Jorge Machado no debate sobre Segurança Social

Bases Gerais do Sistema de Segurança Social

 

Sr. Presidente,
Sr. Ministro do Trabalho e da Solidariedade Social,

Duas das medidas mais gravosas da proposta de lei, o factor sustentabilidade, que é um verdadeiro imposto sobre a esperança média de vida, e a antecipação da fórmula de cálculo para 2007, que viola claramente o acordo do governo Guterres, implicam que a taxa de substituição das pensões, que, hoje, ronda os 84%, passe, em 2050, para cerca de 55%.

Para perceber a dimensão do retrocesso, deixo-lhe um pequeno exemplo: um trabalhador com um salário de referência de 1000 €, receberia, em 2050, uma pensão de 840 €, com o actual sistema;  já com estas medidas socialistas do seu Governo, este trabalhador irá receber apenas 550 €. Tendo em conta que 84% dos nossos reformados recebem pensões de miséria, isto é, abaixo do salário mínimo nacional, facilmente se percebe o impacto desumano que estas medidas irão trazer.

Vou citar uma frase proferida nesta Assembleia: «Precisamos de melhorar a protecção social, porque possuímos um sistema que, em boa parte devido à sua ‘juventude', tem ainda zonas importantes com défice de eficácia na cobertura de riscos, devido, nomeadamente, ao facto de possuirmos baixos níveis de protecção nas pensões». Esta frase, Sr. Ministro, caso não se recorde, do então Deputado do Partido Socialista Vieira da Silva, não bate certo com as medidas hoje apresentadas pelo Ministro Vieira da Silva.

Sr. Ministro, escusa de vir dizer que é inevitável, pois bem sabe que assim não é! O Governo tinha, e tem, outro caminho e só não o segue porque não quer, porque fez uma opção ideológica. Para não tocar nos interesses dos grandes grupos financeiros, penaliza quem trabalha!

O Sr. Ministro - citando aqui uma outra obra de García Márquez - não é O General no seu Labirinto, é, sim, o «Ministro no labirinto» e só consegue encontrar uma saída: a das propostas da direita.

O Sr. Ministro, por muitas voltas que dê, não consegue explicar o artigo 58.º! Ele é «estruturante» porque a proposta hoje aqui apresentada pelo Sr. Ministro não admite um plafonamento mas, sim, dois: o horizontal, proposto pelo CDS, e um plafonamento vertical, em que reduz as contribuições dos trabalhadores, para serem aplicadas em sistemas de capitalização, que é o proposto pelo PSD. O Governo congrega, assim, as propostas da direita e abre todas as portas quanto ao plafonamento.

Um outro aspecto em que nenhum partido da direita foi tão longe, Sr. Ministro, é o facto de nesta proposta se admitir, de uma forma taxativa, a política dos três patamares. Importa lembrar, Sr. Ministro, que, em 1987, o, então, Primeiro-Ministro, Cavaco Silva, propôs, nas Grandes Opções do Plano, a política dos três patamares, defendida pelo Banco Mundial e que visa a fragilização do sistema público e a privatização da segurança social. Não tendo a direita, naquela altura, a força para fazer aprovar esta política, é significativo que seja, hoje, um Governo do Partido Socialista a assumir esta proposta.

(...)

Senhor Presidente
Senhor Ministro
Senhoras e Senhores Deputados,

O Sistema Público de Segurança Social é uma marca inequívoca de progresso e de desenvolvimento,

Foi com o 25 de Abril de 1974, e o seu cariz revolucionário, que a Segurança Social se afirmou pública universal e solidária. Abandonando o cariz assistencialista e afirmando as prestações e mecanismos de protecção social como um direito, a Segurança Social desempenha um papel decisivo na vida dos Portugueses.

Na verdade, o sistema público de Segurança Social, apesar de ainda muito jovem, tem demonstrado enormes capacidades e potencialidades, não obstante as baixas pensões e os sucessivos ataques neo-liberais. 

Como afirmámos no nosso agendamento potestativo sobre a sustentabilidade da Segurança Social, esta está presente nos momentos mais marcantes da vida dos homens e mulheres do nosso país. Está presente nos bons momentos, por exemplo aquando do nascimento de um filho, mas está sobretudo presente quando as dificuldades batem a porta seja o desemprego, a invalidez ou a exclusão social.

A Segurança Social desempenha também um papel determinante na velhice. A ela compete garantir pensões dignas a quem trabalhou uma vida inteira.

Por isso este debate interessa a todos os Portugueses, homens e mulheres, jovens e idosos, pobres ou ricos. A todos o sistema Público de Segurança Social Pública responde e a todos diz respeito.

Contudo é devido, ao agravamento das  injustiças sociais, aos baixos salários e aos baixos níveis de protecção social que se exige uma clara aposta no aprofundamento do modelo de Segurança Social pública edificado após o 25 de Abril de 1974, tornando-o num Sistema mais forte, mais dinâmico e eficaz na garantia de protecção social de todos os portugueses.

Senhor Presidente
Senhor Ministro
Senhoras e Senhores Deputados

Infelizmente não é esse o caminho que o Governo escolheu.

Sob o falso pretexto do sacrossanto principio da competitividade, e após a Guerra Fria, o FMI e o Banco Mundial foram implementando as suas concepções neo liberais, impondo baixos salários, precariedade do trabalho, flexibilização das relações laborais, e impingiram a ideia que, menos Estado representa melhor Estado para que o grande capital financeiro possa engordar os seus fabulosos lucros à custa da miséria do povo.

Em Portugal o porta voz das opções neo liberais - o Sr. Ministro das Finanças Teixeira dos Santos -, lançou o processo da contra reforma da Segurança Social. A ele coube a tarefa de anunciar o apocalipse, a falência da Segurança Social.

O Governo preparou assim o terreno para anunciar a sua contra reforma. Foi lançando a ideia de que são inevitáveis os cortes nas pensões e o aumento real da idade da reforma dos trabalhadores, para "salvar" a Segurança Social.

Nada mais falso. Apesar da grave crise económica e social em que vivemos, a Segurança Social, contra todas as expectativas, foi registando saldos positivos, 276 milhões em 2004, 298 milhões em 2005, e prevê-se um saldo positivo de  344 milhões em 2006.

Se a politica deste Governo estivesse centrada não no ataque aos trabalhadores mas sim no combate ao desemprego, no combate à fraude e evasão contributiva, e se o Governo pagasse a divida que tem para com a Segurança Social, então a situação financeira da Segurança Social estaria muito melhor.

Depois surge o argumento do envelhecimento da população. Se é verdade que o número de activos por pensionista baixou de 3,78 para 1,63 nos últimos 30 anos, também é verdade que a riqueza criada por trabalhador aumentou 41 vezes.

O objectivo desta proposta de Lei é claro. O governo do PS e sua maioria pretendem o enfraquecimento do sistema público, reduzindo-o à prestação de direitos mínimos aos que se encontram abaixo da linha de pobreza (que terá necessariamente que ser comprovada), e tem por base uma concepção caritativa e assistencialista, que foi abandonada com 25 de Abril de 1974.

Ao mesmo tempo secundariza o papel do sistema previdencial e reduz os direitos dos trabalhadores e das suas famílias através do chamado factor de sustentabilidade, que mais não é que um imposto sobre a esperança média de vida e a antecipação da fórmula de cálculo das pensões.

É o próprio Governo que o afirma quando diz que:

"quanto à arquitectura do Sistema que passará a ser estruturado em três patamares ...":

  • Primeiro patamar: Sistema de protecção de cidadania
  • Segundo patamar: Sistema Previdencial
  • Terceiro Patamar: Sistema Complementar

Trata-se de uma das variantes avançadas há anos atrás pelo Banco Mundial de contra-reforma da Segurança Social que assentava precisamente na teoria dos três pilares cujo objectivo final é a privatização. É o modelo neoliberal que pretende liquidar os direitos sociais e desresponsabilizar o Estado das suas obrigações sociais.

O objectivo é a evolução para o 3º patamar, onde os cidadãos se tornam autores autónomos da sua própria segurança.

Importa lembrar que foi nas Grandes opções do Plano para 1987 que o Governo do Prof. Cavaco Silva  propôs um modelo de Segurança Social assente em três patamares, nessa altura a direita não teve nem a força nem as condições para o concretizar. Hoje é um Governo que se afirma socialista que retoma este projecto e toda a concepção neo liberal que lhe está subjacente.

No plano concreto encontramos as propostas que visam concretizar este objectivo.

Ao contrário do que o Governo afirma, a proposta de Lei mantém a macro estrutura da Lei de Bases do Governo PSD/ CDS-PP, isto é mantém dentro do sistema, e com a mesma dignidade, os regimes complementares.

Adopta medidas que visam a fragilização do sistema previdencial e a consequente redução de direitos.

Nesta Proposta de Lei o Governo introduz o chamado factor de sustentabilidade, que reduz o valor da reforma em função do aumento da esperança média de vida. Além de ser um indecoroso aproveitamento de uma conquista social, importa referir que também na esperança de vida há classes sociais, pelo que esta proposta prejudica duplamente as classes sociais mais desfavorecidas.

Uma segunda medida adoptada é a antecipação da fórmula de cálculo das pensões. Em sede de concertação social o Governo do então Primeiro Ministro António Guterres acordou com os parceiros sociais que a aplicação da nova formula iniciava-se a partir de 2017, atendendo aos baixos salários praticados e atendendo à juventude do sistema O actual Governo, também socialista antecipa a fórmula de cálculo que irá necessariamente reduzir o montante das pensões já a partir de 2008.

Assim o efeito conjungado destas medidas implica, de acordo com dados do próprio Governo, que a taxa de substituição, que hoje ronda os 84% passe a ser em 2050 de apenas 55%.

Tendo em conta que 85% dos reformados em Portugal vive com menos de um salário mínimo por mês. Facilmente se conclui que o resultado desta contra reforma vai ser mais miséria, mais exclusão social e mais pobreza entre os reformados.

Por fim a Proposta de Lei do Governo vais mais longe que a Lei de Bases do PSD e CDS-PP na questão dos plafonamentos. Na verdade o Governo incorpora as duas propostas da direita, não só admite o plafonamento horizontal, proposto pelo CDS, como aceita o plafonamento vertical, proposto pelo PSD, e que implicaria a entrega de avultadas somas de receitas da Segurança Social.

Assim a diferença entre o PS e a direita relativamente  ao objectivo final de uma continuada fragilização do actual modelo de repartição e a sua passagem para um sistema de capitalização, situa-se apenas no modo e nos prazos estabelecidos para a sua concretização.

Senhor Presidente
Senhor Ministro
Senhoras e Senhores Deputados

Ao contrário do que se quer fazer querer na opinião pública, existem propostas alternativas à do Governo Socialista.

Há outras soluções que garantem de forma séria e responsável a sustentabilidade da Segurança Social, e ao mesmo tempo os direitos de protecção social dos portugueses.

O projecto de Lei de Bases do PCP assenta na valorização e na consolidação do sistema público de Segurança Social, edificado após o 25 Abril, e no respeito pelos direitos constitucionalmente consagrados.

Uma proposta que encara as prestações e os mecanismos de protecção social como um direito, e visa melhorar o regime previdencial dos trabalhadores, assente no sistema de repartição e na ampliação dos direitos de segurança social dos trabalhadores e suas famílias.

Uma proposta que defende a sustentabilidade financeira, presente e futura, da segurança social, com um conjunto articulado de medidas que passam, entre outras, pela implementação de uma nova forma de contribuição anual para a Segurança Social com base no Valor Acrescentado das empresas, pelo acabar com às políticas de subfinanciamento, pelo pagamento gradual da dívida do Estado ao regime previdencial, pelo combate à divida e fraude contributiva, e pela a criação de uma taxa sobre as transacções em Bolsa.

A par destas medidas é necessário apostar no desenvolvimento do aparelho produtivo nacional, na promoção do emprego com direitos e na garantia de melhores salários para os trabalhadores e trabalhadoras.

Senhor Presidente
Senhor Ministro
Senhoras e Senhores Deputados

O Governo optou por um caminho. Fez uma opção ideológica. Entre um sistema que garanta direitos e um sistema público de segurança social, como propõem o PCP o Governo PS, escolhe o modelo do Banco Mundial, um modelo que não envergonharia nem o PSD nem o CDS-PP.

Estas propostas do Governo PS, que não garantem a sustentabilidade da Segurança Social, implicam pensões mais reduzidas e o aumento da idade real de reforma para os trabalhadores, ao mesmo tempo que isenta o patronato de um pequeno sacrifício ou contributo que seja.

Com a provável aprovação na generalidade destas Propostas de Lei, esta câmara, esta maioria socialista, fica associada a um retrocesso histórico e social que vai perpetuar a pobreza, a miséria e a exclusão social entre os mais idosos.

Contudo, senhores Deputados, a luta pela defesa do sistema público de Segurança Social, não termina nem hoje nem nesta câmara, bem pelo contrário, o Governo vai enfrentar na rua os protestos e a mobilização dos trabalhadores na defesa de uma Segurança Social Pública, Universal e Solidária.

Disse

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