Lançamento do livro &#8220;As Mulheres e o Poder Local&#8221;<br />Intervenção de Fernanda Mateus

Razões deste projecto“As Mulheres e o Poder Local”, livro que hoje apresentamos, é o resultado de um trabalho de equipa e de todas(os) que contribuíram com a sua reflexão e experiência, sem esquecer o importante contributo das “Edições Avante!” para o resultado final.A decisão deste trabalho, por parte da Organização das Mulheres Comunistas, foi assumida no âmbito da preparação das eleições autárquicas de 2001 e por quatro razões fundamentais:1ª. – A carência de informação sistematizada e de fácil consulta sobre a evolução ao longo dos anos, da participação das mulheres nos órgãos de poder local, factor inibidor de uma alargada sensibilização da necessidade de medidas tendentes ao reforço dessa participação.2ª. – Dar visibilidade, por um lado, ao importante papel do poder local na promoção da melhoria da qualidade de vida das mulheres, designadamente na informação sobre os seus direitos, na valorização dos seus saberes e do seu papel na vida das comunidades, no apoio de reivindicações junto do poder central, na cooperação com as organizações de mulheres; e, por outro lado, estimular o alargamento desta reflexão e acção junto das eleitas(os) no mandato autárquico iniciado em 2002.3ª. – Dar continuidade a uma linha de reflexão do PCP sobre a necessidade do seu contributo na garantia de um progressivo reforço da participação política das mulheres – tanto na perspectiva da sua presença nos órgãos de poder, como no reforço do seu papel nas tomadas de decisão, promovendo o debate ideológico, questionando atitudes e mentalidades, avaliando insuficiências nestes domínios e agindo diariamente pela mudança. O reforço da participação política e cívica das mulheres é um meio incontornável para a elevação da sua consciência política e social, para a construção de uma sociedade sem discriminações, uma sociedade mais justa e solidária.4ª. – E, ainda, porque sendo a baixa participação das mulheres transversal a todos os partidos não devem, contudo, ser mascaradas as diferenças existentes entre eles. O PCP e a CDU registam uma constante evolução na participação de mulheres, tanto nos órgãos de poder local como para a Assembleia da República, posicionando-se à frente das restantes forças políticas. As estratégias necessárias para garantir um efectivo reforço da participação política das mulheres a nível dos órgãos do poder impõem seriedade, não só na avaliação das causas objectivas e subjectivas, mas sobretudo coragem na adopção das medidas necessárias por parte de todos os intervenientes neste processo – os partidos, o poder político, a sociedade. E nas quais as mulheres devem assumir um insubstituível papel.Neste trabalho dá-se destaque a três temas centrais:O primeiro, relaciona-se com a participação das mulheres nos órgãos autárquicos entre 1976 e 2001 – um trabalho realizado por Luísa Portugal, Graciete Baptista, Maria Aliste e Adelina Coelho.Várias dificuldades limitaram a informação, nomeadamente a falta de dados relativos a 1976 e ainda a diversidade de fontes usadas para a análise do período de 1976 a 2001. Os dados sistematizados, com as falhas que poderão ter, são, no entanto, suficientes para uma “radiografia” da situação.O segundo tema, coordenado por Manuela Pires, procurou reflectir, através de sete colaborações, sobre a importância de questionar atitudes e mentalidades e a necessidade de agir pela mudança, incidindo sobre questões tão importantes e actuais, tais como: • a importância da participação cívica e política das mulheres; • os factores que condicionam a alteração das mentalidades; • a participação das mulheres no poder local; • a importância da participação das mulheres no associativismo; • e o papel das trabalhadoras na Administração Local.O terceiro, coordenado por Amélia Freitas e Ana Cardoso, destaca o “O Poder Local e as mulheres” através de suportes documentais – que, de alguma forma, ilustram o conteúdo de iniciativas positivas, de entrevistas com eleitas(os) que exerceram ou exercem funções em vários órgãos, e trabalhadoras das autarquias com intervenção nestas áreas. Pretendeu-se, deste modo, estimular novas iniciativas neste novo mandato.No final do livro apresentam-se exemplos relativos à acção do PCP nestas áreas e uma informação relativa à bibliografia temática.Passaria a fazer uma breve incursão por algumas das questões que são suscitadas nos vários capítulos.Como primeiro aspecto, a necessidade de promover um avanço mais significativo da participação feminina nos diversos órgãos autárquicos.Neste domínio importa reter que:A manterem-se os ritmos de crescimento registados ao longo destes 18 anos, a situação de igualdade, na representação entre homens e mulheres nos órgãos do poder local, seria atingida apenas em 2115.Deram-se, no final da década de 90, alguns passos na participação das mulheres, mas a taxa de feminização passou de 4% em 1979 para 10,4% do total dos eleitos em 1997.A presença feminina é maior ao nível dos órgãos deliberativos (Assembleias Municipais e de Freguesia) que ao nível dos órgãos executivos (Câmaras Municipais e Juntas e Freguesia). É nas Assembleias Municipais que encontramos uma maior percentagem de mulheres – 13,8% em 1997. • A análise por distrito permite concluir a existência de comportamentos diferenciados, que poderão resumir-se da seguinte forma: na região Norte localizam-se os distritos onde a participação das mulheres é inferior à média nacional; os distritos de Lisboa e Sul do Tejo são os que apresentam taxas de feminização superiores à média nacional; na região centro localizam-se aqueles onde a taxa de feminização apresenta diversos posicionamentos. Estas diferenças parecem indiciar a existência de razões sócio-económicas que devem merecer a nossa reflexão.• A CDU regista uma evolução constante da participação feminina em todos os mandatos (ainda que insuficiente) para cada um e para o conjunto dos órgãos, sempre à frente das outras forças políticas. Como exemplo, vejamos o mandato de 1997: para as Assembleias Municipais as mulheres representam 21,2% do conjunto dos eleitos da CDU, enquanto essa percentagem para o conjunto dos partidos se situava nos 13,8%; quanto às Juntas de Freguesia, 13,2% de mulheres no conjunto dos eleitos pela CDU, enquanto estas representam 7,2% do total dos eleitos. Quanto ao mandato iniciado em 2001, e pelos dados já conhecidos, as mulheres vereadoras representam 15% do total dos eleitos por todas as forças políticas, enquanto na CDU essa participação é de 17,3%.É especialmente baixo o número de mulheres Presidentes de Câmara, verificando-se uma muito lenta progressão por parte de todas as forças políticas. Nas últimas eleições autárquicas, de 16 de Dezembro de 2001, apenas 5% dos Presidentes, dos 308 municípios, são mulheres. De novo, a CDU é a força política com maior proporção de mulheres à frente dos municípios. Entre as 16 Presidentes de Câmara eleitas, 3 são da CDU — Almada, Niza e Palmela, numa proporção de 18%.É ainda interessante registar que a evolução do peso das mulheres é sempre menor no Poder Local do que a verificada no conjunto dos eleitos para a Assembleia da República.• Atente-se às características das mulheres eleitas: Apresentam sempre, em todos os mandatos, um nível sócio-profissional superior à média dos eleitos. Tomemos como exemplo o ano de 1997: 52% das mulheres com cargos nas autarquias agrupavam-se em profissões intelectuais e científicas, técnicas e profissionais de nível intermédio, profissões que, para o conjunto dos eleitos, representam apenas 25,7%.• Também a estrutura etária das mulheres é menor do que a verificada para o conjunto dos eleitosTorna-se, indispensável uma avaliação pormenorizada das causas da lenta evolução da participação das mulheres nos órgãos de poder local, bem como as características desta participação. Contudo é evidente a existência de um complexo conjunto de factores que se entrecruzam e condicionam mutuamente, não existindo, em nossa opinião, uma solução única e milagrosa que resolva o problema.Há razões e condicionantes objectivas e também subjectivas, que se traduzem num vasto complexo de resistências, manifestas ou não, de natureza diversa, que condicionam a participação política e cívica das mulheres e perpetuam o seu distanciamento relativamente ao poder.É claro que as representações sociais continuam a ser predominantemente marcadas por uma divisão do trabalho no seio da família, que confere à mulher o essencial das tarefas de reprodução da força de trabalho, com consequências na utilização do tempo da mulher e na menor disponibilidade para o desempenho de cargos e até para a simples participação política e cívica.É também claro que a menor disponibilidade de muitas mulheres deve ainda ser procurada nas situações de instabilidade no emprego, o que não lhes permite aceder a funções autárquicas que ponham em risco o seu futuro profissional, bem como as dificuldades impostas na vida urbana, com consequências nas horas perdidas entre emprego/casa e numa maior dificuldade de harmonizar a vida familiar, profissional e uma regular participação política.Assim, à mulher com baixos salários continua a caber parte significativa do trabalho doméstico, enquanto as mulheres com salários mais elevados podem contratar externamente um conjunto significativo daquelas tarefas, aspecto que não deixa de facilitar a disponibilidade para o exercício de actividades sociais e políticas.Destaca-se, ainda, o peso das representações ideológicas dos papéis tradicionais de homens e mulheres que alimenta o afastamento das mulheres do exercício de funções políticas, a existência de diferentes critérios de avaliação de homens e mulheres e ainda a menor consciência das mulheres relativamente às suas capacidades e à utilidade da sua participação nestas funções. Saliente-se, como segundo grande tema, o poder local como um importante patamar do poder político. Patamar que poderá constituir (e em muitos caos constitui) uma “escola” de participação política e cívica, na medida em que estimule o envolvimento dos cidadãos e das cidadãs no equacionar dos seus problemas locais, nas soluções que melhor possam contribuir para a organização da vida colectiva e nas respostas a dar às necessidades do dia-a-dia. E que pode desempenhar um importante papel na promoção da igualdade de direitos e de oportunidades para as suas trabalhadoras – as trabalhadoras da Administração Local – designadamente na promoção a cargos de chefia, o respeito pelos seus direitos específicos, designadamente no domínio da maternidade-paternidade.Isto é, o poder local pode e deve assumir um papel interventivo na criação das condições objectivas para a igualdade, bem como na alteração das atitudes e mentalidades de homens e mulheres. Assim assuma uma postura de pedagogia pela igualdade, quer na sua acção própria, quer na sua relação com os diversos agentes locais e com a população.E tudo isto porque o poder local não poderá progredir se não contribuir para a participação das mulheres em igualdade nas suas esferas de competência. Do mesmo modo que o necessário reforço da participação política das mulheres não pode dispensar o poder local.Por último, salientar que o trabalho que apresentamos pretende constituir um contributo à reflexão individual e ao debate. Não tivemos, nem temos, a pretensão de ter levantado ou esgotado todas as questões que os temas propostos sugerem. Pretendemos, como o título do livro sugere, lançar Contribuições para a Reflexão e a Acção.A Organização das Mulheres Comunistas irá proceder ao envio desta publicação a um conjunto de entidades relacionadas com estas problemáticas.Será, entretanto, realizado ao longo do mês de Março e primeira quinzena de Abril um conjunto de iniciativas de lançamento e de debate, em vários pontos do País, e que terá como ponto de partida os conteúdos deste trabalho.Porque só agindo para a alteração das realidades será possível dar resposta a uma questão central: “O sonho da igualdade entre seres humanos não pode confinar-se a um dos sexos do planeta. Para ser real, para ser justo, para ser igual, tem de abranger e atingir, tem de conseguir a integração com direito da outra parte da humanidade, desde a menina à mulher, desde a adolescente à idosa”.

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