Projecto de Lei N.º 863/XII/4.ª

Institui o Programa Nacional de Combate à Precariedade Laboral e à Contratação Ilegal

Institui o Programa Nacional de Combate à Precariedade Laboral e à Contratação Ilegal

Preâmbulo

Um dos traços mais negativos da evolução social e laboral portuguesa, a par do desemprego é a crescente precarização das relações laborais.

Os dados revelados pelo INE, em fevereiro de 2015, apontam para uma taxa de desemprego de 13,5%. Se não se subtraíssem das estatísticas os mais de 166 mil trabalhadores desempregados em estágios e formações, se não se subtraíssem os 257 700 inativos – trabalhadores que estando disponíveis para trabalhar não procuraram ativamente emprego nas semanas que antecederam a recolha de dados - e os 251 700 trabalhadores que são obrigados a trabalhar a tempo parcial e chegar-se-ia à conclusão de que o desemprego atinge cerca de 22.2% da população.

Mais de 1 milhão e 200 mil trabalhadores, dos quais 34% são jovens e dos quais 64.5% são desempregados de longa duração.

No entanto, a esmagadora maioria do pouco emprego criado é precário (como demonstram os cerca de 580 400 trabalhadores isolados a trabalhar a recibo verde), com salários muito baixos, com elevados ritmos de trabalho, horários desregulados e elevados níveis de exploração.

De facto, os problemas da precariedade laboral, da contratação ilegal e da violação dos direitos dos trabalhadores são indissociáveis dos baixos salários e remunerações, da falta de condições de trabalho e de elevados níveis de exploração.

A precariedade laboral representa um estado de insegurança face à estabilidade, duração e qualidade do vínculo laboral, motivado por vários fatores, desde logo a incerteza provocada pelo carácter temporário do vínculo contratual a que o trabalhador está sujeito, a incerteza quanto à continuidade da tarefa que se desenvolve dentro da organização em que se está integrado, a incerteza quanto à manutenção dos direitos que protegem a natureza e qualidade do vínculo contratual a que se está sujeito – sobretudo através das alterações da legislação laboral, sempre penalizadoras dos trabalhadores e da destruição da contratação coletiva.

Em Junho de 2014, o Primeiro-Ministro afirmava que “não há precaridade laboral, mas há estabilidade laboral”, no entanto a realidade vivida por milhares de trabalhadores têm-se encarregado de o desmentir.

Entre 2008 e 2012 a economia portuguesa perdeu 522,8 mil empregos, o que significa uma redução de 10,7%. No que toca à taxa de emprego, em 2012 encontrava-se nos 61,8%, sendo que temos de recuar até 1987 para se encontrar um valor similar (62,8%). É claro que, em parte, esta destruição de emprego está relacionada com o aumento significativo da taxa de desemprego em Portugal para valores muito elevados.

Ainda que a precariedade seja um flagelo difícil de medir a partir de uns poucos indicadores estatísticos produzidos pelos institutos de estatística nacionais e internacionais, é possível retirar algumas conclusões.

Desde logo e a respeito da situação contratual, em Portugal, a contratação a termo abrange cerca de 20,7% dos empregados, rondando a média europeia os 13,7%.
Outro dado preocupante em relação à precariedade laboral advém do facto de que para 87,2% dos trabalhadores a contração a termo não resulta de uma opção voluntária. Assim, a larga maioria dos trabalhadores contratados a termo em Portugal encontram-se involuntariamente nessa situação.

Também o trabalho a tempo parcial é maioritariamente de natureza involuntária, uma vez que em Portugal o nível de trabalho a tempo parcial está normalmente associado a situações laborais mais vulneráveis.

Em Portugal cerca de 47,9% dos empregados que exercem trabalho a tempo parcial fazem-no involuntariamente, enquanto na média na Europa a percentagem é de 27,6% (em 2012) – ou seja, a maioria destes trabalhadores gostaria de trabalhar a tempo inteiro.

A precaridade laboral e o desemprego são problemas sociais gravíssimos e que condicionam as condições materiais de existência e sobrevivência dos trabalhadores. Tais situações preocupantes atingem os interesses, as aspirações, as condições de vida e própria dignidade de milhões de trabalhadores ao mesmo tempo que afetam o desenvolvimento social e comprometem o futuro do país.

As várias formas e modalidades de contratação precária - contratos a termo em desrespeito pela lei, uso abusivo de recibos verdes, encapotado trabalho em regime de prestação de serviços, bolsas de investigação ou estágios profissionais e trabalho temporário sem observância de regras, são as formas dominantes deste fenómeno, que apenas têm como elemento comum a precariedade e a insegurança de vínculos laborais associadas à limitação de direitos fundamentais.

Os sucessivos Governos da política de direita – PSD, PS e CDS – ao invés de combater este fenómeno têm promovido a precariedade laboral e o desemprego, nomeadamente através daquilo a que impropriamente chamam de “políticas de emprego” – utilizam os trabalhadores abrangidos pelos “Contratos de Emprego-Inserção”, “Contratos de Emprego-Inserção +” e estágios profissionais para, de forma precária e instável, suprirem necessidades permanentes dos serviços públicos e de empresas privadas.

No nosso país existem trabalhadores que sobrevivem há anos neste carrocel do desemprego e da precariedade - estágios não remunerados, estágios profissionais, contratos de emprego-inserção, cursos de formação profissional – tudo formas de contratação precária que não respondem nem às necessidades dos serviços públicos nem do desenvolvimento económico e produtivo do país e, muito menos, respondem às necessidades destes trabalhadores.

No nosso país até nos serviços públicos se assiste a uma crescente e preocupante precarização das relações laborais - existem milhares de trabalhadores em escolas, centros de saúde, hospitais e outros serviços públicos que, desempenhando funções permanentes, têm vínculos contratuais precários.

Convém não esquecer que um dos grandes passos no sentido da fragilização dos vínculos laborais na Administração Pública foi dado pelo anterior Governo PS que criou a figura do contrato individual de trabalho em funções públicas, destruindo a estabilidade do vínculo público e introduzindo a possibilidade de despedimento.

O trabalho precário significa saltar de atividade em atividade, sem qualquer estímulo à formação e à qualificação e sem possibilidade de verdadeiras especializações. O trabalho precário atinge todos os trabalhadores, de todas as camadas e setores. Mesmo aqueles que não se encontram numa situação de vínculo precário são pressionados, na sua relação com a entidade patronal e os diversos empregadores, pela precariedade existente.

Além disso, a precariedade faz diminuir a proteção no desemprego e na doença, criando sérios prejuízos nas carreiras contributivas dos trabalhadores e afetando a capacidade de arrecadação de receita por parte da Segurança Social.

A precariedade do emprego é a precariedade da família, é a precariedade da vida, mas é igualmente a precariedade da formação, das qualificações, da experiência profissional, bem como é a precariedade do perfil produtivo e da produtividade do trabalho, condicionando sobremaneira o desenvolvimento do país.

O PCP, no cumprimento do seu compromisso com os trabalhadores e o povo, apresenta propostas concretas e alternativas, apresenta soluções, no desenvolvimento de uma política patriótica e de esquerda, ao serviço do povo e do país.

O PCP entende que o combate à precariedade laboral, ao trabalho não declarado e à contratação ilegal deve constituir uma política do Estado, como constitui o combate ao trabalho infantil que, não tendo sido eliminado, foi claramente reduzido.

Uma política do Estado que deverá abranger as mais diversas áreas, setores e estruturas pelo que se justifica a criação de um Programa Nacional de Combate à Precariedade e à Contratação Ilegal e de uma Comissão Nacional que acompanhe o seu cumprimento.

Nos termos do disposto nos artigos 167º e 156º, alínea b), da Constituição e dos artigos 4º, n.º 1, alínea b) e 118º do Regimento da Assembleia da República, os Deputados do Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português apresentam o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.º
Programa Nacional de Combate à Precariedade Laboral e à Contratação Ilegal
1 - Pela presente lei é criado o Programa Nacional de Combate à Precariedade Laboral e à Contratação Ilegal, adiante designado por Programa Nacional.
2 - O Programa Nacional tem como objectivo a concretização de uma política de prevenção e combate à precariedade laboral e à contratação ilegal, visando a defesa e a promoção do exercício dos direitos dos trabalhadores.

3 - O Programa Nacional tem como missões prioritárias:
a) O combate aos vínculos laborais não permanentes para o desempenho de tarefas que correspondem a necessidades permanentes, promovendo vínculos contratuais estáveis e duradouros, designadamente o combate a formas de contratação precária, tais como o recurso a “Contratos de Emprego-Inserção”, “Contratos de Emprego-Inserção +” e estágios profissionais para o suprimento de necessidades não transitórias;
b) O combate às formas de trabalho não declarado e de contratação ilegal e às várias formas de tráfico de mão-de-obra;
c) O combate às práticas de aluguer de mão-de-obra, nomeadamente ao trabalho temporário, promovendo a inexistência de intermediação na relação laboral;
d) O combate à contratação a tempo parcial;
e) A promoção do exercício dos direitos individuais e colectivos dos trabalhadores.

Artigo 2.º
Comissão Nacional
1 - Para a prossecução e concretização das missões cometidas ao Programa Nacional é criada a Comissão Nacional de Combate à Precariedade Laboral e à Contratação Ilegal adiante designada por Comissão Nacional.

2 - A Comissão Nacional é composta por:
a) Um membro designado pelo Ministério da Solidariedade, Emprego e Segurança Social, que preside;
b) Um membro designado pelo Ministério da Economia
c) Um representante de cada confederação sindical, com assento no Conselho Permanente da Concertação Social;
d) Um representante de cada confederação patronal, com assento no Conselho Permanente da Concertação Social;
e) Um elemento designado pelos membros indicados nas duas alíneas precedentes.
3 – A Comissão Nacional elege o seu Presidente nos termos da alínea a) do número anterior, o qual, em caso de empate, tem voto de qualidade.

Artigo 3.º
Competências
1 - São competências da Comissão Nacional:
a) O estudo, a análise e o acompanhamento da evolução das situações de precariedade laboral e de contratação ilegal, efetuando a sua monitorização e diagnóstico, bem como centralização da informação recolhida;
b) A elaboração e a promoção de propostas e de iniciativas de prevenção e combate à precariedade laboral e à contratação ilegal;
c) O acompanhamento, em cooperação e articulação com a Autoridade para as Condições de Trabalho, do cumprimento da legislação em matéria de direitos laborais;
d) A sensibilização social contra as práticas de precariedade laboral e contra a contratação ilegal, combatendo a sua existência e expansão;

2 - No exercício das suas competências a Comissão Nacional deve, nomeadamente:
a) Promover, coordenar, dinamizar e apoiar acções de divulgação e de informação sobre a promoção e protecção dos direitos dos trabalhadores, junto destes e da opinião pública em geral, com vista à prevenção da precariedade laboral e da contração ilegal;
b) Dirigir recomendações a todas as entidades, públicas e privadas, qualquer que seja a sua forma ou natureza jurídica, no sentido de promover acções concretas de combate à precariedade laboral e à contratação ilegal;
c) Estabelecer acordos de cooperação institucional com outras entidades, nomeadamente com a Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT), sempre que o diagnóstico das situações e as necessidades justifiquem a execução de acções conjuntas para a prevenção da precariedade laboral e da contratação ilegal;
d) Promover a articulação com entidades inspetivas das áreas governamentais do Trabalho e da Solidariedade Social, das Finanças e da Economia, assim como com outros serviços que entenda relevantes, para a prossecução dos seus fins;
e) Instituir um procedimento de certificação de empresas, a partir de informação comprovada, que ateste o respeito pelos direitos dos trabalhadores e a inexistência de situações de precariedade laboral ou contratação ilegal, e promover a divulgação de uma lista das empresas certificadas neste âmbito;
f) Criar um programa específico para a Administração Pública, de monitorização permanente da situação em matéria de precariedade laboral, visando a sua eliminação, valorizando o papel que o Estado deve ter como exemplo da defesa e valorização do trabalho com direitos;
g) Acompanhar a criação e destruição líquida de postos de trabalho por tipo de contratação e sistematização dessa informação;
h) Acompanhar a efetiva criação de postos de trabalho, com vínculos permanentes, associada a investimentos com financiamento ou incentivos públicos, para cuja concessão concorreu o critério da promoção de emprego;

3 - No exercício das suas competências a Comissão Nacional pode ainda:
a) Realizar e incentivar a realização de debates, colóquios, conferências, programas de rádio e televisão, trabalhos na imprensa, sítios na Internet, editar livros, folhetos, exposições, publicações, criar um centro de documentação ou uma biblioteca especializada ou utilizar qualquer outro tipo de acções de informação e sensibilização social em torno da precariedade laboral e da contratação ilegal;
b) Estabelecer programas regionais e sectoriais de investigação, recolha de informação e intervenção em sectores ou empresas onde o risco de incidência de contratação ilegal o justifique;
c) Promover a elaboração de um sistema de informação directa sobre situações de trabalho precário e de contratação ilegal e de uma lista pública de casos de violação da legalidade mais gravosas;
d) Promover a divulgação das boas práticas e a promoção do intercâmbio de experiências;
e) Elaborar e/ou disponibilizar estudos, bibliografias, trabalhos de investigação, relatórios ou outra documentação de interesse para a prevenção e combate à precariedade laboral e à contratação ilegal;
f) Apoiar e promover a formação técnica e científica de pessoal qualificado com intervenção em matéria de combate à precariedade laboral e à contratação ilegal;
g) Apresentar propostas de promoção ou reforço do quadro de normas e mecanismos de prevenção e combate à precariedade laboral e à contratação ilegal;
h) Promover o estudo da realidade europeia e de outros países em matéria de combate à precariedade laboral e à contratação ilegal com vista ao aproveitamento nacional dessas experiências e ao desenvolvimento de cooperação comunitária e internacional;
i) Cooperar com organizações de âmbito internacional e com organismos estrangeiros que prossigam fins conexos com os da Comissão Nacional, tendo em vista participar nas grandes orientações internacionais relativas ao combate à precariedade laboral e contratação ilegal e vinculá-las a nível nacional.

4 – As competências da Comissão Nacional são exercidas sem prejuízo das atribuições que por lei são cometidas à Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT), e das inerentes competências dos seus órgãos.

5 – A Comissão Nacional apresenta à Assembleia da República um relatório anual relativo à prossecução das missões do Programa Nacional, ao exercício das suas competências, à observação da realidade nacional em matéria de precariedade laboral e contração ilegal e às perspetivas de evolução da sua prevenção e combate.

Artigo 4.º
Dever de cooperação
Todas as entidades públicas e privadas têm o dever de cooperar com a Comissão Nacional em ordem à prossecução dos seus fins, designadamente facultando as informações a que tenham acesso e que esta solicite no âmbito das suas competências.

Artigo 5.º
Dever de audição
A Comissão Nacional tem o dever de promover a audição dos sindicatos e outras organizações representativas dos trabalhadores, em ordem à célere e eficaz prossecução dos seus fins e a facilitar o exercício em concreto das suas competências.

Artigo 6.º
Conselho Consultivo
1 - É criado um Conselho Consultivo da Comissão Nacional, destinado a assegurar o contributo e a participação de departamentos governamentais e de entidades relevantes, para a prossecução dos fins cometidos à Comissão Nacional.

2 - O Conselho Consultivo é composto por:
a) Todos os membros da Comissão Nacional;
b) Um representante da Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT);
c) Um representante da Inspecção-Geral do Ministério da Solidariedade, Emprego e Segurança Social;
d) Um representante da Autoridade de Segurança Alimentar e Económica (ASAE);
e) Um representante da Inspecção-Geral de Finanças (IGF);
f) Um representante do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF);
g) Um representante do Alto-Comissariado para as Migrações (ACM);
h) Um representante da Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego (CITE);
i) Até dois representantes de outras entidades cujo contributo a Comissão Nacional entenda relevantes em matéria de combate à precariedade laboral e à contratação ilegal.

3 – O Conselho Consultivo procede a uma avaliação regular da actividade desenvolvida pela Comissão Nacional, apresentando propostas relativas à efectiva concretização das missões do Programa Nacional, à melhoria do funcionamento da Comissão Nacional ou outras que entenda adequadas.

4 – O Conselho Consultivo emite Parecer, com conclusões, sobre o Relatório a que se refere o n.º 5 do artigo 3º.

5 – Deve ser prestada aos membros do Conselho Consultivo automática e regularmente ou a seu pedido, toda a informação referente à actividade da Comissão Nacional.

Artigo 7.º
Serviços de apoio
Compete ao Ministério da Solidariedade, Emprego e Segurança Social regulamentar e dar execução às condições de instalação e funcionamento da Comissão, e afectar-lhe os meios técnicos e humanos, serviços de apoio e assessoria técnica necessários ao exercício das suas competências.

Artigo 8.º
Regulamentação
O Governo regulamenta a presente lei no prazo de 60 dias após a sua publicação.

Assembleia da República, em 10 de abril de 2015

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