Projecto de Lei N.º 80/XII

Institui a prescrição por DCI como regra no Serviço Nacional de Saúde

Institui a prescrição por DCI como regra no Serviço Nacional de Saúde

A política do medicamento tem sido marcada nos últimos anos por uma profunda ofensiva contra os direitos das populações no acesso a este importante recurso de saúde, quase sempre no sentido de encarecer o seu custo, transferindo uma parcela do pagamento progressivamente maior para os utentes, designadamente através da diminuição das comparticipações. Em paralelo são conjunturais as poupanças que o Estado obteve com as medidas aplicadas pelos últimos governos, uma vez que, de uma forma ou de outra, os interesses económicos do sector acabaram por recuperar e até ampliar os seus ganhos, sobretudo à custa de dinheiros públicos.

As declarações recentes do Ministro da Saúde e especialmente o conjunto de orientações incluídos, quer no memorando FMI/BCE/CE, quer no Programa do Governo, apontam para uma nova ofensiva em várias frentes contra ao Serviço Nacional de Saúde, mas também em particular para novas medidas de diminuição do apoio às populações na área do medicamento.

Isso é particularmente mais grave quando se acentuam profundamente as dificuldades económicas e sociais fruto de desastrosas políticas em relação aos salários, pensões e reformas, às prestações e apoios sociais, bem como de opções que conduzem à destruição e enfraquecimento dos serviços públicos, em particular na saúde.

Em simultâneo prevê-se também a consagração como regra da prescrição por DCI. Resta saber a que se refere este compromisso. Muitas vezes foi assumida essa posição por diversos partidos e governos, sem que se concretizasse exactamente que regime se pretendia aplicar. Há até quem afirme despudoradamente que a prescrição por Denominação Comum Internacional (DCI) já está actualmente consagrada na lei, confundido a exigência de referência ao princípio activo com possibilidade de acrescentar a marca, com a exigência de prescrever só por denominação comum internacional sem indicação de qualquer marca, como propõe o PCP neste projecto. Entre uma solução e outra vai a diferença entre uma aplicação efectiva da regra de DCI e uma norma meramente formal que fica na prática dependente da vontade e iniciativa de quem prescreve.

Há mais de 10 anos que o PCP tem vindo a propor a instituição da prescrição por DCI como regra. Sabemos que não reside aí a solução única e milagrosa para os problemas da política do medicamento e que esta medida só tem o seu pleno efeito quando coordenada com outras igualmente importantes; sabemos que houve um aumento da prescrição voluntária por DCI entre os médicos portugueses, bem como da utilização de medicamentos genéricos; sabemos que a instituição desta regra deve acautelar algumas excepções, garantindo que não a desvirtuem; mas nada disso pode negar que se trata de uma medida útil e de um instrumento para a racionalização dos gastos com medicamentos cujos resultados se devem reflectir na diminuição dos custos para os utentes.

Ao propor esta medida o PCP não tem qualquer intenção de atribuir a outros profissionais, que não os médicos, a possibilidade de prescrever medicamentos, mas de garantir que a escolha do medicamento de entre produtos igualmente validados pelas autoridades do medicamento, salvo os casos excepcionais, não é determinada pela marca mas sim pelo princípio activo. Defendemos por isso medidas que previnam a interferência de interesses comerciais na distribuição, no que diz respeito à escolha do medicamento a usar.

Na anterior legislatura chegou a haver a possibilidade de se avançar, mesmo que de forma muito tímida, neste sentido. Essa possibilidade foi gorada à última hora por uma súbita mudança de posição do PSD que, em conjunto com o PS, acabou por chumbar as escassas alterações em perspectiva. Faz todo o sentido por isso avançar desde já com o presente projecto de lei.

Artigo 1.º

Objectivo

A presente lei visa a racionalização dos gastos públicos na área do medicamento, garantindo, simultaneamente, a melhoria do acesso dos utentes aos cuidados medicamentosos.

Artigo 2.º
Prescrição de medicamentos

1 — A prescrição de medicamentos comparticipáveis pelo Serviço Nacional de Saúde é efectuada com indicação da substância activa, nome genérico ou denominação comum internacional, seguida de dosagem, forma farmacêutica e posologia.
2 — A farmácia está obrigada a informar o utente das várias opções disponíveis, bem como dos respectivos preços, designadamente daquelas com preço igual ou inferior ao preço de referência para comparticipação.
3 - É obrigatória a disponibilização na farmácia de um número mínimo de apresentações em cada princípio activo, a definir pelo Infarmed de acordo com o número de apresentações disponível no mercado, incluindo mais do que uma das que têm preço igual ou inferior ao preço de referência para comparticipação.
4 - Caso o utente opte por medicamento cujo valor seja superior ao preço de referência para comparticipação do respectivo princípio activo, deve declará-lo em local próprio na receita, assinando em seguida.
5 - Em casos excepcionais em que existam fundadas razões terapêuticas, pode ser acrescentada a marca ou o titular da autorização de introdução no mercado aos elementos referidos no número anterior, devendo o prescritor apensar à receita a fundamentação para essa opção.
6 - As fundamentações referidas no número anterior são remetidas ao Infarmed que procederá à sua análise por amostragem.

Artigo 3.º
Comparticipação de medicamentos

1- Nos casos previstos no nº 5 do artigo anterior, a comparticipação do medicamento faz-se tendo como referência o preço de venda ao público do medicamento em causa.
2 — O Ministério da Saúde procede regularmente à avaliação da eficácia terapêutica dos medicamentos, do seu preço de venda, bem como do nível de comparticipação pelo Estado.
3 — Deixam de ser comparticipados os medicamentos em relação aos quais se verifique a existência de uma eficácia terapêutica comprovadamente duvidosa ou que tenham um preço demasiado elevado, e neste caso desde que exista alternativa em medicamento igualmente comparticipado com igual composição quantitativa e qualitativa e preço mais baixo.

Artigo 4.º
Quadro sancionatório
O Governo define o quadro sancionatório aplicável em caso da violação das normas do artigo 2.º do presente diploma.

Artigo 5.º
Aplicação no tempo
O disposto no artigo 2º aplica-se:
a) A partir do dia 1 do terceiro mês seguinte à publicação desta lei, quanto aos princípios activos onde estão disponíveis medicamentos genéricos;
b) A partir do dia 1 do sexto mês seguinte à publicação desta lei nos restantes casos.

Artigo 6.º
Regulamentação
O Governo regulamenta o presente diploma no prazo de 30 dias.

Assembleia da República, em 28 de Setembro de 2011

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