as devidas adaptações o disposto no artigo 48.º da Lei n.º 6/2006 de 27 de Fevereiro.
2- Porém, para a celebração coerciva do arrendamento, nos termos da Lei n.º 6/2006 de 27 de Fevereiro, a Câmara Municipal, respeitando a ordem de precedência atrás estabelecida, atribuirá o arrendamento a um dos que se candidataram ao contrato de arrendamento.

Artigo 19.º
Direito de preferência
1. Caso o prédio urbano ou uma fracção autónoma ainda não tenha sido objecto de contrato-promessa de compra e venda na data da apresentação da candidatura, o candidato tem direito de preferência, nos termos gerais de direito, na compra do imóvel.
2. O depósito do preço no prazo de 8 dias, a que se refere o artigo 1410.º do Código Civil, pode ser substituído pela apresentação de declaração de entidade financeira, assegurando a viabilidade de outorga de um contrato de mútuo, entre essa entidade e o preferente.

Artigo 20.º
Cessação da qualificação como devoluto
1. O prédio ou a fracção autónoma só deixarão de ser considerados devolutos com a outorga do contrato promessa de arrendamento ou do contrato de arrendamento, ou com a alteração da sua titularidade.
2. Logo que tenha conhecimento de qualquer facto que dê origem à situação referida no número anterior, a Câmara Municipal fará a respectiva comunicação ao Serviço de Finanças para actualização da matriz predial.

Artigo 21.º
Agravamento da taxa de imposto municipal sobre imóveis
Sem prejuízo das majorações que com base nos elementos disponíveis na Bolsa de Habitação, a Assembleia Municipal entenda aprovar, sob proposta da Câmara, a taxa deste imposto será agravada nos termos do artigo 112.º do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis, se mantiver a situação que determina a classificação do prédio ou da fracção autónoma como devolutos.

Artigo 22.º
Entrada em vigor e regulamentação
1. A presente lei entra em vigor no prazo de 5 dias a contar da sua publicação.
2. As normas com incidência orçamental produzem efeitos apenas a partir da aprovação do Orçamento do Estado posterior à entrada em vigor da presente lei.
3. O Governo regulamentará a presente lei no prazo de 90 dias a contar da sua publicação.

Assembleia da República, em 7 de Julho de 2010

  • Assuntos e Sectores Sociais
  • Economia e Aparelho Produtivo
  • Poder Local e Regiões Autónomas
  • Assembleia da República
  • Projectos de Lei