Intervenção de

Interpelação ao Governo centrada sobre as políticas públicas para responder à pobreza e às desigualdades sociais<br />Intervenção de Jerónimo de Sousa

Senhor Presidente Senhoras e Senhores DeputadosEsta interpelação comporta um mérito irrecusável de trazer a esta tribuna uma realidade dramática com impacto nas condições de vida e dos direitos de cidadania de mais de 2 milhões de portuguesas e portugueses flagelados pela pobreza, pelo desemprego, pelas desigualdades, pelas precariedades, isolamentos e inseguranças.Em causa, segundo os interpelantes, estarão porventura as políticas públicas para a pobreza e as desigualdades sociais. Na defesa de tais políticas ouvimos o Ministro que as tutela e ouviremos os Deputados do PSD e do CDS-PP que de cruz as subscrevem.Corremos o risco de, nesta interpelação, deixar de fora o debate de fundo sobre causas e razões que levam à contradição insanável desta época de avanços e conquistas fascinantes nos domínios da ciência e da técnica, de mais riqueza criada mas simultaneamente confrontados com o crescendo da pobreza, de novos fenómenos de exclusão e desigualdade; o de saber que causas levam à falência e ineficácia de medidas, programas, declarações de governantes, do alcance limitado da intervenção de diversas organizações não governamentais (por vezes a única) nas respostas sociais.Os dados mais recentes dizem-nos que 21% da população não consegue rendimentos superiores a 60% do rendimento médio nacional. Trata-se de cerca de dois milhões e trezentas mil pessoas que vivem na pobreza. É uma realidade concreta e brutal que coloca Portugal na mais elevada taxa de pobreza da União Europeia e com o maior fosso entre os 20% mais ricos e os 20% mais pobres.Este fenómeno social, embora com raízes históricas, é essencialmente o resultado de anos de políticas de direita, da aplicação de um modelo económico assente numa injusta repartição do rendimento nacional, numa permanente desvalorização do valor do trabalho (moderação salarial, salários baixos, exploração da mão-de-obra), acompanhado de um modelo social de orientação estratégica de acentuada diminuição das funções sociais do Estado, restringindo as suas capacidades de resposta, como é o caso do Serviço Nacional de Saúde, do Sistema Público de Segurança Social e a Escola Pública.De facto, o prosseguimento das políticas de direita, traduzidas num aumento do desemprego, na continuação de uma política de baixos salários e reformas, em brutais aumentos dos preços de bens e serviços essenciais, têm expressão, de forma implacável, em novas formas de pobreza e de exclusão social que se alargam a importantes e novos segmentos da população activa e idosa.Os fenómenos sociais de isolamento e solidão dos mais idosos (associados a baixas pensões e reformas e a insuficientes respostas sociais), a consecutiva marginalização das minorias étnicas, a desertificação do interior, as várias assimetrias regionais e a exploração desenfreada da mão-de-obra imigrante, são exemplos concretos da expansão das desigualdades, da pobreza e da exclusão social no nosso País.As famílias portuguesas, sobretudo as camadas sociais mais vulneráveis, são profundamente atingidas por esta dura realidade social. Elas têm que fazer face, por si, a todos os problemas sem poderem contar com o contributo do Estado em áreas sociais fundamentais ao bem-estar de cada membro do agregado familiar. O Código Laboral, aprovado pelo PSD/CDS-PP vai, sem qualquer dúvida, agravar ainda mais toda esta situação. Recordamos que esta lei permite designadamente: o alargamento da jornada de trabalho de pais e mães com crianças pequenas, aumenta a precariedade laboral, impõe a mobilidade geográfica do(a) trabalhador(a), não garante o pagamento das faltas por assistência a filhos com deficiência profunda, reduz a protecção no despedimento de grávidas e lactantes, desvaloriza o Salário Mínimo Nacional, torna mais dramático o estatuto e os direitos dos trabalhadores incapacitados.Entretanto, outros flagelos sociais associados à pobreza e à exclusão social ganham novas dimensões: a toxicodependência; os cidadãos sem abrigo, as crianças e jovens em risco; a seropositividade; o alcoolismo; a prostituição; o abandono e insucesso escolar.Estas são situações que se repercutirão fortemente nas gerações futuras.As políticas e medidas de combate à pobreza e de inclusão social, pomposamente divulgadas, têm constituído “meros paliativos”, e não têm tido significado relevante na alteração dos principais indicadores de pobreza em Portugal.A intervenção de diversas organizações não governamentais com apoios da Administração Central é visível em diferentes domínios sociais (infância, idosos, deficientes, cidadãos sem abrigo, etc.), constituindo cada vez mais as únicas respostas sociais, num quadro em que persistem baixas taxas de cobertura e em que aumenta a desresponsabilização do Estado.Por tudo isto, o nosso País apresenta uma forte persistência nos indicadores de pobreza comparativamente com os restantes países da União Europeia.A acção política e legislativa da actual maioria PSD/CDS-PP, designadamente nas áreas do trabalho, da segurança social e da saúde, dão novos passos no agravamento da injusta repartição do rendimento nacional em favor do capital e da maximização do lucro, à custa de uma maior exploração de quem trabalha e do aumento das desigualdades sociais. Trata-se da privatização das funções sociais do Estado promovendo, em alternativa, a caridade e o assistencialismo.E tudo isto envolvido numa ofensiva ideológica sem precedentes após o 25 de Abril, que procura esconder o seu único objectivo: privilegiar os interesses do grande capital financeiro e do grande patronato à custa da destruição de importantes direitos políticos, económicos, sociais e de cidadania dos(as) portugueses(as).Esta ofensiva ideológica, sem escrúpulos em recorrer ao fomento do preconceito e à estigmatização social dos que vivem do seu trabalho e dos que ficam, em algum momento da sua vida, desprovidos de meios de subsistência, é desenvolvida a pretexto do combate à fraude e ao subsídio dependência, como sucedeu aquando do anúncio de alterações aos subsídios de doença e de desemprego.As alterações a estes importantes subsídios escondem qual o seu verdadeiro objectivo: “secar” a segurança social reduzindo-lhe as receitas, e em consequência, diminuir o valor dos subsídios e o universo dos seus beneficiários e, assim, transformar o Sistema Público de Segurança Social num esquema residual e assistencialista, em vez de constituir uma componente eficaz de redistribuição da riqueza, minorando o risco da pobreza.Com base no mesmo preconceito foram fundamentadas as propostas do Governo para alteração do Rendimento Mínimo Garantido, um direito social novo, criado em 1997, negando, pura e simplesmente, que ele constituía um importante direito de cidadania e um factor de atenuação da pobreza.As razões apresentadas para proceder às alterações ao abono de família/subsídio familiar – justificadas em favor dos que mais precisam – mais não é do que a tentativa de, progressivamente, destruir a universalidade deste direito.Senhor Presidente Senhoras e Senhores DeputadosO desenvolvimento da sociedade portuguesa não pode ser baseado no modelo capitalista neoliberal de dois pólos opostos: os poucos e muito ricos e os muitos e cada vez mais pobres – aos quais é cada vez mais limitado o acesso às necessidades fundamentais.Para o PCP o combate às desigualdades sociais, à pobreza e exclusão social passa pela adopção de políticas de mais justa repartição do rendimento nacional, de salvaguarda do direito ao trabalho com direitos, de revalorização dos salários e das pensões e por uma efectiva justiça fiscal.O combate às desigualdades sociais, à pobreza e à exclusão social passa também pela não abdicação do Estado das suas funções sociais nas áreas da Saúde, do Sistema Público de Segurança Social e de uma Escola Pública, gratuita e de qualidade.Quem, com políticas injustas e classistas, toma medidas e faz leis que provocam mais pobres e excluídos, nunca resolverá o problema da pobreza.Mesmo admitindo e acreditando que a Sra. Ministra Ferreira Leite se sinta sinceramente desgraçada quando quer aplicar aos trabalhadores da Administração Pública a redução do poder de compra dos seus salários. O problema não está na Senhora Ministra mas na política que executa e no sistema que a engendra.

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