Intervenção de

Medicamentos em dose unitária - Intervenção de Bernardino Soares na AR

Redução do desperdício em medicamentos, através da generalização da prescrição por DCI e da dispensa, no ambulatório, de medicamentos em dose unitária

 

Sr. Presidente,
Srs. Deputados,

Nesta intervenção certamente que terei algumas referências a fazer ao Governo, ao PS e à sua política, mas tenho também algumas referências ao CDS e à sua iniciativa (projecto de resolução n.º 247/X), como não podia deixar de ser.

A Sr.ª Deputada Teresa Caeiro referiu na sua intervenção várias matérias e citou várias frases e textos que não tinha sido o CDS a dizer e a escrever, mas, sim, o PS e o Governo. Vale a pena, pois, citar outras referências que foi o CDS a dizer e a fazer.

Por exemplo, quando nesta Assembleia se discutiu o projecto de lei n.º 35/VIII, do PCP, que propunha a prescrição pelo princípio activo como regra, a existência de um formulário nacional do medicamento, a existência de dispensa de medicamentos em farmácias hospitalares e eventualmente nos centros de saúde, e todo um conjunto de outras medidas  que davam corpo a um verdadeiro programa de racionalização do uso do medicamento, o que disse o CDS?

O CDS disse, entre outras coisas, pela voz do então seu líder parlamentar Deputado Basílio Horta, por exemplo: «(...) não comparticipar pelo produto activo porque é extremamente difícil. Os médicos e os técnicos, infelizmente, sabem que não há apenas um e só um princípio activo. Por vezes há uma substância que está junto com outra (...)» e, portanto, segundo o Sr. Deputado Basílio Horta, esta proposta daria lugar a - e volto a citar - «uma burocracia extremamente complexa e difícil». E o Diário assinala: «Vozes do CDS: - Muito bem!».

Ora, aquilo que o CDS, nessa altura, em 2000, considerava uma burocracia extremamente complexa e difícil é exactamente aquilo que hoje nos apresenta - e bem - no projecto de resolução em debate.

No final da discussão, o CDS, tal como o PSD, votou contra esse projecto de lei, o qual, apesar desse voto contra, acabou por dar origem a uma lei, a Lei n.º 14/2000, que teve contributos de outras bancadas, designadamente do PS, que estabelecia um programa que tinha diversas medidas, incluindo até as tais dispensas de medicamentos nos hospitais.

O CDS, depois, teve também acções nesta matéria. Por exemplo, quando chegou ao governo em conjunto com o PSD, foram o CDS e o PSD que retiraram da lei a prescrição por princípio activo, reduzindo-a a uma mera indicação de preferência da prescrição por princípio activo só no campo dos medicamentos genéricos.

Foi, portanto, por iniciativa do governo PSD/CDS que aquilo que hoje o CDS propõe, que estava na lei, deixou de aí estar.

O PCP - claro! - promoveu uma apreciação parlamentar desse decreto-lei e apresentou uma proposta que era apenas a de repor o texto anterior da lei. Sabem como é que o CDS e o PSD votaram? Votaram contra essa proposta, a tal que repunha a prescrição por princípio activo, que, anteriormente, estava na lei.

Dito isto, penso que podemos falar de outras matérias na área do medicamento, por exemplo da questão do preço de referência, que foi uma invenção do governo da direita, que o PS contestou na altura, mas que agora mantém. O preço de referência é aquele mecanismo que muitos portugueses conhecem que leva a que, quando o médico proíbe a substituição pelo genérico, no caso de um medicamento que tenha substituto genérico, quem paga a diferença da comparticipação, que entretanto baixa, é o utente.

Este sistema perverso, porque não permite ao utente decidir, mas fá-lo pagar pela decisão que não é sua, foi inventado pelo governo PSD/CDS e é agora mantido pelo Governo do Partido Socialista, ao contrário do que fez quando propusemos a alteração dessa norma. Na altura, o PS apoiou-nos nessa proposta; agora, no Governo, mantém essa injusta regra, que é uma das razões para aquele efeito que a Sr.ª Deputada Teresa Caeiro referiu, que é o de os medicamentos serem mais caros quando chegamos à farmácia. E um dos mecanismos que leva a que eles sejam mais caros é precisamente este do preço de referência.

O PSD e o CDS também mantiveram aquela inovação criada por um anterior governo do Partido Socialista, que é a dos genéricos de marca. São genéricos, mas têm uma marca, que é para poderem também ser promovidos pela indústria farmacêutica e entrarem num mecanismo semelhante ao dos medicamentos de marca, com o encarecimento do seu preço. Essa invenção foi do Partido Socialista e foi mantida pelo governo do PSD/CDS.

É, portanto, esta a história da questão do princípio activo e da questão da unidose.

Quero, aliás, dizer que, em Portugal, já se utiliza a unidose nos hospitais. Em toda a área de internamento esse «bicho de sete cabeças», que tantos apontam como impossível de realizar, realiza-se hoje em todos os hospitais do Serviço Nacional de Saúde, com um universo bastante abrangente em termos de prescrições.

Portanto, a unidose não é nenhum «bicho de sete cabeças» e deve, de facto, ser alargado a todo o ambulatório do Serviço Nacional de Saúde.

Temos, pois, uma política do medicamento que faz com que os portugueses tenham medicamentos mais caros e de mais difícil acesso, enquanto o Estado poupa algum dinheiro à custa dos utentes, m as não quer poupá-lo à custa das margens de lucro do sector farmacêutico e da indústria farmacêutica.

Sabemos também que o PS, na altura, votou uma lei - a Lei n.º 14/2000 - que propunha que as farmácias públicas dos hospitais dispensassem medicamentos aos utentes mediante determinadas condições. Essa lei foi aprovada nesta Assembleia, esteve em vigor, e, agora, o que o Governo do PS fez foi entregar ao sector privado aquilo que outro governo do PS tinha decidido que a farmácia pública podia fazer.

Sei que, provavelmente, alguns não querem lembrar esse passado, mas a verdade é esta: este Governo do Partido Socialista continua a ceder em toda a linha ao interesse privado e a alienar a propriedade pública de sectores fundamentais do Serviço Nacional de Saúde.

O Governo é, portanto, muito rápido nas poupanças à custa dos utentes - nas diminuições das comparticipações, no corte de algumas majorações, no encarecimento dos medicamentos, por exemplo a propósito da manutenção do preço de referência -, é muito rápido em todas estas matérias, mas já é muito lento quando se trata de impor as matérias que afrontam não os utentes mas, sim, a indústria farmacêutica e outros interesses.

É muito lento na unidose e na prescrição pelo princípio activo, mas é muito rápido, como temos estado a ver em todo o País, numa política desajustada, técnica e politicamente, de encerramento de serviços e de desgraduação de serviços e de valências em serviços hospitalares e em centros de saúde, que leva a que as populações, por todo o País, se sintam hoje mais inseguras, mais desprotegidas e com menos acesso ao direito à saúde, que a Constituição lhes garante.

Esta é que é a responsabilidade principal do actual Governo do Partido Socialista: rápido a prejudicar os utentes e lento ou parado a afrontar os grandes interesses económicos deste sector, quando não os favorece.

Sabemos que o Sr. Ministro da Saúde anda acossado, reage mal, tão cercado está por críticas de todo o lado. Sabemos que, por todo o País, todas as forças políticas contestam esta política de encerramento indiscriminado e sem olhar a meios de tantas unidades do Serviço Nacional de Saúde. Mas sabemos também que esta não é uma política do Ministro da Saúde em exclusivo, é uma política do Governo, pela qual também é responsável o Primeiro-Ministro, que deve ser responsabilizado pelo que está a acontecer pelo País.

Foi por isso que o PCP anunciou já hoje, pela voz do seu Secretário-Geral, a reapresentação da iniciativa que propõe a suspensão deste processo de encerramento de urgências, de encerramento de vários serviços hospitalares e outros, de forma a que o Governo apresente uma iniciativa legislativa onde se definam os critérios, em abstracto, daquilo que deve ser uma rede nacional de urgências e daquilo que devem ser as redes de vários serviços a nível nacional.

Só depois de discutirmos isso é que se deve decidir o que é que encerra e o que é não encerra, para pormos fim a esta política de facto consumado, que prejudica as populações e que não terá o silêncio do PCP como cumplicidade. Esta política, que é de todo em todo inaceitável e que não pode ser esquecida neste debate, terá, sim, o nosso combate.

 

 

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