Intervenção de

Lei de Programação Militar - Intervenção de João Amaral

Senhor Presidente,
Senhores Membros do Governo,
Senhores Deputados,

A primeira nota a deixar neste debate é de vivo protesto pela incapacidade revelada pelo Governo de apresentar esta Proposta de LPM em tempo, por forma a estar aprovada no início do seu período de execução. A realidade é que ao fim de 12 anos de programação militar, está tudo na mesma quanto aos prazos da aprovação das LPM's. Tal como sucedeu em 1986 com a aprovação da lei intercalar, e em 1987 com a aprovação da 1ª LPM, e em 1993, com a aprovação da 2ª LPM, e em 1997 ( já com este Governo) com a aprovação da revisão da 2ª LPM, mais uma vez o debate é feito quando já está largamente ultrapassada a data de início da sua vigência. Esta 3ª LPM abrange já o ano em curso,. mas só agora, a meio do ano estamos aqui a apreciá-la. Há mais de um ano, em Março do ano passado, quando foi feita a revisão da 2ª LPM, o Governo já apresentou aqui um documento intitulado " referencial guia" da 3ª LPM. Pois apesar de os termos essenciais desse referencial-guia serem os que constam da 3ª LPM agora apresentada, o Governo demorou dezasseis meses a apresentá-la à Assembleia. E já depois de a apresentar, demorou quinze dias a remeter à Assembleia a documentação essencial para a sua compreensão, pelo que as audições da Comissão Parlamentar de Defesa com os membros do Governo e alguns dos Chefes Militares foram feitas com os Deputados na prática ignorância do significado e dos elementos determinantes da Proposta de Lei. Isto é, o Governo atrasa-se e preguiça durante dezasseis meses, mais depois põe a Assembleia da República a trabalhar sem informação atempada e a toque de caixa, porque a proposta tem de estar aprovada até ao fim deste mês de Junho, data em que termina o ano orçamental ... dos Estados Unidos, tendo em vista o aproveitamento das decisões tomadas pelo Congresso dos Estados Unidos quanto aos F16.

Esta situação de atraso causa à partida dificuldades evidentes para a correcta execução da Lei. Pode o Governo dizer as vezes que quiser que a programação é um contínuo. A realidade é que este atraso com que a lei vai entrar em vigor vai repercutir-se negativamente no lançamento dos concursos e no expediente técnico da sua execução. As apreciações negativas que os sucessivos Ministros têm feito sobre a incapacidade das Forças Armadas para concretizarem a programação prevista na lei são injustas e inadequadas, porque quando uma lei deste tipo começa a ser aplicada com um atraso destes evidentemente que terá graves consequências na sua execução. O mal não está na legislação em vigor sobre aquisições de bens e serviços. Essa legislação, de matriz europeia, é uma legislação de rigor e transparência, que a administração militar só ganha em cumprir, com as adaptações que essa própria legislação já prevê para o sector da defesa. O mal não é o 55/95, que aliás já incorpora especialidades na sua aplicação como resulta expressamente do seu artigo 23º, nº 2 alínea d), e outras especialidades que resultam da sua actualização feita pelo Decreto-Lei nº 128/98. O mal, a este nível, está na não implementação no MDN do Decreto Lei nº 155/92, que estabelece o regime de administração financeira do Estado. E o mal maior está nestes atrasos, na apresentação da LPM, que condenam à partida a boa execução da lei.

Estes atrasos e atropelos são entretanto sintoma de uma questão mais vasta, que se pode resumir nos seguintes termos: o que caracteriza esta 3ª LPM é ser apresentada sob o signo do casuísmo, do transitório, e da incapacidade de tomar as decisões de fundo, capazes de concretizar uma verdadeira racionalização e integração de meios.

A questão de se estar num momento de trânsito no que toca à definição da base pessoal nas Forças Armadas, entre uma base com uma componente de SMO, hoje já muito escassa, e uma base assente em voluntários e contratados, não justifica que quanto às missões, sistema de força e equipamentos militares se continue a viver tanta indefinição, tanta incapacidade para uma conceptualização rigorosa, atempada, capaz de gerar decisões firmes e sustentáveis no médio prazo. Mas é nessa indefinição e incapacidade que efectivamente se vive.

Basta ver que o topo do edifício conceptual em que assenta a componente militar de defesa nacional - o conceito estratégico de defesa nacional - está assumidamente desactualizado. E isso é dito por todos os responsáveis pelo Governo, pelo Ministro da Defesa Nacional, pelo Conselho Superior de Defesa Nacional, por todo o tipo de especialistas e Institutos ligados à defesa nacional. Por muito seguidismo que o Governo aceite em relação às decisões da OTAN e do Pentágono, há limites e este é um deles. Se o CEDN está desactualizado o que devia estar feito era o debate da sua revisão. Nós não vamos mudar os nossos objectivos de defesa por termos mais SMO ou mais contratados. Não é isso que define, na função defesa nacional, quais são as missões militares. Ora, a realidade é que o Governo não só não suscitou a revisão do CEDN, como foi aprovar à pressa o conjunto de conceitos que dele decorrem, o Conceito Estratégico Militar, Missões, Sistema de Forças e Dispositivo, com a justificação da necessidade de enquadrar a 3ª LPM, mas assumindo à partida que se tratava de textos transitórios, a serem reformulados em curto espaço de tempo. A imponderação e indefinição é tal que na proposta de lei quadro das leis de programação militar, no seu artigo 8º ( disposição transitória) se prevê que a 3ª LPM possa conhecer uma revisão já daqui a meses, e cito " caso venha a ser alterado o sistema de forças".

Isto não dá para acreditar. Então a Assembleia da República vai votar despesas no altíssimo valor de 215 milhões de contos, para seis anos, com a previsão de mais 263 milhões nos seis anos seguintes, um valor total de 479,2 milhões de contos, mas afinal pode não ser assim já daqui a uns meses, podem não ser estas aquisições, mas outras, pode não ser este planeamento mas outro ?. A incapacidade, as indefinições, a imponderação, conduzem a este amadorismo quase irresponsável,. que transforma as decisões da Assembleia da República numa espécie de brincadeira, de faz de conta, que se pode rasgar, alterar e subverter em escassos meses. Isto assim não é sério !.

Olha-se para o Programa do Governo, que os Ministros gostam de dizer que aqui foi aprovado, embora tivessem obrigação de saber que a Assembleia não vota o Programa do Governo. Olhe-se para o Programa, e lá estão retumbantes afirmações acerca da racionalização de meios, da sua utilização integrada, da adequada relação custos/eficácia. Essas afirmações foram repetidas abundantemente por todos os discursos dos dois Ministros da Defesa Nacional deste Governo. Aparecem nas Grandes Opções do Plano, repetidas todos os anos. Mas a prática é bem diferente, e está bem reflectida na Proposta aqui apresentada.

Há aqui uma nota essencial sobre esta questão, que, de alguma forma, é uma novidade que a Assembleia da República não pode ignorar. Trata-se de uma apreciação central fornecida à Comissão por uma das Chefias militares, segundo a qual para a racionalidade das opções contidas na 3ª LPM falta uma peça essencial, que é a definição dos Planos de Defesa. O simples facto de isto ter sido oficialmente dito à Comissão de Defesa Nacional coloca a AR perante uma evidência de falta de adequada e suficiente fundamentação para as opções efectuadas. A mesma chefia militar acentuava que não existiam "capacidades militares" em abstracto. Eles só tinham sentido quando decorrentes dos concretos planos de defesa definidos. Vão dizer que isto é evidente, como evidente é que, não havendo planos de defesa, verdadeiramente não podem ser fundamentadas as opções. Se é evidente, então vamos tirar todas as consequências práticas desse factor quanto à apreciação desta 3ª Lei da Programação Militar. Vamos ver qual o nível de seriedade da lei no seu conjunto, como está justificada, quais as finalidades concretas nos planos de defesa definidos dos equipamentos e armamento a comprar. Olha-se para a proposta da 3ª Lei da Programação Militar e o que é que se conclui?

A primeira observação é sobre a sua credibilidade. A lei faz a opção de compra de novos submarinos, e inscreve para essa aquisição um valor de 31 milhões de contos para o período, mais 38,8 para anos seguintes, num total de perto de 70 milhões de contos. Ora, toda a gente sabe que esse valor seria para comprar determinados submarinos usados, negócio que Portugal já perdeu. Como têm de ser comprados submarinos novos, o seu preço rondará os 120 a 130 milhões de contos. Isto é, a proposta é uma mistificação financeira, porque assume à partida como valor do seu programa mais caro um valor que é 40% inferior ao real, menos 50 a 60 milhões de contos! Daqui para a frente, o que é possível dizer acerca desta lei? Eu pergunto: é possível considerar como absolutamente séria uma proposta que logo à partida, e absolutamente à vista, contém tal mistificação? O que é que o Governo quer dizer com isto? Que embora preveja a compra, acha que o País não tem capacidade para a efectivar? Ou que outras aquisições previstas na lei não são afinal para levar a sério?

A 3ª Lei de Programação Militar apresenta-se como uma soma de programas, ainda por cima soma viciada, como se viu, na coluna da despesa. Uma soma de programas que não cumprem as promessas estruturais do Governo, de racionalização e integração, para o que é essencial, e que é a melhor relação custo/eficácia tendo em vista as reais necessidades do país que somos.

Porquê comprar uma nova esquadra de F16? O valor inscrito na 3ª LPM corresponde a mais de 50 milhões de contos, mas outras fontes oficiais já escreveram em publicações devidamente editadas que o programa custa pelo menos 60 milhões. Estamos de qualquer forma a falar de um programa que corresponde a cerca de ¼ do valor total da 3ª LPM. Mas, os F16 vão ter missão primária na NATO, destinam-se a interoperar com outras forças europeias e correspondem a uma assumida intenção do Governo de participar nessas forças com um alto nível de empenhamento, tendo em vista o que chamam "a afirmação de Portugal". É assim um objectivo de política externa e não de defesa nacional. É um preço altíssimo que o País não precisava de pagar. Gastar 60 milhões de contos para ter F16 a evoluírem sobre os céus da Jugoslávia não é aceitável a nenhum título para um País com tantas dificuldades, incluindo na área da defesa nacional nas suas componentes que são determinantes.

Compram-se F16 mas adia-se para daqui a vários anos a decisão de comprar patrulhas oceânicas, modernas, capazes de concretizar uma efectiva fiscalização das vastas áreas marítimas de interesse nacional, dotadas de meios modernos e adequados às suas missões.

Compram-se F16 mas adiam-se decisões quanto aos helis para busca e salvamento, para os quais foi feito um concurso, depois anulado, com exigências combatentes que bem mereciam uma discussão, e que estão na origem das dificuldades de concretização do concurso.

Compram-se novos helis para o Exército, que este vai gerir, como a Marinha gere os helis das fragatas, tudo numa lógica de duplicações que depois se repercute forçosamente nas disponibilidades financeiras para aquisição de outros meios, e num maior peso dos orçamentos de funcionamento.

Decide-se a aquisição de um navio polivalente logístico, num programa que vai para os 21 milhões de contos previstos, e pergunta-se: como vai operar? Com que protecção? Que meios anfíbeos vai transportar? Onde estão? Para quê estão esta alternativa? Porque não polivalência dos meios existentes, e doutros que são necessárias e que poderão realizar outras funções?

Com a nova lei quadro, são metidas na programação militar programas que cabiam no ODN corrente e no PIDDAC. Por outro lado, a previsão de que de dois em dois anos tudo pode ser revisto torna este sistema numa espécie de cenário de teatro, que muda completamente em cada acto. Não estamos na flexibilização da programação militar como é anunciado, estamos na institucionalização do casuísmo, na liquidação do planeamento que deveria ser linha e fundamento deste processo.

Feita num quadro em que parece, o essencial é ter lei para apresentar no Congresso americano para a operação F16, que depois vamos pagar com ¼ do total da despesa prevista, esta 3ª LPM vai ter vida curta e atribulada. Daqui a uns dias, mudam os conceitos, haverá alterações no sistema de força, haverá forçosamente correcções de preços de altíssimo valor como no caso dos submarinos, e desta lei, pelo menos daquilo que é o equilíbrio programas-verbas, pouco restará.

O que se pergunta é se o País tem de compreender e aceitar ter um MDN incapaz de gerir seriamente investimentos que rondam uma média de 35 milhões de contos anos, um orçamento que ultrapassa anualmente os 300 milhões. Se o País tem de compreender e aceitar um MDN que fala de racionalização mas é incapaz de a concretizar, que fala da relação custo/eficácia mas que se fica pela soma dos programas, que fala da integração e interoperacionalidade mas aceita caras duplicações, que fala das dificuldades do País mas que depois compra caros meios militares que nada acrescentam à defesa nacional e só servem para o Governo passear vaidades nos fora europeus e da Nato, enquanto descura a aquisição de meios essenciais para os interesses nacionais.

O PCP afirma aqui a sua disponibilidade total para um trabalho sério. Mesmo para as decisões difíceis, que seja necessário tomar: decisões de racionalidade, afectação de meios aos interesses nacionais, garantia de interoperacionalidade, adequada relação custos/eficácia, descompartimentação dos meio.

Defendemos que se privilegiem, nesta fase, os meios adequados ao controlo do território nacional, à fiscalização adequada e controlo possível do mar de interesse nacional, e à detecção e vigilância do espaço aéreo. Provavelmente temos de pensar mais em aviões de patrulhamento e em helis de busca e salvamento do que numa nova esquadra de F16. Temos de pensar mais nas novas patrulhas oceânicas do que em mais fragatas. Temos que pensar mais na BLI e na preparação da mobilização militar do que em Forças Especiais para integrar forças multinacionais. Temos de pensar mais em Baterias de Defesas de Costa bem equipadas do que em projecção de força.

O Governo tem o dever de muito rapidamente propor a reformulação conceptual e a consequente elaboração dos planos que permitam, algures não muito longe, fazer finalmente uma discussão séria da programação militar, uma discussão muito diferente desta apreciação que hoje fazemos desta LPM virtual.

Disse.

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