Intervenção

Intervenção do Deputado<br />Interpelação do PCP ao Governo

Senhor Presidente, Senhor Primeiro-ministro Senhores Membros do Governo Senhores deputados, Ao chegarmos ao fim desta interpelação o PCP encerra-a com a consciência de que prestou um serviço útil ao País, como aliás foi reconhecido por todas as bancadas, incluindo o Governo. Veremos é se este tira as conclusões adequadas a inverter as orientações que tem seguido.. Trouxemos ao terreiro do debate político parlamentar um tema que toca profundamente a vida de milhões de portugueses e que afecta muito especialmente os cidadãos economicamente mais desfavorecidos e as populações mais carenciadas que mais sofrem os efeitos da degradação da prestação de serviços de interesse público e que mais sujeitos estão às consequências do comportamento majestático de muitas empresas, instituições e do próprio Estado responsáveis por essa degradação. Confrontámos o Governo e o Partido Socialista com as consequências de uma política que privilegia a desresponsabilização do Estado, que comprime e desmantela as políticas públicas, que opta pelos processos de privatização, que põe o interesse público e direitos básicos de cidadania na dependência do interessado privado e do máximo lucro. Era uma interpelação que, à partida, continha um risco de que estávamos conscientes e que assumimos em nome do interesse público. E o risco tinha a ver com a vastidão e diversidade das áreas concretas que integram o conceito de serviço público. Mas ultrapassámos esse risco sabendo como sabemos que a vastidão das áreas corresponde à vastidão dos serviços universais que os cidadãos esperam e exigem que o Estado assegure, de que o Estado não pode nem deve demitir-se transferindo-o para terceiros e integrando-os numa lógica neo-liberal de mercado que, obviamente, acaba por pôr em causa os direitos constitucionais dos portugueses a serviços de qualidade e em segurança. O País não pode ser indiferente ao facto de continuar a ter, cada vez menos, serviços públicos de saúde para quem a eles recorre. A solução não está no abandono progressivo, como o PS defende - veja-se a recente Proposta de Lei de Bases - dos conceitos básicos de um Serviço Nacional de Saúde de responsabilidade pública abrindo cada vez mais espaço a uma dinâmica privatizadora. Os milhares de portugueses que esperam meses e anos por uma consulta ou por uma intervenção cirúrgica não são seguramente os mesmos que têm condições ou anseiam pelo acesso a cuidados privados, com a abdicação pelo Estado das funções que lhe competem. O País não anda propriamente a exigir que o PS privatize os serviços de produção e distribuição de energia eléctrica com as consequências que tal está a ter na diminuição dos padrões de qualidade, na entrega a empreiteiros dos processos de condução e manutenção da rede, nos riscos resultantes de não haver garantias plenas e permanentes de abastecimento de energia eléctrica. Reflictam, ao menos, nos exemplos recentes da Califórnia ou do Brasil. Mas é esse o caminho que o PS tem privilegiado preferindo os lobbies económicos da energia e os lucros dos accionistas ao interesse público. As populações que precisam de transportes rápidos, cómodos e em tempo útil não andam seguramente a manifestar-se por projectos sem sustentação como a recente proposta para a rede ferroviária de alta-velocidade quando em contrapartida os serviços básicos estão por resolver, quando a rede clássica de passageiros e mercadorias é desvalorizada e abandonada, isolando as pessoas, quando apeadeiros e estações vão sendo abandonados. Nem andam propriamente a exigir a privatização dos transportes rodoviários de passageiros para agora terem concessões que se permitem abandonar certas carreiras porque não dão lucro, que renovam a frota com autocarros usados importados com médias de 10 anos de vida e que já ultrapassaram o seu período de vida útil nos países de origem, com todos os problemas de segurança que tal situação arrasta. Nem defendem a constante aceleração por interesses eleitorais ou a crescente concessão a privados da construção e exploração dos grandes itinerários, com as consequências que todos estamos a assistir em matéria de segurança rodoviária ou de escolha de percursos que atravessam e dividem localidades ou violam os planos directores municipais porque fica mais barato enquanto se abandonam as estradas regionais. Estudem, ao menos, o que se está a passar no Reino Unido em matéria ferroviária. Nem os trabalhadores que laboram em áreas de interesse e serviço público podem saltar de satisfação e motivação face à redução do emprego e à crescente precariedade e instabilidade das relações laborais quando essas áreas são desmanteladas ou privatizadas ou quando, como sucede na Administração Pública vêem proliferar Institutos, Agências e Fundações com recurso a trabalhadores em regime de contrato individual de trabalho, com vencimentos diferenciados para as mesmas funções ou assistem ao multiplicar escandaloso de mordomias e gastos irracionais pelos quadros de confiança política que o PS lá coloca. O exemplo do Instituto Nacional de Aviação Civil é, porventura, o exemplo paradigmático que aqui vale a pena trazer, mesmo no encerramento. Tendo substituído, em 1998, a antiga Direcção-Geral de Aviação Civil como Autoridade Nacional de Aviação Civil, para o desempenho das mesmas atribuições e competências criou mais 43 novos lugares de chefias e direcção passando de 18 para 61. Para uma área extremamente sensível o recrutamento de pessoal técnico tem sido feito em muitos casos recorrendo a pessoal sem formação especializada na área da aviação embora com formação na área do PS. E, entretanto, os mais altos responsáveis deste Instituto já asseguraram o seu futuro auto-nomeando-se como consultores de modo a garantir o seu job depois de terminarem a sua comissão de serviço como membros do Conselho de Administração. Um exemplo que é um escândalo e que, seguramente, se poderia multiplicar por muitas outras estruturas paralelas da Administração Pública que o PS tem criado. O Governo falou hoje muito sobre o conceito de Estado moderno. Mas, infelizmente, o conceito de Estado moderno subjacente às teses do Governo é a de um Estado que assume e promove a desresponsabilização e a diminuição das políticas públicas em matérias de interesse básico para os cidadãos.E esse não é um Estado moderno. É um Estado que assume o que de pior têm as teses neo-liberais de mercado. O PCP, nesta interpelação, não se limitou a críticas gerais e abstractas. Trouxemos inúmeros exemplos concretos. E apresentámos propostas. Agora mesmo entregamos na mesa mais de uma centena de requerimentos - 124 - interpelando o Governo sobre situações concretas que se vivem em áreas de interesse público e que têm sido trazidas ao nosso conhecimento, designadamente na audição que realizámos. Senhor Presidente, Senhores Membros do Governo, Senhores Deputados, É evidente que em relação a cada uma das múltiplas áreas que referimos os grandes interesses privados anseiam pela criação das condições políticas que lhes permita ir tomando de assalto, como o estão a fazer, serviços de interesse público portadores de elevadíssimos volumes de negócios e de lucros. E quando o PS faz recuar as funções públicas e de Estado em sectores que respondem a necessidades básicas dos cidadãos, quando nem sequer a chamada função reguladora existe ou é cumprida quando permite, que se degrade a prestação de serviços públicos de qualidade quando promove o compadrio, a incompetência e a irresponsabilidade, o que o PS está a fazer é a dar espaço à demagogia e ao populismo de direita que procura, explorando as consequências de tal política, mobilizar opiniões contra o papel do Estado e contra as políticas públicas não para as melhorar mas para mais depressa as privatizar. Foi isto que recentemente se passou em Itália. É isto que o PS é responsável por se poder vir a passar em Portugal. Ora, as políticas à esquerda e com a esquerda não se constróem com retórica barata vazia de conteúdo nem com quem, falando de esquerda, simultaneamente realiza no Governo as políticas de direita que por vezes a própria direita não tem condições de realizar. É o que está a acontecer com o PS em Portugal. E quando alguns dirigentes socialistas falam que não se pode confundir "economia de mercado" com "sociedade de mercado" estamos, obviamente, perante uma blairiana retórica para darem cobertura à mesma política de desvalorização do que é público e de promiscuidade entre o serviço público e o interesse privado. As políticas à esquerda e com a esquerda constroem-se com opções concretas que valorizem o social, que promovam e dignifiquem quem trabalhe, que valorizem os direitos de cidadania. Que, no caso, defenda e promova o interesse público. Este foi também o sentido desta interpelação. Este é o caminho que perfilhamos.

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