Intervenção de Paulo Sá na Assembleia de República

"Manobras de pressão, chantagem e ingerência por parte das instituições da União Europeia"

Sr. Presidente,
Srs. Deputados,

As manobras de pressão, chantagem e ingerência por parte das instituições da União Europeia voltam de novo a fazer-se sentir.

O objectivo destas manobras é claro: ir apertando o cerco, limitando decisões soberanas e estreitando as opções orçamentais possíveis até restar apenas um único caminho, exactamente aquele que a Comissão Europeia impôs no passado a Portugal e que pretende ver percorrido no futuro, o caminho do agravamento da exploração e do empobrecimento.

Tais pressões e ingerências não são novas, apenas eram menos visíveis durante o consulado do anterior Governo PSD/CDS, que adoptava sempre uma postura de subserviência perante as instituições da União Europeia. Uma postura ditada não só pela completa identificação com o projecto europeu neoliberal, mas também pela intenção – nunca confessada, mas profundamente desejada – de usar o Programa da Troica como pretexto para a concretização de um velho sonho da direita: ajustar contas com o 25 de Abril, destruindo as suas importantes conquistas no plano económico, social e cultural.

O relatório da 3.ª avaliação da Comissão Europeia ou as decisões e intenções anunciadas relativamente à banca nacional são apenas os exemplos mais flagrantes de como a Comissão Europeia continua a procurar criar um quadro que possa servir de pretexto para a ingerência nas nossas decisões soberanas e a imposição de políticas que o povo e o país recusam.

A Comissão Europeia e o Banco Central Europeu, secundados pelo Fundo Monetário Internacional, não conseguem disfarçar o seu profundo desagrado pelo facto de o povo português, nas eleições legislativos do passado mês de outubro ter rejeitado, de forma inequívoca, o caminho de exploração e empobrecimento que nos foi imposto durante os negros anos do Programa da Troica e do Governo PSD/CDS.

Não conseguem disfarçar a sua frustração pelo facto de a nova composição da Assembleia da República ter permitido aprovar um orçamento de Estado que, ao arrepio das orientações da União Europeia, tenta dar resposta aos problemas mais urgentes do povo português no que diz respeito à devolução de salários, pensões e direitos, à reversão das privatizações, à melhoria das funções sociais do Estado na saúde, educação e protecção social e à diminuição da brutal carga fiscal que recai sobre os rendimentos do trabalho.

O que pretendem mesmo, e não deixarão de usar todos os meios ao seu dispor para o atingir, é o prosseguimento por tempo indefinido da política de liquidação de direitos e de assalto aos rendimentos dos trabalhadores e do povo, objectivo evidenciado de forma tão clara no relatório da 3.ª avaliação pós-troica.

Nesse Relatório, a Comissão Europeia volta a insistir na facilitação dos despedimentos e na precariedade e critica o aumento do salário mínimo com falsos argumentos sobre o impacto no emprego e na competitividade, não conseguindo esconder que, na sua opinião, boas reformas laborais são aquelas que liquidam direitos dos trabalhadores e favorecem os baixos salários.

Insiste também na necessidade de continuar as supostas reformas do anterior Governo, mas sabemos bem que reformas são essas, aquelas que, num passado recente, levaram à recessão e estagnação económica, ao enfraquecimento do aparelho produtivo, a um brutal nível de desemprego, aos baixos salários e à precariedade laboral, à emigração em massa, ao crescente controlo da economia nacional pelo grande capital nacional e estrangeiro, à destruição de serviços públicos e à degradação dos apoios sociais, ao alastramento da pobreza e da miséria e ao agravamento da dependência externa.

As exigências da Comissão Europeia para o prosseguimento das políticas de exploração e empobrecimento que infernizaram a vida dos portugueses, contrastam, de forma flagrante no relatório da 3.º avaliação, com a preocupação de que Portugal venha a ser incapaz de assegurar o pagamento do serviço da dívida. A Comissão Europeia deixa cair a máscara quando afirma que os riscos de incumprimento poderão ser contidos se Portugal prosseguir o caminho de consolidação das contas públicas e das reformas estruturais, o que, na terminologia da Comissão Europeia, significa simplesmente: prosseguir o caminho da exploração e empobrecimento dos trabalhadores e do povo.

Sr. Presidente,
Srs. Deputados,

A ingerência das instituições da União Europeia tem um enquadramento, que lhe é dado pelo Pacto de Estabilidade e Crescimento, pela União Económica e Monetária e pelo Tratado Orçamental. Estes são instrumentos que, tal como o PCP denunciou desde o primeiro momento, permitem às instituições da União Europeia condicionar e limitar as nossas opções soberanas, impondo políticas que não servem os interesses de Portugal e dos portugueses. Traduzem-se em constrangimentos e condicionalismos que criam sérios entraves a uma inversão da política de exploração, empobrecimento e declínio nacional imposta pelo anterior Governo PSD/CDS e que impediram, em particular, que no Orçamento do Estado para 2016 se fosse mais longe na necessária política de reposição de direitos e rendimentos e de defesa das funções sociais do Estado.

Os constrangimentos e condicionalismos resultantes do Pacto de Estabilidade e Crescimento, da União Económica e Monetária e do Tratado Orçamental não têm a mesma expressão para todos os estados-membros da União Europeia. Para uns, como Portugal, umas décimas a mais no défice orçamental despoletam uma reacção violenta da Comissão Europeia; para outros, com maior peso económico e demográfico, o cumprimento das metas para o défice ou para a dívida pública beneficia de maior benevolência e flexibilidade. Tal facto é indissociável da natureza e dos objectivos da designada construção europeia, orientada para a concentração de poder nas principais potências capitalistas da Europa e em instituições supranacionais distantes do controlo dos povos.

É preciso dizer não às intoleráveis ingerências da Comissão Europeia, rejeitando o caminho que nos querem impor à força. É preciso não ceder a pressões e chantagens. É preciso firmeza no prosseguimento do caminho de devolução de direitos e rendimentos aos trabalhadores e ao povo. É preciso dar continuidade às medidas de carácter positivo implementadas nos últimos meses, levando-as mais longe. Só desta forma poderemos ter uma perspectiva de um Portugal soberano, mais desenvolvido e mais justo.

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