Declaração de José Neto, Membro da Comissão Política do Comité Central, Conferência de Imprensa

A Justiça e o Código de Processo Penal

1. O sector da Justiça continua na ordem do dia. Infelizmente, não pelas melhores razões.

A área da Justiça não conhece progressos. Não há pactos de direita, conclaves, audições ou encenações mediáticas que iludam esta realidade.

A crise arrasta-se sem fim à vista, sintoma da falta de vontade política dos sucessivos governos em enfrentar os problemas há muito diagnosticados neste sector e das políticas de direita que continuam a agravá-los.

Exemplo gritante é a situação criada com a precipitada entrada em vigor do Código de Processo Penal. Situação geradora de constrangimentos, de sobrecarga e desmotivação entre todos aqueles que nos tribunais, em condições precárias, são chamados a aplicar a nova legislação. Geradora não apenas de perturbação jurídica mas também social, não apenas de insegurança jurídica mas também de insegurança social. Aprofundando sentimentos de descrédito no funcionamento da Justiça.

2. As alterações ao C. P. Penal foram aprovadas na Assembleia da República com os votos da maioria PS/PSD. Mas tiveram a oposição e o voto contra do PCP.

Este Código é filho do «Pacto para a Justiça», negociado entre o PS e o PSD, anunciado aos quatro ventos como a solução para os problemas e que, na altura, o PCP alertou nada augurar de bom, como se está a comprovar.

O Pacto não resolveu o problema do acesso à Justiça. É um facto objectivo que a Justiça está insuportavelmente cara. É um facto que o apoio judiciário (que não consta do Pacto) deixou, na prática, de ser um direito para abranger apenas casos de indigência. É um facto que não resolveu a situação escandalosa na Justiça do trabalho.

O Pacto não resolveu a morosidade processual, como os números comprovam – aumento do volume processual civil, das pendências e duração média dos processos, com predominância das acções executivas, uma vergonha e um prejuízo para particulares e empresas (excepto, claro está, para as grandes).

O Pacto não trouxe melhorias na organização e gestão eficaz dos tribunais ou nas condições de trabalho dos profissionais (quantas vezes sem o mínimo de dignidade).

O Pacto não contribuiu (a matéria ficou de fora) para resultados no combate, sempre propalado, à criminalidade económica e à corrupção.

Sem resolver os problemas da Justiça, o Pacto entre PS/PSD tem servido, isso sim, outros objectivos e estratégias.

PS, PSD e CDS-PP (partidos responsáveis pela situação a que se chegou) inconformados com o modelo constitucional de Justiça, com a independência dos juízes e com a autonomia do Ministério Público, tentam há muito condicionar e interferir no poder judicial e redefinir os limites da autonomia do Ministério Público, pondo em causa a separação de poderes.

Por isso vêm de há muito projectos e propostas de sentido negativo no sistema de Justiça, acentuando o seu carácter de classe e tornando-o cada vez mais vulnerável e, sobretudo, mais ineficaz no combate à grande criminalidade. São alterações que visam uma limitação drástica do poder judicial face aos interesses económicos e políticos dominantes.

Estão nessa linha mecanismos legais, designadamente em sede das leis de Política Criminal, das leis Penais e de outras leis na forja, para controlar a investigação criminal por forma a proteger os grandes interesses.

3. Ao longo dos anos o PCP tem reclamado medidas de desburocratização e simplificação que permitam realizar a Justiça em tempo útil, meios humanos e materiais para uma investigação mais eficaz, mais e melhor formação e especialização a todos os níveis do sistema. Bem como a modernização do aparelho judiciário, dignificação das profissões jurídicas e das suas condições de trabalho, em ordem a uma melhor qualidade do serviço público de Justiça a prestar aos cidadãos.

Para o PCP a resposta às carências e problemas estruturais do sistema de Justiça não é possível pela via do C. P. Penal, apesar da sua importância. A solução desses problemas exige uma mudança das políticas de desresponsabilização do Estado e de falta de investimento em meios técnicos e materiais ou de afectação e formação de recursos humanos.

Na discussão e votação do Código de Processo Penal o PCP manifestou total oposição às alterações introduzidas ao segredo de Justiça.

Em primeiro lugar pela opção, que vingou, de fazer coincidir o fim do segredo de Justiça com o termo do prazo máximo de duração do inquérito, que pode significar a ineficácia da investigação e da acção penal nos casos da criminalidade mais complexa e organizada. Em casos mais graves e complexos a investigação pode arrastar-se para além dos prazos fixados, situação que, permitindo a automática consulta dos autos, possibilita aos arguidos e seus defensores interferir no objecto de prova e alterar o rumo da investigação.

Em segundo lugar, pela vinculação ao segredo de Justiça de todos aqueles, nomeadamente os jornalistas, que não tendo tido contacto directo com o processo tenham tido conhecimento de elementos a ele pertencentes. Em nossa opinião, esta alteração transforma o acessório em fundamental, optando por centrar atenções em quem possa fazer a sua divulgação e não em quem viole o dever de segredo.

Outras alterações que reputamos graves, e contra as quais igualmente o PCP votou, foram a inclusão no Código das buscas nocturnas, com os abusos que podem propiciar e a criação de uma nova medida cautelar e de polícia, a localização celular fora de processo judicial. Alterações que, de resto, vão na linha de todo um vasto leque de políticas e medidas securitárias de que o Governo PS se está a tornar campeão.

4. O PCP, que considerou no local próprio que o prazo entre a publicação e a entrada em vigor do Código de Processo Penal era excessivamente curto, entende que se justifica plenamente agir de imediato de forma a impedir efeitos perversos que decorrem da aplicação de algumas disposições desse Código.

Nesse sentido, o PCP decidiu propor, através do seu Grupo Parlamentar na Assembleia da República, a imediata suspensão da vigência do C. P. Penal por um período de seis meses.

Por três ordens de razões:

. a primeira, no sentido de permitir a completa apreensão pelos operadores judiciários das alterações resultantes da revisão do Código, para a sua correcta e criteriosa aplicação;

. a segunda, para possibilitar a imediata elaboração de um plano de medidas urgentes que dotem o aparelho judiciário dos meios necessários para dar exequibilidade e eficácia à Justiça, em novas condições;

. a terceira, para que possam ser devidamente ponderadas e introduzidas, em tempo útil, alterações que se revelem indispensáveis.