Intervenção de

Livro Branco para as Relações Laborais - Intervenção de Francisco Lopes na AR

Declaração Política sobre o Relatório da Comissão do Livro Branco para as Relações Laborais

 

Sr. Presidente
Senhores deputados

Fomos ontem confrontados com a divulgação pública do chamado "Relatório de progresso" da Comissão do Livro Branco para as Relações Laborais, nomeada pelo Governo.

Após vários protelamentos, apareceram à luz do dia as propostas encomendadas sobre a revisão do código do trabalho. Era difícil produzir pior. As propostas da Comissão são uma declaração de guerra do Governo aos trabalhadores portugueses.

Declaração de guerra aos trabalhadores, com o ataque ao direito ao trabalho. Em Portugal já há demasiado desemprego, demasiados despedimentos e demasiada facilidade de despedir, mas a Comissão vem nada menos, nada mais do que propor a facilitação dos despedimentos individuais sem justa causa. Quer alargar os despedimentos por inadaptação, criando a nova definição de inepto ou incompetente como motivo para despedimento. Seria a mais completa mistificação. Já estamos a ver: um trabalhador a chegar ao seu posto de trabalho e a receber o veredicto, és inepto, foste declarado incompetente: estás despedido. É a lei da selva.

Ao mesmo tempo propõe a redução dos direitos processuais para acelerar os processos de despedimento e dificultar a reintegração do trabalhador. Inebriado pela sua própria propaganda o Governo acha que chegou o momento de instituir um género de despedimento na hora.

Com tais propostas não está apenas em causa a facilitação arbitrária dos despedimentos, mas também a criação de um mecanismo de chantagem a partir da ameaça de despedimento para obrigar os trabalhadores a aceitarem o inaceitável nas suas condições de trabalho.

Declaração de guerra aos trabalhadores também a propósito dos horários de trabalho, dos salários, dos subsídios de férias, das férias e da contratação colectiva.

O Governo encomendou e a comissão propõe acabar com o conceito de horário de trabalho diário. Durante milénios o ser humano foi das mais diversas formas usado até ao esgotamento das suas forças em mecanismos de apropriação do seu trabalho, sem limites e sem horários. Num movimento de progresso impulsionado por muitos anos de luta de gerações sucessivas de trabalhadores o direito ao horário de trabalho diário e ao descanso semanal foi conquistado há mais de um século. O Governo quer agora fazer o caminho de retrocesso. Passando a controlar o tempo de trabalho apenas no plano semanal, mensal ou mesmo anual, admite que um trabalhador possa estar até 24 horas diárias sujeito às exigências da empresa com curtos intervalos de descanso. Que espaço fica para a vida pessoal e familiar e que condições são estas para uma vida saudável. Bem podem fazer-se grandes discursos sobre a conciliação entre a vida profissional e a vida familiar, sobre a protecção das crianças e a responsabilidade da família no seu acompanhamento e formação, este caminho gangrena todas essas exigências e valores.  Verdadeiramente o que os orienta é a concepção do trabalhador como peça descartável na engrenagem da exploração e do lucro.

O Governo encomendou e a comissão propõe instituir a possibilidade de redução dos salários por acordo directo entre o trabalhador e a entidade patronal. Já estamos a ver a chantagem: ou trabalhas com redução do salário ou vais para a rua. Na ânsia de reduzir as remunerações tudo serve incluindo a redução dos subsídios de férias e de Natal e o alargamento do número de horas extraordinárias com o corte no seu valor.

Quando os trabalhadores portugueses têm dos salários mais baixos dos países da União Europeia e em 2006 perderam poder de compra como já não se verificava desde 1984, quando uma grande parte dos pobres são trabalhadores com baixos salários, não deixa de ser significativo que a direcção que este Governo aponta é a da redução real e nominal do valor dos salários. Afinal a estratégia do país, com baixos salários e em que eles tenderão a crescer menos defendida pelo ministro Manuel Pinho, não foi uma gaffe, é a estratégia do Governo. Agora o Ministro da Economia está ainda melhor preparado, tem mais munições para a promoção do país no estrangeiro: pode propagandear pelo mundo que em Portugal ao contrário do que é natural e se passa por todo o lado o Governo trabalha afincadamente para que os salários no futuro sejam ainda mais baixos.

O Governo encomendou e a Comissão propõe sobre a contratação colectiva, contrariando tudo o que o PS defendeu antes das eleições e após a primeira alteração que piorou o Código, manter acelerar a caducidade, desproteger ainda mais os trabalhadores atingidos por essa situação e alargar o comprometimento do principio do tratamento mais favorável.

As propostas apresentadas são ainda uma declaração de guerra aos trabalhadores pelo ataque aos sindicatos e à organização sindical. O Governo começou na Administração Pública e agora estende esse ataque a todos os sindicatos. Entre outros aspectos quer reduzir drasticamente o numero de dirigentes que podem recorrer ao crédito de horas, quer desagregar a organização sindical desligando a eleição dos delegados sindicais dos filiados nos sindicatos e quer estabelecer a confusão nas condições e créditos para as reuniões dos trabalhadores nos locais de trabalho de maneira a dificultar ou impedir a sua realização.

Sobre a violação dos direitos constitucionais e a prática liquidação da democracia em muitas empresas o que propõe é na direcção do agravamento. Sobre o acesso à justiça, as custas e o apoio judiciário, a acção executiva, a Inspecção-Geral do Trabalho em processo de transformação, áreas onde se acumulam problemas que impedem a uma grande parte dos trabalhadores o real acesso à justiça, as propostas referenciadas revelam uma total insensibilidade e acentuam a desresponsabilização do Estado.

Este Governo está a assumir-se como um Governo anti-sindical cujas referências já passam por cima de Tony Blair para se inspirarem directamente em Margaret Tacther. Uma prática anti-sindical que é parte de uma mais vasta acção de limitação dos direitos democráticos e de condicionamento da própria democracia.

Dir-se-á que é um relatório intercalar, a que se seguirá um definitivo e que o Governo ainda não se pronunciou, mas este é o relatório de uma Comissão nomeada pelo Governo, cujas conclusões foram por este conhecidas e acompanhadas e que inteiramente o responsabilizam. Sabemos que estas propostas serão derrotadas, mas independentemente do que vier a suceder no futuro ficou preto no branco que a orientação do Governo do PS está definida e essa orientação é para piorar o Código do Trabalho.

É a generalização da precariedade, o agravamento da exploração, a redução de direitos, a degradação das condições de vida dos trabalhadores e do povo português para aumentar os lucros dos grandes grupos económicos e financeiros, é o comprometimento do futuro do país. São opções ilegítimas. É a flexigurança à portuguesa que o Governo colocou como sua preocupação no âmbito da Presidência Portuguesa.

Até onde irá o Governo. Na sua lógica de comprometimento de direitos não tem limites. Mas terá, estes projectos têm que ser derrotados e vão ser derrotados. A Greve Geral de 30 de Maio com o envolvimento de mais de 1 milhão e quatrocentos mil trabalhadores, grande aviso e demonstração de descontentamento, mostrou que há força capaz de combater este projecto retrógrado.

Não estamos no Século 18 ou 19, não estamos no tempo da escravatura. Estamos no Século XXI, e, embora o Governo PS tenha como inspiração o regresso ao passado em matéria de direitos e condições de trabalho, a concepção do desenvolvimento, do trabalhador como ser humano, de progresso civilizacional acabará por triunfar.

Essa é hoje uma grande causa que o PCP assume integrando-a no projecto de um Portugal mais desenvolvido e mais justo.

 

  • Trabalhadores
  • Assembleia da República
  • Intervenções