Intervenção de

Injustiças sociais, emprego e direitos dos trabalhadores - Intervenção de Francisco Lopes na AR

 

Interpelação ao Governo n.º 13/X - Centrada nas questões das injustiças sociais, do emprego e dos direitos dos trabalhadores

 

 

Senhor Presidente,
Senhor Primeiro-Ministro,
Senhores Membros do Governo,
Senhores deputados,

O Partido Comunista Português traz hoje a debate na Assembleia da República a profunda preocupação com o continuado agravamento das injustiças sociais e a situação insustentável que está a ser criada aos trabalhadores e ao povo português.

Dois anos de Governo PS, de aprofundamento da política de direita, traindo expectativas e esperanças, conduziram a uma situação que tem que ser consciencializada e impõe uma urgente mudança de rumo.

O desemprego atingiu o mais elevado valor das últimas duas décadas. No final de Março deste ano a taxa de desemprego subiu para 8,4% e o numero de desempregados ultrapassou os 469 mil, com o desemprego de longa duração a atingir os 50% e o número de jovens com menos de 25 anos desempregados a chegar perto  dos 100 mil.

Isto não acontece por acaso, é em primeiro lugar consequência duma política económica subordinada ao pacto de estabilidade e ao défice claramente oposta aos interesses nacionais.

Até há pouco tempo o Governo procurava disfarçar a gravidade do problema do desemprego com a criação liquida de postos de trabalho. Agora já nem isso pode dizer, há dois trimestres consecutivos em que o número de postos de trabalho destruídos é maior que o número dos que são criados, está a haver destruição líquida de emprego.

Esta situação precisa de ser enfrentada, mas em vez de medidas com esse objectivo o Governo desdobra-se em explicações.

O Ministro da Economia vem falar de modernização da economia com a substituição de emprego pouco qualificado por emprego mais qualificado, aproximando-se daqueles que dizem tratar-se de um desemprego virtuoso. 

O Ministério do Trabalho procura escamotear a realidade, invocando os números do IEFP, que são fruto de uma judiciosa gestão administrativa e de soluções criativas de combinação com a segurança social e programas ocupacionais.

Globalmente o Governo revela uma cruel insensibilidade face à situação de centenas de milhares de famílias, aos seus problemas e angústias, que veem reduzido o tempo de duração e o valor do subsidio de desemprego, não restando para muitos outro caminho que não seja a emigração cada vez mais em condições deploráveis.

Em vez de mudar o rumo da política económica para garantir um real crescimento e criação de emprego, contenta-se com uma estatística imediata que aponta um crescimento de 2,1%, para uma média da União Europeia superior a 3%, o que significa festejar, como se de um êxito se tratasse, o facto de Portugal ter cada vez maior atraso em relação ao nível de desenvolvimento dos outros países da Europa.

E, enquanto o Governo canta e se encanta com a sua própria propaganda e com ela procura iludir o povo português, as empresas vão encerrando. No primeiro trimestre deste ano a industria transformadora perdeu mais de 20 mil trabalhadores e a semana passada a Delphi da Guarda anunciou o despedimento de metade dos seus efectivos, associando-se a uma longa lista negra de empresas e sectores.

Também aqui se revela a ausência de uma política do Governo e a sua atrapalhação bem visível na precipitação com que o Ministro Manuel Pinho anunciava como solução para os trabalhadores da Guarda postos de trabalho, na Delphi de Castelo Branco que afinal já estavam ocupados há meses.

Em qualquer caso é necessário encontrar soluções numa região perto da fronteira onde a política económica do Governo com o IVA e a diferença de preços em relação a Espanha está a ser uma autêntica bomba de neutrões sobre a actividade económica.

É hoje evidente que a promessa da criação dos 150 mil postos de trabalho fica cada vez mais para a história das expectativas desfeitas.

A situação social revela também que este Governo passou a deter o recorde da precariedade nas relações de trabalho. Mais de 1 milhão e 200 mil trabalhadores, na sua maioria jovens, têm vínculos precários. Com contratos a termo, trabalho temporário, sistemas de bolsas, falsos recibos verdes, entre outras situações, são o maior número de sempre, representam 23,5% da população empregada, quase um quarto dos trabalhadores. Só no último ano o número de trabalhadores com contratos precários aumentou 12,6%. Em vez da qualificação e da elevação do perfil produtivo, temos a aposta na instabilidade, na lógica do curto prazo, na precariedade da vida de gerações inteiras, na violação de direitos e condições de trabalho.

Violação dos direitos que continua a ser facilitada com a falta de meios da Inspecção-Geral do Trabalho que devia ter 600 inspectores e tem apenas 187, carência que a anunciada contratação de 100 novos inspectores está longe de resolver.

A acção do Governo de redefinição e desmantelamento do Estado e em particular das suas funções sociais, com a privatização, extinção e degradação de serviços e a criação de novas áreas de negócio à custa o erário público, dos direitos dos trabalhadores e dos interesses da população está a acentuar as desigualdades e injustiças sociais. Um ataque que incorpora a aplicação da nova forma de cálculo das pensões de reforma que levará a uma redução progressiva do valor das pensões e ao aumento da idade da reforma.

Passados dois anos é patente que o Governo não está a cumprir os compromissos que assumiu para a alteração dos aspectos mais negativos do Código do Trabalho, como o tratamento mais favorável ou a caducidade da contratação colectiva e dá sinais de novas cedências às confederações patronais na sua revisão.

É particularmente preocupante que, no momento em que se prepara para assumir a Presidência da União Europeia, o Governo se esteja a comprometer com o processo da flexigurança, projecto de liberalização dos despedimentos individuais sem justa causa visando colocar todos os trabalhadores portugueses em situação precária, à mercê do despedimento, de preferência sem indemnização. Um processo que visa ao mesmo tempo reforçar a arrogância patronal na fixação de horários, funções, carreiras, remunerações e condições de trabalho. É um projecto que o governo quer apresentar como inevitável dizendo "que se não entra pela porta, acabará por entrar pela janela", mas a gravidade do que está em causa exige que não entre nem pela porta, nem pela janela, nem por qualquer postigo. Seria a lei da selva e uma ofensa à dignidade dos trabalhadores que é de todo inaceitável.

O Governo PS assume uma elevada responsabilidade pelo agravamento das injustiças sociais e pela maior queda dos salários reais dos trabalhadores portugueses há 22 anos a esta parte. Em 2006 os salários dos trabalhadores portugueses, já de si dos mais baixos da Europa, perderam 0,9% do seu valor. É preciso recuar ao já longínquo ano de 1984 para ter uma situação idêntica. Diminuição de salários e remunerações, baixos aumentos de pensões, brutais aumentos de preços, endividamento das famílias, subida dos juros criam uma situação dramática a milhões de portugueses, com a pobreza a afectar 20% da população mais de 2 milhões de portugueses. Em Portugal a desigualdade na distribuição dos rendimentos é a maior da União Europeia, os 20% da população com rendimentos mais elevados, ganham 8,2 vezes mais do que os 20% com rendimentos mais baixos.

E, enquanto a situação dos trabalhadores e da maioria da população se deteriora, os lucros dos grupos económicos e financeiros aumentam significativamente com sete empresas que incluem os principais grupos financeiros a obterem de lucro em 2006 mais de 5,3 mil milhões de euros, numa situação de ostentação inaceitável. Como é inaceitável a remuneração dos gestores das empresas cotadas na bolsa que em média representou, 378 mil euros por cada membro de conselho de administração, isto é 31,5 mil euros/mês. Acresce que uma grande parte destes administradores teve aumentos entre 2000 e 2005 superiores a 300% e muitos foram aumentadas sessenta vezes mais que um trabalhador comum. 

Comparado com os magros salários dos trabalhadores e baixas pensões de reforma esta situação é revoltante, e ainda mais quando se sabe que são alguns destes administradores os promotores das campanhas dos sacrifícios, da contenção e redução dos salários e pensões, da amputação dos direitos laborais e sociais.

O Governo PS fala todos os dias de preocupações sociais, baptiza-se a si próprio de esquerda moderna, vá-se lá saber o que é que isso quer dizer, mas uma coisa é certa, na sua prática destes dois anos concretiza uma política que nada se diferencia da do PSD e do CDS, e está a disputar com sucesso o título de campeão dos campeões da política de direita em Portugal. Ao fim de dois anos de Governo PS a realidade mostra quem é prejudicado e quem é beneficiado com a sua política: os trabalhadores, os reformados e pensionistas, os pequenos e médios empresários, o povo português estão pior, os grupos económicos e financeiros acumulam cada vez mais lucros e benesses.

É uma situação inaceitável, que desperta a oposição e o descontentamento dos trabalhadores e das populações que se têm manifestado por todo o país de uma forma raramente vista e que terá na Greve Geral convocada pela CGTP-IN para 30 de Maio um momento marcante, expressão maior da solidariedade e da luta dos trabalhadores portugueses.

Senhor Presidente,
Senhores membros do Governo,
Senhores deputados,

Como se já não bastasse o ataque aos direitos económicos e sociais, o Governo tem em curso, a maior ofensiva de limitação do direito à greve desde o 25 de Abril de 1974.

Que outra coisa se pode dizer de um Governo cujo Ministro das Finanças elaborou um despacho fazendo o papel de capataz repressivo para intimidar os trabalhadores e os responsáveis da administração pública. É um acto de má consciência por saber que os trabalhadores da administração pública são dos mais atingidos nos seus direitos que tem razões fortes para fazer greve. Não está em causa o registo de quem faz greve para o desconto respectivo no salário, o que está em causa é o propósito de um levantamento para identificação intimidadora a pretexto de balanços estatísticos. O que está em causa é a ameaça de processos aos responsáveis dos serviços caso não façam o levantamento o que configura a tentativa de proibição de exercício do direito à greve por parte dos trabalhadores que assumem esses níveis de responsabilidades.

Esta diatribe anti-greve, na sua forma mais absurda e ilegal, está a ser desenvolvida pelas administrações de empresas tuteladas pelo governo que aproveitando-se do Código do Trabalho e subvertendo completamente o conceito de serviços mínimos querem liquidar o direito à greve nas empresas de transportes. No Metro propuseram o funcionamento de duas principais linhas com todos os trabalhadores correspondentes das várias áreas. Na Carris propuseram o funcionamento de mais de 25% das carreiras, designadamente as que passam junto dos hospitais, como se os doentes urgentes fossem de autocarro para o hospital, numa fundamentação tão estafada que fez esquecer que essas mesmas carreiras consideradas imprescindíveis em dia de greve, não são asseguradas as 24 horas nos dias normais.

Quem assim age coloca-se à margem da Constituição e da legalidade democrática.

Do alto da sua arrogância, da sobranceria da sua maioria absoluta o Governo procura passar a imagem de que pode fazer o que entender por mais despropositado e injusto que seja. Diz o governo que não ouve a rua, nem quem grita mais alto. Mas confusão sua, o que apelida de rua são afinal muitos dos portugueses insatisfeitos que não querem este rumo para o país, parte dos quais apoiaram o PS nas últimas eleições e se sentem hoje defraudados.

Os trabalhadores e o povo português precisam de um país de progresso, de direitos e condições de vida do futuro e não do regresso ao passado. Precisam de uma nova política que aposte no aparelho produtivo e na produção nacional, que promova a criação de emprego, a qualificação e a elevação do perfil produtivo, que conceba os direitos dos trabalhadores como objecto e condição do desenvolvimento, que ataque as injustiças e desigualdades. Decididamente Portugal precisa de uma ruptura com a política de injustiça social e declínio nacional que o Governo teima em prosseguir, de um novo rumo, para o país mais desenvolvido e mais justo a que o povo português tem direito e que acabará por conseguir. 

(...) 

Sr. Presidente,
Sr. Ministro do Trabalho,

V. Ex.ª disse que considerava que o seu discurso não era nem optimista nem pessimista. E, de facto, temos de reconhecer que foi sobretudo um discurso que passou ao lado das questões essenciais da situação económica e social, dos problemas sociais que afectam os trabalhadores e o povo português: o desemprego, mas também, em particular, as questões dos salários e da quebra do poder de compra, que se verificou de uma forma tão pronunciada como há muitos anos não acontecia no nosso país.

O Governo não pode passar ao lado de um problema destes, a não ser que esteja a vingar a tese do Ministro Manuel Pinho, exposta na China, de que a estratégia do Governo é a de apresentar a imagem de um País empobrecido, com salários baixos e progressivamente em desvalorização.

Uma segunda questão tem que ver ainda com o subsídio de desemprego.
O desemprego aumenta, pelo que se impunha aumentar também a protecção aos desempregados. O Governo optou por um caminho diferente, designadamente diminuindo o período de atribuição do subsídio de desemprego.

No essencial, para a generalidade dos trabalhadores, diminuiu o período de atribuição.

O Sr. Ministro disse aqui que o Governo conseguiu atribuir mais cedo o subsídio de desemprego, mas a grande questão não é essa, é que conseguiu, com esta alteração, que o subsídio de desemprego acabe mais cedo para a generalidade dos trabalhadores.

Essa é a grande questão! Mais: isso significa que é cada vez maior o número de desempregados que não tem subsídio de desemprego e nem subsídio social de desemprego, ao nível de percentagem no seu conjunto. E, portanto, era útil que, também nesta matéria, nas estatísticas do Instituto do Emprego e Formação Profissional passasse a ser divulgado regularmente o número de desempregados que não recebem subsídio de desemprego e o número de desempregados que não recebem subsídio social de desemprego. Portanto, era útil que fosse divulgado com a máxima regularidade este conjunto de elementos.

Sr. Ministro, passo a uma terceira questão, relativa ao facto de na lei que saiu sobre o subsídio de desemprego ter ficado estabelecido que o valor do mesmo é calculado tendo como referência o salário mínimo nacional. Esta lei entrou em vigor em Janeiro deste ano.

Entretanto, entrou também em vigor uma nova lei com o indexante dos apoios sociais, o IAS. O que é que aconteceu surpreendentemente a partir desse momento, segundo informações que nos chegaram e que gostaria que o Sr. Ministro pudesse comprovar? É que, a partir do momento em que saiu a lei do indexante, os serviços deixaram de aplicar a referência do salário mínimo nacional para o cálculo do subsídio de desemprego e substituíram-na pelo valor do indexante, independentemente de a lei do subsídio de desemprego continuar em vigor. Qual é a consequência disto?

Esta é a informação que nos chegou. Queremos colocar ao Sr. Ministro esta questão porque ela foinos transmitida, e é nesse sentido que estamos aqui a colocá-la. Portanto, o que queremos saber é se isto é verdade, se os serviços do Ministério estão a tratar o assunto nesses termos. E, se é assim, achamos mal, porque tal significa uma redução complementar no valor do subsídio de desemprego.

Portanto, impõe-se resolver esse problema, ao mesmo tempo que é necessário considerar um tipo de apoio diferente e superior para os desempregados.

Lembro, Sr. Ministro, que é importante a sua resposta à questão colocada pelo meu camarada Jorge Machado relativamente à Quimonda. É uma questão emblemática sobre o problema da precariedade e da violação dos direitos dos trabalhadores que não devia ficar sem resposta nesta interpelação sobre os direitos dos trabalhadores.

 

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