Intervenção de

Iniciativa dos cidadãos de propor a realização de consultas locais - Intervenção de José Calçada

Projecto de Lei nº 128/VII, do PCP, que atribui à iniciativa dos cidadãos
o poder de propor a realização de consultas locais
Intervenção de José Calçada

Senhor Presidente,

Senhoras e Senhores Deputados:

Por força da Lei nº 49/90, de 24 de Agosto, apenas as assembleias ou os
órgãos executivos da autarquia, ou um terço dos membros das assembleias
ou dos órgãos executivos da autarquia em efectividade de funções, podem
assumir a iniciativa de apresentar propostas sobre a realização de
consultas locais.
No essencial, o que pretendemos com a apresentação do nosso projecto nº
128/VII é que, para além das entidades atrás referidas, possam também
tomar a iniciativa de propor a realização de consultas locais os cidadãos eleitores da área da respectiva autarquia local
,
não podendo a proposta ser apresentada
por menos de 1/10 dos eleitores recenseados na área da respectiva
autarquia, não sendo no entanto em nenhum caso exigível um número de
proponentes superior a 5.000
cidadãos eleitores. Entendemos estes números como sensatos e razoáveis,
politicamente e quantitativamente, sob pena de, se mais restritivos
fossem, esvaziarem de sentido
útil o próprio conteúdo do nosso projecto de lei. Não pretendemos
montar um simples cenário de aparências, simulando dar aos cidadãos com
uma das mãos aquilo que afinal se lhes retiraria com a outra.

Se se visa, como é o caso do nosso projecto, garantir o acesso
dos cidadãos ao exercício do poder político local, facultando-lhes um
instrumento para suscitarem uma tomada de decisão sobre determinada
matéria com plena eficácia jurídica -- mal
seria que tal se fizesse em termos tais que, na prática, viessem a
anular essa faculdade. Como expressão que são da democracia
participativa, as formas de intervenção
dos cidadãos nas actividades da Administração Pública e no próprio
exercício do poder político nomeadamente do poder político local, devem
ser estimuladas e reforçadas. É dentro deste entendimento que, para o
artigo 241º da Constituição da República e em sede da CERC, foi
possível até ao momento atingir-se a seguinte sugestão de redacção, e
cito: "As autarquias locais podem submeter a referendo dos respectivos
cidadãos eleitores matérias incluídas nas
suas atribuições, nos casos, nos termos e com a eficácia que a lei
estabelecer, a qual pode admitir a iniciativa dos cidadãos eleitores"
(fim de citação).
Aliás, se bem que circunstancialmente, esta redacção é exemplar, pela
positiva, das potencialidades institucionais de um funcionamento
política e eticamente sério
da CERC -- e, por contraste, torna ainda mais saliente e condenável o
negócio global engendrado pelos estados-maiores do PS e do PSD em
matéria de revisão constitucional, à revelia desta Assembleia, à
revelia da respectiva Comissão, à revelia ainda da generalidade dos
deputados dos seus grupos parlamentares, e contrariando frontalmente
compromissos
eleitorais e programáticos do Sr. Engº Guterres e do seu Governo.

Os que dizem pretender a vivificação da democracia
representativa através de formas de reforço da participação do cidadão
pela via da democracia directa -- não podem, por outro lado, subverter
princípios e práticas fundamentais de representatividade até agora
consagrados na Constituição da República.
Tal comportamento, no mínimo, levar-nos-ia a olhar com justificada
suspeição os seus esforços com vista ao reforço da democracia directa,
esforços que estariam enfermos de uma incurável hipocrisia política e
de um oportunismo de todo inaceitável.

Senhor Presidente,

Senhoras e Senhores Deputados:

Mais do que questionarmos a oportunidade deste debate, o
importante é que ele nos permita concluir da existência nesta
Assembleia de uma vontade real de abertura à participação popular, à
participação dos cidadãos, no domínio que ora apreciamos, domínio em
que, independentemente dos critérios de interpretação da Constituição
da República, tem vindo a assumir um peso determinante e restritivo a
nossa forte tradição centralista.

Pela nossa parte, e com o nosso projecto, estamos a dar um
contributo sério para uma real abertura
à participação. E fazemo-lo à luz da Constituição da República
existente -- e não à luz daquela outra, ou daquelas outras, que por aí
correm na penumbra dos corredores, ou no "secretismo" das primeiras
páginas dos jornais.

 

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