Intervenção de

Instituto da Conservação da Natureza - Intervenção de Miguel Tiago na AR

Declaração política sobre a reestruturação do Instituto da Conservação da Natureza

 

Sr. Presidente,
Srs. Deputados:

O Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português apresentou, no dia 10 de Fevereiro de 2006, um requerimento ao Governo onde questionava sobre a anunciada reestruturação do Instituto da Conservação da Natureza (ICN) e o Governo, na parca resposta dada, nada respondeu.

Durante o ano que, entretanto, passou, o Grupo Parlamentar do PCP questionou persistentemente o Governo, nomeadamente o Sr. Ministro do Ambiente, sobre tal reestruturação. Diversos Deputados de outros grupos parlamentares questionaram também o Governo sobre esta matéria.

A Comissão de Poder Local, Ambiente e Ordenamento do Território aprovou um requerimento que originou uma audição com o Sr. Ministro do Ambiente sobre essa mesma matéria, isto é, a reestruturação do Instituto da Conservação da Natureza.

O Grupo Parlamentar do PCP manifestou sempre todo o interesse em acompanhar e discutir, em levar a cabo o seu papel substantivo de fiscalização da actividade do Governo. A esses interesse e preocupação o Governo respondeu sempre com o silêncio.

No passado dia 24 de Março, um sábado, o Governo facultou, em primeira mão, a alguns órgãos da comunicação social, um conjunto de dados sobre as suas intenções quanto à reestruturação do ICN, agora denominado ICNB - Instituto da Conservação da Natureza e da Biodiversidade. O Governo, mais uma vez, joga às escondidas com a Assembleia da República.

Esta atitude de permanente subalternização da Assembleia da República, com a complacência do Grupo Parlamentar do Partido Socialista, apresenta a face mais arrogante e prepotente de um Governo que, apoiado numa maioria absoluta, se furta a discutir e se nega ao confronto democrático.

Neste rumo, o Governo vai aplicando a sua orientação estratégica no curso das políticas de direita, sem as submeter a processos de verdadeira discussão política, sem receber os contributos dos diversos interessados e das populações sobre cada uma das suas acções.

Pelos jornais, soubemos, então, que o Governo vai levar a cabo uma reestruturação do ICN que segue no sentido da empresarialização e do corte cego. O Governo entende, como o próprio Sr. Ministro do Ambiente afirmou, nesta Assembleia, que das três grandes missões do ICN, ou seja, gestão, visitação e fiscalização, só esta última deve ser pública. Ou seja, o Governo preconiza uma mini-estrutura para o ICN, o que revela bem o que vê na conservação da natureza: uma oportunidade de negócio.

Nesse sentido, o Governo anuncia a centralização da gestão dos parques e reservas em superestruturas, visando, essencialmente, a minimização de recursos disponíveis. Se já são manifestamente insuficientes os meios de que dispõe o ICN, quer no plano da mão-de-obra, quer das condições materiais, esta tendência de centralização só pode representar o acentuar da inoperância do ICN, que já vem sendo conhecida ao longo de três décadas, pese embora o esforço dos profissionais que lhe dão corpo, mas a quem, sistematicamente, são retirados os meios para agirem, de facto, no cumprimento das suas missões.

Anuncia também o Governo que as câmaras municipais deixarão de ter qualquer intervenção deliberativa na gestão das áreas protegidas, acentuando a linha de culpabilização do poder local pelas insuficiências do poder central e pelo incumprimento do seu papel.

Não é aceitável que o poder local, comprometido directamente com os interesses das populações e com o conhecimento objectivo das necessidades de cada freguesia ou concelho, seja visto como um mero consultor do Governo. Esta perspectiva antiautarquias do Governo retrata bem a concepção que aplica ao poder local: para este Governo, o poder local é um seu braço operacional, que aplica as políticas centrais, podendo, com boa vontade, ser também seu consultor. Rejeitamos frontalmente esta visão de governamentalização do poder local e de culpabilização deste segmento do poder pelos erros dos sucessivos Governos.

O que o Governo pretende é a redução total das responsabilidades do Estado, também nesta área, garantindo, assim, mais um terreno de actuação para os privados.

Para o Governo, as parcerias público/privado são a solução milagrosa para tudo quanto está mal, recusando-se a assumir que o ICN já se demitia das suas funções por orientação política e não outra.

Vem, agora, dizer-nos o Governo que a exploração empresarial da conservação da natureza garante a integridade do desígnio ambiental e humano. Como pode o lucro desta ou daquela empresa representar uma melhor conservação da natureza?!

É incompreensível que, até hoje, tenham sido os interesses privados a delapidar o património ambiental e natural do País, designadamente os interesses da especulação imobiliária, da indústria extractiva, da exploração florestal, entre outros, e que, hoje, o Governo venha atribuir a essa componente privada da sociedade a gestão das áreas protegidas.

O ICN, em 30 anos de existência, por força de uma total ausência de investimento público neste Instituto, não conseguiu cumprir, sequer, a elaboração de um cadastro rigoroso dos valores, espécies e habitats que deve defender.

Ao longo destes 30 anos, serviços que o ICN poderia realizar com os seus recursos, os seus técnicos e os seus meios, foram, muitas vezes, na sua fase final, entregues a privados, para serem, posteriormente, comprados pelo ICN. Aqui está também a «boa» gestão!

Quando olhamos as áreas protegidas, um sentimento avassalador de desolação é o primeiro a atingirnos: os incêndios, as pedreiras, as construções ilegais de luxo, o entulho, os lixos e o abandono revelam bem a incapacidade e a inoperância a que tem sido votado o Instituto da Conservação da Natureza, desolação essa que é fruto das políticas de desmantelamento das capacidades do ICN, da depauperação de meios e da falta de investimento.

A política de conservação da natureza não pode ser baseada no abandono, na proibição da utilização dos espaços pelas populações, possibilitando, assim, a ausência de fiscalização. É essa política de restrição que provoca a gradual degradação das áreas protegidas pelas actividades clandestinas.

A conservação da natureza carece, isso, sim, de um sério investimento, que atribua ao ICN verdadeiras capacidades, que leve combustível às viaturas dos vigilantes, que leve os vigilantes ao terreno, que potencie os técnicos do ICN nas funções que podem desempenhar, mas que são atribuídas a empresas privadas, que leve às áreas protegidas a prevenção contra os fogos florestais, a contenção e limpeza de terras e cursos de água, que impeça a construção clandestina, impune e prolífera.

O Governo manifesta total harmonia com a visão mais neoliberal do Estado, demitindo-se, assim, até da gestão territorial, pela via da incapacidade voluntária e táctica, deixando amplo terreno de exploração ao serviço dos interesses privados.

Exige-se que o Governo discuta a política de conservação da natureza com o poder local, com a Assembleia da República, com o movimento associativo e com as populações e que assuma uma posição de reforço das funções do ICN, através do investimento num ICN moderno, capaz e eficiente, num ICN cujos técnicos não passem os dias nos gabinetes, impedidos de praticar a sua tarefa central, porque ela foi entregue a uma empresa.

As superáreas, os superdirectores, a exclusão do poder local, a externalização, a privatização e a mercantilização da gestão territorial e da conservação da natureza são o caminho mais curto para o agravamento dos problemas que já conhecemos nas áreas protegidas.

A cedência aos interesses privados é a origem dos problemas dos parques e reservas. A partir de agora, a gestão destes será feita em parceria com esses interesses, por orientação política assumida.

Com um Governo assim, podem descansar os que constroem a mansão ilegal, os que destroem o subsolo, os que poluem a ribeira, os que deitam o entulho no parque natural; não podem descansar aqueles que entendem a conservação da natureza como uma condição para a melhoria da qualidade de vida das populações e como centro nevrálgico da política de recursos naturais e de ordenamento do território.

(...)

Sr. Presidente,
Sr.ª Deputada Alda Macedo,

Quero agradecer as questões colocadas.

De facto, é imperativo que o Estado esteja munido de um instrumento capaz de dar resposta às necessidades que se colocam actualmente, muitas delas provocadas até pela degradação de uma situação ambiental e de conservação da natureza que se vem vivendo, tal como, obviamente, à questão que coloca das alterações a curto ou a médio prazo que vão sentir-se no clima e na natureza e que vão carecer de resposta por parte do Estado.

Quanto à outra questão que coloca, sobre o decreto-lei do Governo relativo à autorização de construção e demolição em áreas ardidas, estamos perfeitamente de acordo com a visão de que isto vem criar desarticulação e facilitar o contornar de regras para utilizar os fogos florestais como um instrumento ao serviço da especulação imobiliária e dos interesses privados. É exactamente nesse sentido que o PCP vai apresentar a apreciação parlamentar do referido decreto-lei que o Governo acaba de fazer publicar; vamos, em prazo útil, pedir essa apreciação parlamentar.

Sr. Deputado Francisco Madeira Lopes, conhecemos o agendamento do debate de urgência por parte do Partido Ecologista «Os Verdes» e aproveitamos para saudar essa iniciativa. De facto, a reestruturação do ICN é uma matéria que carece a maior atenção desta Assembleia.

Sobre as questões que coloca, é óbvio que o que está a ser feito neste momento, além de ser uma grande campanha de propaganda por parte do Governo, como, aliás, já é típico em todas as áreas da sua intervenção, está a provocar uma profunda instabilidade junto daqueles que trabalham com a conservação da natureza.

Os membros desta Assembleia da República, mesmo quando questionam o Governo, não obtêm qualquer resposta e os trabalhadores do ICN são confrontados exactamente com a mesma situação. Portanto, há instabilidade. Vão ser demitidos? Não vão? Vão ser admitidos novos funcionários? Não vão? Vai haver cinco grandes áreas ou não vai?

Portanto, há uma instabilidade que prejudica as capacidades dos trabalhadores do ICN e que os coloca numa situação particularmente frágil, quando sabemos bem que os grandes problemas com que se cruza o ICN são essencialmente do foro económico, do estrangulamento financeiro a que o mesmo tem vindo a ser submetido e que não lhe permite executar a sua missão central, que é a de identificar os valores que deve proteger. Relembro que estes não estão identificados sequer, que não há cartografia objectiva da Rede Natura 2000 e que aquela que está a ser feita com maior detalhe está a ser exigida às autarquias. Portanto, uma competência que caberia em primeira mão ao ICN, para que não fique por fazer, está a ser remetida para as autarquias, o que obviamente cai fora do âmbito do trabalho autárquico na gestão das áreas protegidas.

Portanto, o ICN está incapaz, neste momento, de cumprir a sua missão central, os meios humanos do ICN têm vindo a ser sistematicamente diminuídos e têm visto a própria dignidade das suas profissões, no âmbito das tarefas que lhes são dadas, cortada e diminuída.

Assim, hoje, os técnicos do ICN querem efectivamente levar a cabo a execução de um plano de ordenamento e quando este se encontra a meio, por orientação política, é pedida a uma empresa que o complete.

Portanto, o ICN, neste momento, dedica os seus quadros a fazer uma tarefa e, depois, atribui o trabalho já meio feito a uma empresa para, depois, o ir comprar a essa empresa.

Obviamente que tudo isto provoca uma grande instabilidade e acrescenta descrédito à figura do ICN, que é provocado não pela incapacidade dos trabalhadores mas, sim, pelas políticas de direita e de desmembramento e de desmantelamento que têm vindo a ser postas em prática na área da conservação da natureza e junto deste instituto.

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