Intervenção

Intervenção do Deputado<br />Interpela??o ao Governo sobre pol?tica geral,

Senhor Presidente, Senhores Membros do Governo, Senhoras e senhores DeputadosOs tempos que correm não estão para retóricas, nem para desculpas de mau pagador. Não pretenda o Governo iludir-se e iludir os portugueses.Não se satisfaça o Governo continuando a dizer que a economia não está em crise, porque ainda temos um crescimento económico positivo. Assuma o Governo que, apesar disso, a situação económica portuguesa é deveras preocupante.Os sinais claros da situação são públicos e notórios:· A desaceleração do crescimento económico é maior que a registada nos nossos parceiros na UE. Com uma agravante de peso: enquanto na generalidade desses países a desaceleração tem razões conjunturais, em Portugal ela assenta em factores estruturais. A divergência real com a média comunitária não é apenas do corrente ano e ameaça prolongar-se durante muitos mais anos.· Os défices das relações económicas com o exterior não cessam de agravar-se. O défice da balança de mercadorias ultrapassou os 13% do PIB, o da balança corrente atinge já os 2.400 milhões de contos, as entradas de capitais, designadamente dos fundos estruturais, não conseguem reduzi-lo senão em cerca de 1/6, o défice da balança comercial representa já 85% das exportações portuguesas! O aumento do preço do petróleo pouco mais representa que "os trocos" desta pesada e incomportável factura. Os défices externos são de sempre e o seu forte agravamento já se prolonga há vários anos. E há vários anos que Portugal tem vindo a perder quotas de mercado no exterior.· Portugal é hoje um país perigosamente endividado. É o endividamento crescente das famílias portuguesas, engodadas pelas baixas taxas de juro e enganadas com as declarações optimistas e pouco responsáveis do Governo, sobre o futuro risonho e sem regresso que prometia para a economia portuguesa. Mas é também, e fundamentalmente, o endividamento do país face ao estrangeiro. Expressivamente espelhado nos 6.000 milhões de contos da dívida líquida do sector bancário ao exterior, cerca de 25% do PIB! Também aqui a situação não é conjuntural, não apareceu hoje. É o resultado de um acelerado endividamento externo nos últimos três anos, que serviu para cobrir os défices externos e para sustentar o endividamento doméstico das famílias.· A inflação disparou e absorve os aumentos salariais negociados e os aumentos nominais dos pensionistas e reformados. No ano corrente, estes, os reformados, os mais pobres dos pobres portugueses, empobrecem ainda mais. E a própria taxa de desemprego parece ter já sofrido um ponto de inflexão no primeiro trimestre do ano!· As receitas fiscais derrapam pelo segundo ano consecutivo. E o Governo prepara-se para, de novo, cortar de forma mais ou menos cega as despesas orçamentais, em acto de vassalagem ao sacrossanto limite do défice das contas públicas imposto pelo famigerado, cego e obsessivo pacto dito de estabilidade.Senhor Presidente, Senhoras e senhores DeputadosEste é, de forma sucinta embora, um retrato fiel da situação económica do País. Pela nossa parte, pela parte do PCP, ao fazermos este retrato não pretendemos contribuir para a criação de qualquer situação de pânico, nem sequer pintar a realidade com cores demasiado escuras. O que queremos é impedir que o Governo continue a escamotear a verdade, pintando-a com cores cor-de-rosa. O que queremos é confrontar o Governo com as suas responsabilidades, ou melhor, com a sua irresponsabilidade pelos erros de política económica que por acção ou omissão cometeu. E, mais do que isso, queremos dar a nossa contribuição para obrigar o Governo a abrir os olhos, a olhar para o País real, a definir e aplicar uma política económica que corrija os graves erros do passado. Para corrigir os erros de forma séria e sustentada, não para aos erros anteriores vir agora somar novos erros ditados pela desorientação, por uma qualquer fuga para a frente visando ultrapassar conjunturalmente os desequilíbrios macroeconómicos aparentes, mas continuando a olvidar as causa profundas dos problemas económicos do país, os desequilíbrios estruturais da nossa economia.Tememos, e com justificadas razões, que o Governo julgue que ultrapassará a situação impondo cortes mais ou menos pesados em despesas orçamentais de natureza social, impondo o "apertar de cinto" dos trabalhadores e dos reformados, dando mais umas benesses fiscais aos rendimentos de capital com o pretexto do fomento da poupança e da incentivação do investimento.Se assim vier a ser, com a forte restrição do consumo interno o Governo poderá vir a reduzir os desequilíbrios no comércio externo, o endividamento externo e a taxa de inflação.Mas essa seria uma via socialmente injusta e politicamente inaceitável. Mais uma vez obrigando os trabalhadores a pagarem o peso da factura de que não são responsáveis e os dislates governamentais que sempre criticaram e combateram.Por acréscimo, esse seria o caminho que conduziria a manter as condições geradoras de desequilíbrios macroeconómicos crescentes no próximo futuro. Seria remendar e caiar um edifício que, comprovadamente e de há muito, exige reparações profundas e urgentes para evitar uma sempre temida e perigosa derrocada.É mais que tempo de o Governo assumir que os problemas da economia portuguesa são estruturais, e que é a eles que tem de ser dada resposta.Não é na queda da Bolsa de Valores - resultante fundamentalmente da falta de transparência que nela alastra e da ausência de uma acção efectiva e atempada na fiscalização e regulação do seu funcionamento que a desacreditam aos olhos externos - que reside o melhor ou pior desempenho da economia portuguesa.Os problemas da economia assentam num padrão de especialização produtiva sem futuro, designadamente face ao previsto alargamento da UE a leste e à acelerada abertura dos mercados europeus à exportações dos países asiáticos. É na alteração desse padrão de especialização que o Governo tem de empenhar-se, com a definição de políticas económicas adequadas e com uma selectiva acção de incentivo através dos subsídios e comparticipações financeiras como do sistema fiscal.Os problemas da economia portuguesa passam pela necessária e urgente melhoria da produtividade, indispensável para sustentar um crescimento económico duradouro, com produções competitivas nos mercados doméstico e externos. Mas esse aumento de produtividade não pode continuar a ser meramente aparente, com base nos baixos salários. Essa é uma aposta perdida, nas perspectivas social e económica. Os Governos do PSD e do PS sabem-no por experiência própria, e os trabalhadores portugueses conhecem-no de sacrifício sentido. O aumento da produtividade de que a nossa economia carece exige reformas profundas e estruturais. No âmbito, por exemplo, das insuficiências na gestão e organização das empresas e na inovação dos processos produtivos. O Governo tem de motivar e pressionar essas alterações, com políticas coerentes e incentivadoras da prossecução desses objectivos. Desde logo não mais pactuando com, antes combatendo, o modelo económico assente nos baixos salários. E substituindo o esbanjamento dos fundos comunitários por uma política selectiva e exigente de atribuição dos mesmos. Mas reformas profundas também no âmbito da formação profissional, nos sectores da educação, da saúde e da justiça, na desburocratização da administração central e na descentralização administrativa. O Governo tem de o fazer, com políticas activas e com a utilização eficiente dos recursos públicos.E, se não sabem como o fazer, aprendam com quem o saiba. Mas não peçam aos ex-ministros das Finanças do PSD, porque esses também no Governo demonstraram não o saber.Todos sabemos que as reformas estruturais são mais difíceis, exigem trabalho, convicção e persistência. Mas os Governos não existem para fazer apenas as coisas fáceis. E se o Governo do PS quer continuar a governar, então é tempo de arregaçar as mangas e de suar. A conjuntura deu-lhes cinco anos de "vacas gordas", de facilidades para manterem a aparência do oásis. Cinco anos que demonstraram que o forçar da convergência nominal e o levar a cabo um amplo processo de privatizações não garantem um processo de crescimento económico sustentado. Pelo contrário, fragilizam-no e dificultam-no. E não se queixem agora de que o Governo não tem instrumentos de política macroeconómica à sua disposição, ou de que o BCE está a baixar as taxas de juro quando ao País mais conviria que o não fizesse. A moeda única e o pacto de estabilidade foram opções vossas, que não nossas.De qualquer modo, o tempo do semear de ilusões acabou.Mas ainda é tempo de lançar mãos à obra. Para a construir. Não para a estucar.A opção cabe ao Governo do Partido Socialista. Mas a última palavra caberá aos portugueses. Para uma das opções terão o contributo e a participação empenhada do PCP. Para a outra terão o nosso combate, a nossa inequívoca oposição. Sobre isso, que não lhes restem dúvidas. Não se trata de uma ameaça. É apenas isso: para que não tenham dúvidas!

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