Intervenção de Ana Mesquita na Assembleia de República

«A luta em geral contra a precariedade é também a luta pela defesa da Escola Pública»

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Senhor Presidente,
Senhoras e Senhores Deputados,

Ao longo de décadas, sucessivos governos optaram por uma política de Educação, Ensino Superior e Ciência que assenta na precariedade laboral e na instabilidade para os trabalhadores docentes e não docentes, suprimindo necessidades permanentes do sistema educativo, em todos os graus de ensino, e do sistema científico e tecnológico por diversas modalidades de trabalho com vínculo precário.

A estabilidade dos trabalhadores, docentes e não docentes, é uma condição fundamental para a estabilidade do próprio sistema educativo, sem a qual não pode haver qualidade do ensino e uma escola verdadeiramente democrática. Se hoje, apesar das dificuldades e insuficiências, podemos ainda afirmar que o nosso país dispõe de um sistema educativo capaz, devemos esse facto sobretudo à dedicação e ao empenho destas pessoas que dão o seu melhor ao funcionamento da Escola Pública.

Tem de haver respostas para estes trabalhadores e o PCP tem propostas nesse sentido: a vinculação dos Assistentes Operacionais e o cumprimento do Orçamento do Estado com a revisão dos critérios da portaria, a colocação dos professores por lista de graduação nacional, a vinculação de professores no Ensino Superior, entre outras.

A luta em geral contra a precariedade é também a luta pela defesa da Escola Pública em todos os graus de ensino. Por isso, saudamos os trabalhadores não docentes dos estabelecimentos de educação e ensino da Rede Pública que convocaram uma greve nacional para esta Sexta-Feira, dia 3 de Fevereiro, pelo fim da precariedade, pela dignificação profissional e por uma escola pública de qualidade, contra a falta crónica de pessoal e o recurso sistemático e ilegal à contratação precária. Uma das matérias reivindicadas é a revisão da chamada Portaria dos rácios, questão que o PCP levantou e apresentou como proposta em sede de Orçamento de Estado para 2017. Proposta aprovada que urge ser implementada, conforme a realidade tem demonstrado – com a vigilância e a limpeza que faltam, a biblioteca, o serviço de papelaria ou fotocópias que não abrem, o pavilhão que não pode funcionar, sem falar na enorme sobrecarga de trabalho que conduz os trabalhadores à exaustão.

Senhor Presidente,
Senhoras e Senhores Deputados,

Com o fim o processo negocial entre o Ministério da Educação e as organizações sindicais representativas dos professores, não se vislumbra ainda a resolução do tremendo problema de precariedade que afecta os professores contratados. Apesar da entrada nos quadros de mais de 3.000 professores e do fim da Bolsa de Contratação de Escola, a verdade é que subsistem milhares de professores sujeitos ao abuso no recurso à contratação a termo. É preciso acabar de vez com a dita “norma-travão” e assumir uma ruptura com esta política de precariedade e desestabilização do corpo docente em todas as vertentes da sua vida profissional e familiar.

Havendo vontade, há também soluções. Ao longo dos anos, o PCP tem apresentado uma proposta viável e justa para a situação dos professores contratados, que consiste na abertura de vagas a concurso nacional por lista graduada em função de todas as necessidades manifestadas pelas escolas para horários completos que se verifiquem durante três anos consecutivos. É uma forma eficaz, transparente e objectiva de proceder ao recrutamento e colocação de professores, promovendo a estabilidade e criando comunidades docentes diversificadas. Os professores contratados representam uma importante parte do corpo docente e, na sua maioria, não se encontram a preencher tarefas pontuais. Portanto, a um posto de trabalho permanente deve corresponder um vínculo de trabalho efectivo.

Quanto ao Ensino Superior, são múltiplas as situações de precariedade docente, que vão aprofundar-se, indubitavelmente, com as universidades em regime fundacional. Mas detenhamo-nos agora no caso de uma Faculdade de uma Universidade integralmente pública. Segundo dados de 2016, dos 117 trabalhadores que compõem o corpo docente da Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa, 46 têm um vínculo precário “de convidado”. Ou seja, falamos já de cerca de 40% do total do corpo docente da FBAUL. Acresce o agravamento das condições de trabalho dos professores especialmente contratados, que viram a sua carga horária lectiva ser aumentada sem que a isso correspondesse qualquer acréscimo de salário, situação que tem de ser esclarecida e corrigida.

Não podemos esquecer também as insuficiências do processo de transição dos docentes do ensino superior politécnico constante do Decreto-Lei n.º 45/2016, de 17 de agosto. Este diploma não dá resposta, designadamente, a um conjunto de docentes que não são abrangidos por qualquer medida conducente à sua estabilidade profissional e continuam acometidos a sucessivos contratos precários, quando é evidente que respondem a necessidades permanentes. É o caso de muitos docentes que têm vários anos de serviço na respectiva instituição e cujo prazo contratual máximo de 6 anos se esgota, mas com quem as Instituições não podem renovar contrato.

Uma nota final para as matérias do emprego científico. A precariedade na ciência é um autêntico flagelo estrutural que carece de medidas urgentes e assertivas quanto à sua resolução. Com o processo de especialidade da apreciação parlamentar agendada pelo PCP podem ser dados importantes passos, sobretudo se forem incluídos mecanismos que evitem a sucessão de contratos precários, conforme propomos. Mas é também urgente fazer uma reflexão e uma discussão mais alargadas sobre a condição de bolseiro e a perspectiva de integração na carreira, combatendo decisivamente a severa precariedade que assola os trabalhadores científicos que dependem de bolsa.

A política de direita que satisfaz o voraz apetite dos grandes grupos económicos alimenta-se da precariedade e da desvalorização do trabalho, escondendo a exploração e o empobrecimento por trás do aroma a pão quente com que pretende ludibriar os trabalhadores. Que se desenganem os que pensam que se trata de uma “inevitabilidade” ou de um mero acidente. É uma opção ideológica, com custos elevadíssimos para o desenvolvimento do país, com o objectivo último de retirar à Educação, ao Ensino Superior, à Ciência e à própria Cultura Científica qualquer resquício do seu carácter emancipador, remetendo-as a um papel de duplicadoras do interesse de classe. É preciso romper com este rumo. É com essa ruptura que o PCP está comprometido.

Disse.

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